"O ambiente político do Brasil de 2019 será
necessariamente conflagrado. Não é necessário ser astrólogo ou vidente para
antever isso. Numa analogia, nós cidadãos livres e democratas brasileiros
podemos nos sentir como os heróis aliados que desembarcaram na Normandia em
1944", diz o jornalista Luis Costa Pinto, ao escrever sobre a ameaça
nazista que ronda o Brasil; "Voto em Haddad desde o 1º turno, e
confirmarei esse voto no 2º turno, porque vejo nele a reunião de qualidades
escassas em muitos políticos. Além disso, é o antagonista de um outro candidato
que significa ameaça real e objetiva às nossas conquistas democráticas.
Fernando Haddad projeta esperança. Seu adversário, ódio, divisões, rupturas"
Por Luís Costa Pinto, no Poder 360 – O ambiente político do
Brasil de 2019 será necessariamente conflagrado. Não é necessário ser astrólogo
ou vidente para antever isso. Numa analogia, nós cidadãos livres e democratas
brasileiros podemos nos sentir como os heróis aliados que desembarcaram na
Normandia em 1944.
Do
mar, miravam tensos e cheios de coragem a França ocupada pelos nazistas e por
franceses colaboracionistas. Muitos morreram como alvo, ainda nos paraquedas.
Milhares morreram na praia. Escondidos em bunkers e casamatas, os apoiadores de
Hitler se sentiam onipotentes e inexpugnáveis. A libertação da Europa começava
ali, e naquele desembarque escreveu-se uma página memorável da liberdade.
Pela
primeira vez na história de nossa República chega-se ao dia da eleição tendo-se
a certeza de que o resultado do voto popular pode estar contaminado por um
veneno capaz de matar a própria democracia –no nosso caso, tisnada já pelo
golpe parlamentar de 2016 que apeou do poder uma presidente sem a
caracterização clara de crime de responsabilidade. Nem com Jânio Quadros, em
1960, nem com Fernando Collor, em 1989, o enredo transcorreu dessa forma.
Ícones
da direita brasileira e igualmente desprovidos de coluna vertebral política,
assim como Bolsonaro, Jânio e Collor se elegeram a partir de discursos
populistas e embalados por uma esperança difusa da população. Mas ao menos
projetavam esperança. Nenhum dos dois completou o mandato. Um renunciou dizendo
enxergar inimigos ocultos e bruxas em Brasília. O outro foi cassado por
corrupção.
Nem
Collor nem Jânio gozavam de prestígio entre os operadores da política. A
política exige operadores frios, experientes, republicanos e democratas –assim
como o direito também os exige e os tem.
Neste
2018, que é ano par de uma estranheza ímpar, o radical de extrema direita
politicamente amorfo, posto ser desprovido de espinha dorsal no sistema,
chama-se Jair Bolsonaro e não projeta esperança alguma –só ódio e preconceito.
Prega medos difusos e é defendido por espertalhões travestidos pelo manto
bíblico do fanatismo religioso.
A
renúncia de Jânio Quadros lançou o país numa conflagração que terminou no golpe
militar de 1964 e na longa noite de 21 anos da ditadura militar, em que pese a
habilidade política de Tancredo Neves, o respeito que se tinha a San Thiago
Dantas, a sofisticada costura política de Juscelino sentado em sua cadeira de
senador. Todos eles foram fiadores, em algum momento, da presidência de
transição de João Goulart (que também não era nenhum extremista).
A
cassação de Collor, ao contrário, converteu-se na confirmação dos acertos de
nossa consolidação democrática. O vice-presidente Itamar Franco assumiu a
Presidência com seu ar de parvo, seu comportamento de outsider, mas se revelou
um régio cumpridor dos compromissos para com a Constituição e a restauração
política. Itamar dispunha de interlocução profunda no Congresso, pontes com os
sindicatos e a sociedade civil e gozava ao menos do respeito com ar blasé do
Judiciário.
Não
é assim agora.
Sem
projetar esperança alguma, sendo o canhão tosco e desconcertante de ódio que
não esconde ser, Jair Bolsonaro não possui aptidão para o necessário jogo do
poder. Não goza nem da confiança, nem do respeito dos demais poderes da
República. Não inspira liderança aos seus, longe disso: desperta o senso de
oportunidade em gente que jamais alcançou o respeito em seus habitats naturais
e agora enxerga o atalho da proximidade com o candidato melhor posicionado nas
pesquisas de intenção de voto como caminho para a glória –é o caso de Onyx
Lorenzoni, Magno Malta, Gustavo Bebianno, Hamilton Mourão, Silas Malafaia e os
filhos do presidenciável. Quanto a Paulo Guedes, o mercado financeiro, onde se
criou, sabe a dimensão mitômana de sua alma.
Fernando
Haddad é a negação a isso. Não é preciso ser petista para se tornar eleitor
dele –e esse, a propósito, vem a ser meu caso.
A
única filiação partidária que tive, aos 19, 20 anos, foi ao PSDB. Depois, a
vida profissional obrigou-me a esquecer qualquer pretensão de ter vida
partidária.
Nas
7 eleições presidenciais que tivemos desde 1989 votei 3 vezes em candidatos que
não eram do PT –Mário Covas (1989), Ciro Gomes (2002) e Marina Silva (2014, em
homenagem ao meu amigo Eduardo Campos)– nos primeiros turnos. Sempre encarei o
2º turno como aquilo que ele deve ser: o momento da depuração dos projetos, da
construção do encontro da sociedade com a proposta política acordada nas urnas
que a pautará nos 4 anos seguintes.
Haddad,
homem de sólida formação tanto acadêmica quanto na lide democrática, tem uma
virtude hoje escassa entre os políticos de proa: sabe ouvir o outro.
Discordando, sabe explicar as razões da discórdia. É do tipo que opta por
caminhos vislumbrando e analisando os cenários que poderão vir em revés.
Seu
diapasão intelectual permite-o reunir à sua volta personalidades díspares como
os economistas Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, mas também Laura Carvalho e o
cientista social Celso Rocha de Barros. Ele senta à mesa com Guilherme Boulos e
com os empresários Josué Gomes da Silva e Walfrido dos Mares Guia. Dialoga com
Lula e com Fernando Henrique Cardoso sabendo ouvir de cada um desses
ex-presidentes o melhor que têm a dizer –filtrando-lhes os exageros e os
partidarismos. São só exemplos, e esses paralelos podem ser elencados e
reproduzidos à farta.
Ao
escolher Emídio de Souza como interlocutor central com o PT "de
raiz", afastando-se paulatinamente de nomes que mais estreitavam e
atrapalhavam o diálogo com núcleos mais amplos e não petistas da cena política,
Haddad revelou uma habilidade de iniciado. Não se mostrou um iniciante
aventureiro e arrivista.
Emídio
é hoje, no PT, a ponte mais sólida entre o passado que precisa ser restaurado e
procura os caminhos legais e institucionais para isso, e o futuro que urge ser
construído. Nisso, faz dupla com Jaques Wagner, que deve ser eleito senador
pela Bahia e terá mais tempo para se dedicar à campanha presidencial a partir
daí. Wagner é também um dos mais amplos quadros desse PT que representa,
inegavelmente, uma considerável parcela dos anseios dos brasileiros.
Tenho
certeza que nas 3 semanas de campanha que teremos no 2º turno, numa disputa
entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, as qualidades do candidato do PT serão
realçadas ante à ausência de requisitos políticos, morais e intelectuais do
ex-capitão do Exército.
Será
o momento não só de a maioria do eleitorado brasileiro descobrir que o
ex-prefeito de São Paulo é o melhor quadro de sua geração –disputava esse posto
com Eduardo Campos– e representa tudo aquilo que desejam os cidadãos ansiosos
por escutar alguma autocrítica do PT antes de dar novamente um voto a um
petista.
Haddad,
por formação e por convicção, não reproduzirá erros partidários. Não fez isso
na Prefeitura de São Paulo nem no Ministério da Educação. Foi essa atitude
rígida que dificultou seu trânsito inicial dentre os nomes mais antigos do
partido.
Haddad
possui duas qualidades que Fernando Henrique Cardoso gostava de citar, nos
preâmbulos de suas entrevistas no Palácio da Alvorada, como inexoráveis aos candidatos
a estadistas: saber rir de si mesmo e diminuir o tamanho das crises quando elas
entram em seu gabinete.
Imaginar
que alguém será capaz de sufragar o arrivismo estreito, obtuso e obscurantista
de Jair Bolsonaro tendo à disposição a biografia e o espírito amplo e aberto de
Fernando Haddad é algo que entristece e choca.
O
candidato petista é quem tem a melhor estrutura, o maior preparo e a frieza
necessários para contemplar a praia e o teatro de operações depois dos combates
que serão travados entre 7 e 28 de outubro e desarmar as minas e as bombas
ativadas pelos antagonistas em conflito.
Os
aliados que desembarcaram na Normandia, em 1944, eram britânicos, americanos,
canadenses, australianos, franceses e italianos arregimentados na resistência,
um ou outro holandês ou belga foragido. Como aqui, hoje, o desembarque nas
urnas desse 7 de outubro vale ser feito sob qualquer bandeira. Ele não pode ser
feito, contudo, sob a bandeira do ódio, da misoginia, da violência, do
retrocesso arregimentados por um único candidato que fugiu do debate político e
quer ser ungido em nome do medo.
O
que os uniu os aliados no passado foi o espírito democrático e a gana por lutar
até o fim para derrotar o mais bárbaro dos inimigos. Uniram-se para vencer a
maior ameaça já enfrentada pela humanidade até aquele momento: Hitler.
Guardadas
as proporções, mas com os mesmos sinais de alerta ligados porque o histrionismo
boçal de Bolsonaro é um arremedo tupiniquim e bissexto do hitlerismo, qual um
Führer de hospício, confio fortemente na aliança dos democratas de diversos
matizes até a vitória da democracia e da liberdade em 28 de outubro.
Voto
em Haddad desde o 1º turno, e confirmarei esse voto no 2º turno, porque vejo
nele a reunião de qualidades escassas em muitos políticos. Além disso, é o
antagonista de um outro candidato que significa ameaça real e objetiva às
nossas conquistas democráticas. Fernando Haddad projeta esperança. Seu
adversário, ódio, divisões, rupturas.