Por Joaquim de Carvalho, 247 - Coordenador do grupo Prerrogativas, o jurista Marco Aurélio de Carvalho se preocupou com uma declaração de Lula de que talvez não se candidate à reeleição em 2026. “O presidente Lula é a única liderança política capaz de reconstruir e de reconciliar o país. Nós precisamos fazer apelo para que ele se candidate em 2026”, afirmou, em entrevista exclusiva ao 247.
Marco Aurélio é uma das pessoas mais próximas de Lula, posição que ele conquistou sobretudo ao enfrentar os abusos da Lava Jato e lutar pela liberdade do presidente, alvo, em 2018, de uma prisão política.
Filiou-se ao PT com 16 anos, quando Lula disputava sua segunda eleição para presidente, em 1994. Dois anos depois, Marco Aurélio entrou na Faculdade de Direito da PUC de São Paulo, e presidiu o Centro Acadêmico 22 de Agosto.
Não ocupa cargo no governo, mas acompanha de perto o que acontece em Brasília, sobretudo no que diz respeito às relações do governo com o Judiciário.
"Pressão sobre Lula por diversidade no STJ é inoportuna", afirma. "Lula é o recordista absoluto em nomeação de mulheres e de mulheres pretas para posições de destaque no nosso sistema de justiça", acrescenta.
Nesta entrevista, Marco Aurélio faz um balanço dos dois anos de governo.
Aponta os acertos e não deixa de responder a perguntas sobre eventuais erros.
“Acho que houve problema sério de comunicação que a gente deve corrigir, a percepção da população em relação ao governo é absolutamente desproporcional ao número enorme de realizações”, observou.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
247 - Como o senhor avalia a atuação do presidente Lula na relação com o Poder Judiciário e, sobretudo, nas indicações para os tribunais superiores?
Marco Aurélio de Carvalho - Indiscutível o compromisso que o presidente Lula tem com a construção de um sistema de justiça mais diverso, mais inclusivo, verdadeiramente antirracista e mais representativo da sociedade, onde todos nós hoje vivemos, que é composta por uma maioria de mulheres e de mulheres pretas.
Este compromisso foi materializado nas indicações que o presidente fez para postos estratégicos do nosso sistema de justiça. Recentemente, alçou mulheres magníficas para cargos extremamente importantes. Hoje, o Tribunal Superior Eleitoral é composto por duas mulheres negras nomeadas pelo presidente Lula. Atualmente, são quatro as ministras que compõem o Superior Tribunal de Justiça, o STJ, e o presidente nomeou três, nomeou a ministra Regina Helena, aliás foi a presidente Dilma, perdão – mas os nossos governos nomearam –, nomeou a ministra Maria Tereza, ele próprio, nomeou a ministra Daniela Teixeira, que, em pouco tempo, já se transformou inclusive na ministra da cidadania.
Nomeou também diversas mulheres para cargos importantes em tribunais regionais federais, da terceira região, da primeira região, da segunda região, de outras regiões e eu cito, em especial, a Claudia Franco, uma mulher magnífica, Gabriela Araújo, outra mulher incrível, diversas mulheres, enfim, que compõem também, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que representa Brasília e outros oito estados, nomeou a Ana Carolina Roman, enfim, são muitos os nomes, diversas desembargadoras para os tribunais regionais eleitorais, posso citar, entre tantas outras, a Manuela Dourado para o Rio de Janeiro, a Daniela Galvão em São Paulo, enfim, são muitas nomeações. O Conselho de Ética da Presidência também é composto por mulheres, pela Carol Proner, pela Marcelise de Miranda Azevedo, até pouco tempo atrás pela Kenarik Boujikian , mulheres que ele também nomeou. E ele tem tido uma relação absolutamente republicana e muito respeitosa com o Poder Judiciário e com os demais poderes. Merece, portanto, o nosso reconhecimento e o nosso aplauso.
247 - Lula nomeou Cristiano Zanin para a vaga de Ricardo Lewandowski no STF. Na época, houve pressão, inclusive de uma alta funcionária do governo dos EUA, para que nomeasse uma mulher negra para essa vaga. Como o senhor vê cobranças desse tipo?
Marco Aurélio - Natural que haja pressão, e o presidente sabe conviver muito bem com as pressões que recebe. Mas eu acredito que essas cobranças são absolutamente inoportunas. Lula é o recordista absoluto em nomeação de mulheres e de mulheres pretas para posições de destaque no nosso sistema de justiça. É claro que a gente precisa corrigir as distorções de representatividade, em especial em alguns tribunais, no Supremo, no STJ, mas o que a gente tem defendido é que o recorte de gênero, que é importante, pode ser até dos mais importantes, não pode ser o único recorte para essas indicações. Então a pressão, sobretudo de autoridades enfim norteamericanas, me parece absolutamente inoportuna.
247 - O PT aprendeu a fazer nomeações, tendo em vista que o partido já foi “acusado” de excesso de republicanismo?
Marco Aurélio - O presidente Lula tem demonstrado uma maturidade muito grande para fazer essas indicações, algo que, parece, o PT aprendeu. As indicações são políticas, nós não podemos ser hipócritas e fechar os olhos para isso. Elas têm uma dimensão fortemente política. A relação de confiança é fundamental. É claro que nós temos requisitos constitucionais: reputação ilibada, notável saber jurídico, mas é fundamental que a gente indique pessoas que têm um compromisso com a construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais solidária. Pessoas que, de alguma forma, dividam conosco princípios e propósitos. O presidente construiu, na verdade, um processo para essas indicações. Ele ouve quatro ministérios. Ouve a Advocacia-Geral da União, que tem dado uma colaboração preciosa para esse processo. O Ministério da Justiça. Ouve a Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais. Só após a oitiva desses ministros, que, por sua vez, também fazem as suas consultas, ele passa, portanto, a ouvir outros atores da Sociedade Civil, partidos políticos da base aliada, colegas advogados, para aí se formar a convicção. Mas uma coisa importante a gente deixar claro, que nós vamos apoiar toda e qualquer escolha que o presidente fizer, porque a ele cabe, somente a ele, o direito e o dever de fazer essas escolhas, já que ele recebeu 60 milhões de votos para fazer, entre outras, essas escolhas. A responsabilidade, o direito e o dever, indiscutivelmente, são dele.
247 - O Prerrogativas, grupo do qual o senhor é um dos coordenadores, surgiu para a defesa da Constituição. O senhor pode dizer como surgiu a entidade. Sabemos que existem livros e até um documentário produzidos com apoio dos senhores. Pode fazer um balanço do trabalho dos senhores?
Marco Aurélio - O Prerrogativas surgiu em 2014 como uma espécie de observatório da democracia. Quando o então candidato derrotado pras eleições presidenciais Aécio Neves ocupou a tribuna para questionar o processo eleitoral que sagrou como vencedora a nossa querida ex-presidenta Dilma, nós ali percebemos que talvez pudesse estar nascendo o tal ovo da serpente, nós percebemos que, com postura extremamente inconveniente, agressiva, o sistema eleitoral de modo geral poderia estar sendo pressionado, então nós criamos Prerrogativas como uma espécie de observatório da democracia, logo depois passamos acompanhar o processo de impedimento absolutamente criminoso, fraudulento, artificial, nos reunimos em grupo do WhatsApp para acompanhar o trabalho da Câmara e do Senado na tentativa de depor a presidenta Dilma e, logo na sequência, como você bem sabe, a Lava Jato passou a ter, digamos, talvez dias “gloriosos”, o seu auge, o que fez com que nós também nos mobilzássemos contra uma operação que tinha objetivos políticos muito claros.
247 - Lembro que o Prerrogativas teve uma atuação muito forte para que se restabelecesse o princípio constitucional da presunção de inocência, que acabou resultando na liberdade de Lula. O senhor pode dizer como foi essa atuação e como o senhor vê o Judiciário hoje, na defesa da democracia?
Marco Aurélio - Uma das grandes pautas do grupo Prerrogativas foi a defesa dos princípios fundantes do estado de direito, quais sejam o princípio da presunção da inocência, do devido processo legal e do sagrado direito de defesa. Nós desde sempre nos colocamos, enfim, na defesa intransigente desses princípios e desses valores que são, na verdade, pedras de toque do nosso Estado de Direito, são princípios fundantes da própria democracia brasileira. Acho que o Judiciário tem tido papel muito importante na contenção dos arroubos à autoridade e das tentativas frustradas de restabelecer no país o regime ditatorial, mas nós precisamos tomar cuidado, nós empoderamos o Judiciário para conter os avanços do fascismo, do autoritarismo e agora nós precisamos encontrar meios de devolver os poderes para suas caixinhas. O próprio Judiciário evidentemente precisa, digamos assim, estabelecer certo grau de liturgia e relacionamento com os demais poderes, e com a sociedade de modo geral. Esse é o grande desafio, mas nós temos que reconhecer, aplaudir e reverenciar os esforços, em especial, dos ministros do Supremo, na defesa intransigente da democracia.
247 - E sobre o papel do Prerrogativas no fim da prisão política de Lula?
Marco Aurélio - Foi de fato o julgamento das ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) 43, 44 e 54 que deu para o presidente Lula a esperada liberdade. Ele, enfim, saiu da prisão política para a qual foi enviado por um juiz escandalosamente parcial, que atuou de forma criminosa em conluio com o Ministério Público. Após o julgamento dessas ações, teve fim o cárcere político e, portanto, injusto, ações que foram ou tiveram apoio do Prerrogativas. Só depois o HC dele (Lula), em que se discutia a parcialidade desse juiz criminoso, foi julgado, com o provimento dado à sua defesa, mas até então, na verdade, permanecia na prisão por conta da compreensão equivocada que o Supremo tinha em relação à aplicação do princípio da presunção de inocência. Então, de fato, o presidente Lula saiu da prisão por conta dessa nossa luta, à qual se somaram inúmeras entidades, diversos atores, advogados, não necessariamente integrantes do Prerrogativas, mas foi realmente motivo de muita alegria para todos nós, algo que beneficiou não apenas o presidente Lula, mas também toda a sociedade brasileira, já que a presunção da inocência é pilar do Estado de Direito e da democracia, então a gente não pode deixar de ter essa dimensão.
Brasil 247 - Como o senhor avalia o governo Lula dois anos depois da posse? Especificamente sobre a institucionalidade, que inclui indicações para o Judiciário, como o senhor avalia o governo Lula? Em que acertou? Em que errou? Em que pode melhorar?
Marco Aurélio - Acho que o presidente Lula conseguiu devolver para o Brasil o protagonismo que ele já teve nos próprios governos do PT no cenário geopolítico mundial. Esse é um dos grandes feitos do presidente Lula. O Brasil voltou, como diz o jargão, e voltou pra valer, Realizamos talvez o melhor encontro da história do G20, vamos sediar agora a COP 30, temos tido relações diplomáticas com diversos países, abrindo mercados extremamente significativos. Voltamos, enfim, a combater com eficiência a fome e a miséria e estamos próximos novamente de erradicá-las, para nossa alegria. Passamos a ser o segundo destino de recursos de investimentos, o que mostra de fato que o governo brasileiro tem credibilidade diante do mundo. Hoje figuramos entre as sete maiores economias do mundo, chegamos a cair para décima segunda, décima terceira posição, números absolutamente preocupantes, estamos crescendo acima das projeções de todos os institutos especializados no tema, estamos próximos da meta em relação à inflação, vivendo uma situação de pleno emprego, com 6 pontos percentuais de desemprego, que é o menor índice da série histórica.
247 - Como o senhor vê as críticas da chamada Faria Lima?
Marco Aurélio - Nós estamos vivendo momento extremamente positivo, em que pese os ataques oportunistas de parte da Faria Lima, os ataques que são meramente especulativos e que são, na verdade, provocados por interesses não declarados de rentistas, que vivem evidentemente de taxas de juros exorbitantes e de situações que fragilizam a nossa moeda. Comportamentos absolutamente antinacionais e questionáveis sob todas e quaisquer perspectivas. O balanço é muito positivo. Talvez a nossa maior falha, e eu acho que nós vamos conseguir corrigir isso em breve, talvez tenha sido o fato da gente não conseguir se comunicar com a população de modo a mostrar tudo o que foi feito, e poder de alguma forma colher o resultado dessas ações, que são indiscutivelmente exitosas. Acho que houve problema sério de comunicação que a gente deve corrigir, a percepção da população em relação ao governo é absolutamente desproporcional com número enorme de realizações. Outra falha que eu espero que seja corrigida em breve foi a de não pautar com centralidade o tema da segurança pública de modo a a dar todo o apoio, incondicional, à proposta do ministro Lewandowski em relação à necessidade de se discutir, de se votar uma PEC da segurança pública, talvez tenha sido também algum outro equívoco.
Brasil 247 - O comércio também se recuperou…
Marco Aurélio - Sim! Ainda no balanço positivo, eu acho importante dizer que o varejo nacional cresceu muito acima do esperado, teve crescimento de quase 13 por cento. A indústria nacional também cresceu muito acima do esperado, tivemos surpresas positivas em especial no segmento automobilístico, o Brasil continua investindo investindo pesado na matriz energética limpa, da qual se orgulha, continua se orgulhando e vai continuar, não há a menor dúvida, e isso vai ficar claro na COP 30. Nós demos um salto muito significativo. Outra coisa que eu não falei, que também é balanço positivo, Joaquim, foi que o Brasil conseguiu, de alguma forma, se reinstitucionalizar.
247 - O presidente Lula disse, na reunião ministerial, que talvez não seja candidato à reeleição em 2026. Nesse caso, quem poderia ser o candidato do campo democrático?
Marco Aurélio - O presidente Lula é a única liderança política capaz de reconstruir e de reconciliar o país. Nós precisamos fazer apelo para que ele se candidate em 2026. Saúde para isso ele tem de sobra, é indiscutível, tem mostrado vitalidade, lucidez. Está liderando o País de uma forma absolutamente inquestionável, com muita habilidade e vai ter que assumir essa tarefa. Nós vamos ter que fazer apelo, nós não temos no campo progressista nenhuma outra liderança capaz de derrotar o bolsonarismo e o fascismo no país. Não temos. Nós precisamos novamente do presidente Lula. E nós vamos ter que fazer apelo para que ele realmente saia candidato. Eu não vejo outra candidatura no horizonte de 2026 que possa expressar, enfim, esse sentimento e reunir as forças necessárias para combater o obscurantismo no país.
247 - E o Fernando Haddad?
Marco Aurélio - De fato, depois do Lula, o Haddad é talvez a liderança política mais preparada o PT, para os desafios que o país tem. Ele é um dos maiores quadros políticos do PT, ele, Zé Dirceu, o Zé Dirceu evidentemente, por diversos motivos, deve disputar a eleição para deputado federal, e é bom que o faça, vai ter todo o nosso apoio pra isso. Mas ele é um dos maiores quadros do País, ele, Haddad, quadros do PT, do País, e evidentemente a gente não pode perder essa dimensão.
247 - E o Camilo Santana (ministro da Educação)?
Marco Aurélio - Camilo é um grande quadro político, tem feito um grande trabalho, foi um grande governador, mas, na verdade, ainda não tem a dimensão nacional que precisaria ter para fazer esse enfrentamento. O Haddad passou por uma eleição dificílima, que foi a eleição de 2018. Nós perdemos, mas não perdemos feio, não. Nós tivemos 47 milhões de votos, 45% dos votos. É uma liderança extremamente comprometida com o nosso projeto, foi extremamente leal ao presidente Lula, foi um belo prefeito, injusto ainda nas avaliações, que foram feitas, ainda acho que haverá uma revisão, uma releitura da gestão dele. Foi o melhor ministro da educação na história do país, tem feito um trabalho incrível, seguramente será considerado em breve o melhor ministro da fazenda, da história do país. Então ele tem todas as condições para eventualmente fazer uma disputa no futuro.
247 - A partir de 2030?
Marco Aurélio - Não vejo outra alternativa que não seja Lula se candidatar em 2026, e, pelo amor e compromisso que ele tem pelo País, creio se candidatará, exatamente por ele ser a única liderança política capaz de unificar o nosso campo e de continuar o processo de reconstrução, de reconciliação e de refundação do país. Enfim, mas, para além de 2030, evidente aí o debate está aberto e eu acho que uma das lideranças mais preparadas para assumir a responsabilidade de continuar esses processos de transformação pelos quais o país vem passando, nos governos do PT em especial, a liderança mais preparada para isso é o Fernando Haddad, não tenha a menor dúvida. É uma das únicas lideranças nacionais.
Fonte: Brasil 247