O Brasil é um importador líquido de trigo, mas também costuma exportar volumes que excedem as necessidades locais em termos de qualidade
Lavoura de trigo (Foto: Regis Duvignau / Reuters)
SÃO PAULO (Reuters) - A exportação de trigo do Brasil em janeiro foi estimada nesta terça-feira em 685.171 toneladas, alta de 5,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado e o maior volume em mais de um ano, conforme dados e projeções da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
O volume estimado ficou praticamente estável em relação ao número divulgado na semana passada (684.575 toneladas) e perde para as 689.256 toneladas registradas pela Anec em dezembro de 2022.
O Brasil é um importador líquido de trigo, mas também costuma exportar volumes que excedem as necessidades locais em termos de qualidade. No caso da maior parte das exportações do país em janeiro e dezembro, quando os embarques para o exterior voltaram a ganhar força, elas se referem a cereal para ração animal, e não consumo humano.
"Mais de 90% do trigo exportado vai para ração", disse o gestor de risco de trigo e consultor da StoneX, Jonathan Pinheiro, à Reuters, lembrando que a qualidade do cereal brasileiro foi prejudicada por chuvas em grande parte das lavouras.
Quando a plantação recebe chuvas excessivas, o desenvolvimento de fungos pela umidade resulta em maiores índices da microtoxina Don no cereal, em níveis que impedem que o produto seja destinado para a indústria de farinha e, em alguns casos, até para a indústria de ração.
"A indústria de ração (no Brasil) está absorvendo uma parte, mas não pode absorver tudo até por questões sanitárias", disse o especialista, lembrando que em outros países há maior tolerância com índices mais altos da microtoxina.
Ele estima que, de uma safra de cerca de 3 milhões de toneladas no Rio Grande do Sul, cerca de 2 milhões de toneladas é cereal com qualidade para ração, após o Estado ter sido bastante afetado por chuvas no final do ano passado. No Paraná, outro grande produtor nacional, de uma colheita de 3,6 milhões de toneladas, 1 milhão também tem qualidade apenas para alimentação animal.
Em dezembro, o Brasil exportou 460 mil toneladas de trigo, segundo a Anec, que não comentou imediatamente os motivos do forte aumento.
Com a recente recuperação nas exportações, o especialista da StoneX já admite rever para cima suas projeções no ano 2023/24 (agosto/julho), atualmente em 1,8 milhão de toneladas de trigo.
Ele disse que os preços de exportação de trigo para ração do Brasil, em torno de 210 dólares por tonelada (FOB), permitem que o cereal brasileiro possa competir com o milho de outras origens.
Entre os principais destinos do trigo do Brasil estão Filipinas, Vietnã, Equador e Venezuela, considerando o período de agosto até dezembro, segundo dados do governo.
Além da grande oferta de trigo de baixa qualidade, as exportações também estão sendo viabilizadas por leilões de prêmio para o escoamento da produção realizados pelo governo federal, segundo Pinheiro.
Tais operações foram feitas após os preços atingirem patamares mínimos no país, o que exigiu a intervenção do governo, quando havia expectativa de que o país colhesse uma grande safra, antes das chuvas afetarem a qualidade.
Apesar da quebra de safra, o analista considera importante o escoamento do trigo para fora do país, já que o Brasil não poderia absorver toda a produção de menor qualidade, considerando as limitações relativas à microtoxina.
Os grandes volumes de exportações em janeiro também acontecem porque o setor tem pressa para escoar o trigo antes da entrada da safra de soja do Rio Grande do Sul, que pelo porto de Rio Grande responde pela maior parte da exportação do cereal.
"O pessoal não vai deixar de exportar soja para exportar trigo 'feed'", disse ele.
Assim, ele acredita que as cargas devem ser exportadas até março, já que a partir desse mês a soja ganha espaço no porto gaúcho. Além de Rio Grande, o Brasil tem exportado trigo por Imbituba (SC) e Antonina (PR), segundo o consultor.
(Por Roberto Samora; Edição de Marta Nogueira)