Requião durante evento em Porto Alegre em agosto de 2017 | Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
Por Manoel Ramires e Júlio Carignano
“Não quero julgar
o pessoal da Lava Jato com o mesmo critério que eles julgam os outros. Mas eles
estão completamente errados e prestando um desserviço ao Brasil. Botar o Lula
na cadeia hoje é um crime contra o Brasil e contra a democracia”. A declaração
é do senador Roberto Requião (PMDB-PR), ao avaliar o clima que antecipa o
julgamento em segunda instância do ex-presidente Lula, no Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, em Porto Alegre (RS).
Às vésperas do julgamento do dia 24 sobre
o caso envolvendo o triplex do Guarujá (SP), o senador recebeu a equipe do Porém.net. Crítico
do atual posicionamento do Poder Judiciário, em especialmente dos promotores e
juízes da operação Lava Jato, aos quais compara aos inquisidores Girolamo
Savonarola e Tomás de Torquemada, da Santa Inquisição, lançada na fase mais
intolerante da Igreja Católica na Idade Média, o parlamentar aponta que Sergio
Moro, responsável pela primeira condenação do ex-presidente em Curitiba, foi
“cooptado pela vaidade”.
Atribuindo falta de formação aos
promotores, o senador referiu-se aos magistrados como os “analfabetos
políticos”, citados por Bertold Brecht em seu poema clássico. “Não acho que
estão fazendo tudo isso de forma deliberada, mas por má formação, por
exacerbação corporativa. São verdadeiros Savonarolas, sem entender de história,
de economia, sociologia, não entendem nada. Leram apostilas, fizeram concursos
e se acham agora salvadores da pátria por uma absoluta falta de formação. São
aquilo que o Brecht chamava de analfabetos políticos”.
Ao rechaçar o direcionamento e
parcialidade do poder judiciário, Requião fez uma convocatória aos brasileiros
para estarem presentes no dia 24 em Porto Alegre. “A resistência neste momento,
mais que um protesto contra o absurdo da condenação do Lula, é uma defesa da
democracia. Se não gosta do Lula tudo bem, mas se gosta da democracia esteja
lá”.
Presidente do MDB do Paraná e
pré-candidato ao governo do estado, Requião ainda falou do racha no partido e
do processo eleitoral deste ano. Confira a entrevista na íntegra.
Porém: Como você
avalia o clima que antecede o julgamento do ex-presidente Lula?
Requião: Estou
confortável na análise por um motivo simples: fui a única oposição no Senado a
política econômica do Lula e da Dilma, nunca aceitei a política do Meirelles e
muito menos do Joaquim Levy. Votei contra o impeachment da Dilma pois conhecia
a cúpula do PMDB e tinha consciência do que era a ‘Ponte para o Futuro’, que
pregava abertamente o liberalismo econômico, o entreguismo, um modelo que havia
fracassado na Europa.
Estava claro que não tinha nenhuma
preocupação com a corrupção. A preocupação era retirar a Dilma para estabelecer
esse modelo de liberalismo econômico.
Esse governo é absolutamente corrupto;
ministros estão envolvidos, o Temer utiliza todo poder da máquina pública para
evitar uma investigação. Junto a isso vemos corporações extrapolarem seus
limites legais, se colocando como gestores do Brasil, como verdadeiros
Savonarolas ou Torquemadas.
Essa política
econômica do Temer é consequência ou causa do golpe?
A política econômica é a causa do golpe,
ela foi o motivo da intervenção no governo da Dilma, pois não havia nenhuma
preocupação com corrupção. Ai surge a Lava Jato, e eu saudei ela em prosa e
verso na tribuna do Senado até verificar que a Lava Jato tinha um foco: era
dirigida ao pessoal progressista, basicamente o pessoal do PT e partidos
progressistas. Não estou fazendo defesa ou absolvição de corrupto, eles existem
e muitos estão pagando pelo que fizeram, mas a Lava Jato sempre retirou do foco
os políticos da direita, os entreguistas, os tais “liberais”. Veja as denúncias
contra o Serra, ninguém leva a frente, os processos não andam. Mas passam em
Porto Alegre na frente de sete processos para julgar o Lula. Evidente que não
estão à procura do Lula, mas sim da consolidação deste projeto de liberalismo
econômico que já faliu a Europa e está acabando com o Brasil. O foco não tem a
ver com corrupção. Quando eu faço uma convocação para que os brasileiros vão a
Porto Alegre não estou só considerando o julgamento do Lula, estou considerando
o processo democrático no Brasil que está sendo abalado. Isso está sendo
abalado pela interferência do Ministério Público, do Judiciário, da Polícia
Federal, e de uma forma absolutamente dirigida.
Moro seguiu o
script do mercado e dessa política econômica? Ele está sendo um ator do golpe?
Eles estão seguindo o script da
extrapolação dos limites do Judiciário. Essa condução coercitiva não existe na
legislação brasileira, é um absurdo total. Começou com o Lula, começou quando
não deixaram ele assumir a Casa Civil e hoje um juiz de primeira instância
impede que o Temer nomeie a Cristiane Brasil ministra do Trabalho (O governo
federal já recorreu três vezes e em todas Cristiane foi impedida de assumir). É
fato que ela não tem nenhuma condição de ser ministra, foi um troca de votos
com o PTB, uma coisa sórdida para viabilizar a reforma da previdência, mas
outro fato é que o juiz não tem nenhuma prerrogativa na lei para impedir a
posse de uma ministra. Estão se sobrepondo ao sistema legal, não temos mais
estado democrático de direito. Temos a liberdade hermenêutica, que é a ciência
da interpretação, querem interpretar a lei apesar da lei. O juiz interpreta a
lei segundo sua visão ideológica. Está havendo uma exacerbação, isso é uma
ditadura, é o Torquemada e o Savonarola atuando no Brasil em nome de uma
proposta ideológica que está na cabeça deles.
Já o Moro tem uma formação ideológica de
direita, vejo nele uma paixão pelos Estados Unidos. Neste processo de “juiz
protagonista”, ele comanda o inquérito e ao mesmo tempo julga o inquérito que
está fazendo. Está tomado de ódio contra o PT e contra o Lula, isso por si só
desautoriza qualquer julgamento que ele possa fazer.
Não assusta um
juiz virar um “herói” da nação?
Não é questão de assustar, é uma distorção
completa do processo judicial. O juiz virou polícia. Mas é uma polícia que não
submete as regras da lei, utiliza uma hermenêutica livre, interpreta a lei como
quer e no fim ele julga. Quem ele quer ele investiga, quem ele não quer não
investiga. Ai sobra à margem todo esse pessoal do PSDB.
E quais as
consequências dessa exacerbação do Judiciário?
Pode acarretar o efeito que tento corrigir
com a lei do abuso do poder. Mas o problema não é só esse, o problema é que o
sistema judiciário está falido, nossa justiça é de base filosófica, ideológica,
os princípios são do direito romano e germânico. Ela tem uma série de recursos,
apelos e formas de recorrer que se inviabilizam na maneira que a população
cresce. A China por exemplo não tem nada a ver com direito romano e germânico,
ela resolve seus problemas com conciliação. Que é um acordo entre as partes. E
a China tem 130 mil juízes para um bilhão e meio de habitantes. São Paulo deve
ter dez vezes mais para uma população de pouco mais de 40 milhões. O sistema
jurídico está emperrado, não está funcionando. As associações profissionais se
transformaram em sindicatos, em corporações que se colocam acima do conjunto da
sociedade. Os erros do Moro são festejados pelas associações profissionais, os
absurdos cometidos pelo MP são defendidos pela sua associação de classe. Eles
não tem mais nada a ver com o interesse social e a defesa do estado de direito.
Essa “reforma” do
judiciário entraria num debate eleitoral?
Não, o debate eleitoral hoje passa pela
revogação das barbaridades do governo Temer. Essa é uma questão que precisa ser
discutida com mais profundidade. Veja os advogados que surgiram como
milionários neste processo da Lava Jato. O que devem estar ganhando aqueles
advogados americanos que fizeram a patifaria da indenização da Petrobras? E os
que operaram as delações premiadas no Paraná? São dois ou três. Que espécie de
direito é esse. Como um promotor pode descobrir um delito de uma determinada
pessoa, lhe atribuir a possibilidade de 100 anos de cadeia, e depois dizer ‘se
você delatar o que eu quero, eu reduzo isso a um ano de cadeia’. Depois seis
meses com uma tornozeleira e depois vai morar como o Funaro, no Rio Grande do
Sul. Como isso é possível? Virou negócio, não tem nada a ver com a lei. É uma
esculhambação total e atrás dessa esculhambação um projeto de liberação da
economia brasileira, sem que os princípios de fraternidade e valorização do
trabalho sejam respeitados. É a volta a barbárie. Eu não diria que todos esses
juízes e procuradores estão fazendo isso de forma deliberada. Estão fazendo por
má formação, exacerbação corporativa, são verdadeiros Savonarolas, sem entender
de história, de economia, sociologia, não entendem nada. Leram apostilas,
fizeram concurso e se acham agora salvadores da pátria por uma absoluta falta
de formação. São aquilo que o Brecht chamava de analfabetos políticos.
E esses
“analfabetos políticos” irão condenar o Lula em Porto Alegre?
Eles estão achando que essa condenação do
Lula será a gloria deles. O Lula pode sim ser investigado, o Requião pode ser
investigado se houver alguma denúncia que aprofunde a investigação. Mas o Lula
era presidente da República, o orçamento do Brasil é uma monstruosidade.
O Lula seria corrompido por um apartamento
triplex que nunca foi dele? Eu acho que a OAS pretendia dar esse apartamento
para o Lula, acho que iriam insistir em dar um presente para um ex-presidente
que saia com 84% de aprovação popular e que poderia influenciar nas decisões do
novo governo e da Dilma, que ele praticamente elegeu.
Do ponto de vista do direito, pois sou
advogado, não há materialidade do crime e ele não pode ser condenado. Mas o
Moro e esse pessoal vem com a história que o convencimento do juiz pode ser
feito com uma multidão de indícios. É uma tese que não pode valer nunca para o
direito penal, que compromete a liberdade da pessoa e que funciona de certa
maneira em uma interpretação do direito civil. Mas se vale essa interpretação
para o Lula, o que dizer do Moro com as denúncias do Tacla Duran? As acusações
ao Zucolotto? Não acredito nelas, mas se vale para o Moro julgar o Lula deve
valer para o julgamento dele também. Ambas não são razoáveis. Acho que o Moro é
um equivocado, ele está convencido que está salvando o mundo por falta de
conhecimento histórico, sociológico e econômico.
Sobre o processo
eleitoral, como avalia as especulações do seu nome para uma candidatura a vice
do Lula ou como plano B para a eleição presidencial?
Isso é uma homenagem que alguns
companheiros me prestam pelo meu protagonismo no Senado. Nunca falei com Lula
sobre isso. Me sinto homenageado, mas sou um militante da mudança. Eu acho que
essa mudança deve ser viabilizada por uma profunda discussão do Brasil pelos
brasileiros. Precisamos de uma frente ampla, pois aquilo que eu acredito pode
ser a minha verdade, mas não a verdade de todo mundo. Temos que enfrentar o
liberalismo econômico que é a dominação absoluta do capital financeiro, o
capital vadio (Após a entrevista, nas redes sociais, o senador colocou seu nome
a disposição do partido para disputar o governo do estado).
Mas não há qualquer
possibilidade nestas “especulações”?
Tenho idade suficiente para fazer o que eu
quero, dizer o que eu penso, sem me incomodar com consequências. O meu
protagonismo é esse, fazer o que eu quero, analisar o que vejo e tomar a
posição que acho necessária. Sou um militante político com 76 anos de idade. Te
diria que ao invés de procurar cargo, estou mais procurando escrever minha
biografia com os atos da minha vida.
O PMDB voltou a
ser MDB. O que muda? Porque não te expulsaram?
Não muda nada. Eu sou filiado número 1 do
partido no Paraná, sou praticamente o fundador e atual presidente do partido no
Estado. Acho que teriam dificuldade de me expulsar do diretório nacional.
O pessoal até vende o voto, mas ficaria
ruim vender um companheiro. Não seria fácil para eles, mas é um risco que ainda
corro. De repente eles ainda tentam uma intervenção no Paraná às vésperas da
possibilidade da mudança de partido e evitam uma candidatura minha a qualquer
coisa.
É um risco que corro, mas que eles correm
também, pois a base do PMDB não tem nada a ver com essa posição corrompida e
comprada dessa estrutura burocrática. Na ultima convenção tinha 700 pessoas de
pé, o Jucá entrou e foi aplaudido por 27. Quando o Temer entrou esse número
baixou para 23, mas na hora da votação eles ganharam. Isso porque os delegados
estavam vinculadas aos deputados federais e os deputados tinham sido comprados
por favores, emendas, dinheiro para suas bases, nomeações em cargos.
2018 terão
eleições, mas até 2019 e o fim do mandato de Temer, o que esperar?
O Brasil é muito grande para ser destruído
e os exemplos de reconstrução estão ai. É o protagonismo do Estado. Eles querem
implantar o estado mínimo e entregar para banca e o capital financeiro. A
Alemanha saiu de uma crise com uma associação do estado e grandes empresas sem
muita preocupação social, os EUA na mesma época, em 1929 e 1930, saíram de uma
crise com o New Deal (o novo pacto). Hoje com a evolução do mundo, com as
conquistas trabalhistas da época do Getúlio Vargas não podemos regredir, eu não
acredito que o povo brasileiro seja escravizado. Por isso, termino essa
entrevista com um apelo: todo mundo dia 24 em Porto Alegre, pois estaremos
evitando uma crise cruel do país. A resistência neste momento, mais que um protesto
contra o absurdo da condenação do Lula, é um defesa da democracia. Se não gosta
do Lula tudo bem, mas se gosta da democracia esteja lá. É a defesa do processo
democrático no Brasil e o Lula é importante neste processo.