Ministro do STF critica pressão por revisão de penas e alerta para risco de impunidade aos articuladores dos atos golpistas
O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou em entrevista ao O Globo que vê com preocupação a articulação política que busca anistiar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Segundo ele, a proposta impulsionada por setores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro mira, principalmente, livrar de responsabilização os mentores da tentativa de ruptura institucional.
“A minha experiência política, nesses anos todos, revela que esse projeto só tem impulso com o objetivo de beneficiar os mentores”, declarou o magistrado.
Na avaliação de Gilmar, os episódios de janeiro do ano passado não podem ser minimizados. Ele afirma que o país esteve diante de uma trama de extrema gravidade e que muitos condenados já foram, ou serão, beneficiados pela legislação penal vigente, como progressão de regime e prisão domiciliar.
“As pessoas estão minimizando aquilo que ocorreu. Se viu nessa investigação que havia ameaças muito sérias, inclusive de matar pessoas. Então, não estamos falando de um passeio no parque. É algo grave. Nossa missão é esclarecer que não se trata de algo banal”, explicou.
O ministro refutou críticas de que o STF tenha julgado os primeiros casos do 8 de janeiro sob forte emoção, como sugeriu o colega Luiz Fux. “Não concordo. Não acho que nós sejamos pessoas submetidas a fortes emoções. Normalmente, não é o nosso caso. [...] Dentro de um quadro extremamente preocupante, com omissão da polícia, é todo um conluio que justificava os temores que depois foram infelizmente confirmados, que se tratava de uma trama”, disse.
Gilmar também defendeu que o STF não deverá rever as condenações já aplicadas, embora haja espaço para análises individualizadas conforme previsto na legislação. “Eu não espero que isso se dê. O que poderá haver é a análise de situações individualizadas que justifiquem ou progressão, que já está prevista na legislação, ou a aplicação de prisão domiciliar em casos previstos na lei”, afirmou.
Sobre os efeitos políticos da proposta de anistia, o ministro afirmou que, mesmo que o discurso público da medida se concentre em casos de menor gravidade, o real objetivo é proteger os responsáveis intelectuais pelo movimento golpista.
“Ainda que o melhor invólucro seja a Débora do Batom, para supostas justificativas de exageros do Supremo, o projeto tem outra mira. [...] Não podemos minimizar se pensamos em matar o presidente da República (Lula), o ministro do Supremo (Alexandre de Moraes), o vice-presidente da República (Geraldo Alckmin), eliminar a cúpula do Poder Executivo. Não sei se podemos imaginar fatos mais graves do que esses”, lamentou.
Gilmar Mendes reiterou a importância de respeitar o resultado das urnas e advertiu que a tentativa de subverter a alternância de poder ataca diretamente os fundamentos da democracia. “Na medida em que alguém perde a eleição e não aceita a alternância de poder, encerrou-se o ciclo democrático tal como nós o conhecemos. Adversários não são inimigos. Essa é a lógica”.
Ao comentar os diálogos com o Congresso, o decano revelou que mantém conversas constantes com o presidente da Câmara, Hugo Motta, e com o senador Davi Alcolumbre. Ele acredita que há um ambiente institucional de diálogo entre os Poderes, apesar da “muita espuma” em torno do tema. “Temos um ambiente institucional muito tranquilo. Tem muita espuma, mas nós estamos num momento de bom diálogo dos Poderes, do Supremo com o Congresso”.
Sobre a possibilidade de julgamento ainda este ano do caso que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro, Gilmar foi sucinto. “Sim, mas vamos aguardar”, disse.
Ao ser questionado sobre a chance de reversão das penas de inelegibilidade impostas a Bolsonaro pela Justiça Eleitoral, como mencionado pelo ministro Alexandre de Moraes, Gilmar reconheceu o histórico de poucas revisões, mas preferiu cautela. “Se olharmos os casos de discussão e decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), são raros os casos de reversão. Mas vamos aguardar.”
Na entrevista, Gilmar também comentou sobre o conservadorismo crescente no Congresso e a relação do Judiciário com os parlamentares, além de defender a revisão do atual modelo de emendas e justificar a decisão de suspender processos envolvendo trabalhadores contratados como pessoa jurídica. Em todas essas frentes, o ministro reforçou a necessidade de diálogo institucional e estabilidade jurídica como fundamentos da democracia.
Fonte: Brasil 247 com informações do jornal O Globo
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