O governo propõe mudanças que vão desde o uso de biometria para controle permanente dos cadastros até modificação nas regras de acesso ao programa
Dinheiro e fachada da Previdência Social (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil | Pedro França/Agência Senado)
Cristiane Sampaio, Brasil de Fato | Brasília (DF) - Prestes a ser votada pelo plenário da Câmara dos Deputados, a proposta que altera regras de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) ainda enfrenta críticas entre alguns parlamentares do campo progressista. O governo Lula propõe, por meio do projeto de lei (PL) 4614/2024, mudanças que vão desde o uso de biometria para controle permanente dos cadastros até modificação nas regras de acesso ao programa, entre outros pontos. Relator da proposta, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) alterou o texto entre quarta (18) e quinta-feira (19), mas a medida segue enfrentando rejeição de alguns setores.
A versão inicial do PL propunha, por exemplo, uma regra mais rígida sobre coabitação. A ideia seria que, se duas pessoas da mesma família tivessem dentro do espectro social de atendimento pelo programa, somente um deveria ter aval para receber as mensalidades do BPC. Em meio às resistências para aprovação do PL, essa previsão foi retirada do projeto por Bulhões. O parlamentar manteve, por outro lado, o trecho que prevê que a concessão administrativa ou judicial do benefício para pessoas com deficiência deve valer para os casos de deficiência "de grau moderado ou grave". Sendo assim, pessoas com deficiência considerada leve ficarão excluídas do processo.
"O BPC, assim como todos os outros programas sociais, merece uma malha fina para avaliação da existência de possíveis fraudes. No governo Bolsonaro, por exemplo, tivemos fraudes gigantescas no Bolsa Família e em outros benefícios, com pessoas que não precisavam e estavam recebendo [os valores]. Nisso eu acho que o governo está plenamente correto, mas, infelizmente, adentrou-se num terreno em que a diminuição do acesso ao benefício é certa, e isso precisava ser corrigido. Você classificar que uma pessoa com deficiência leve não pode ter acesso ao benefício é algo estranho. É leve para quem?", questiona a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), para quem é preciso considerar a conjuntura socioeconômica dos potenciais beneficiários.
"É necessário fazer uma avaliação que seja mais social e material, avaliando as condições da pessoa com deficiência e das suas famílias. Essa retração do benefício gera insegurança nas pessoas. Espero que corrijam isso. Nós vamos trabalhar nos destaques [sugestões de alteração em projetos de lei] para tentar mudar. Essa é a minha pretensão, mas o ideal seria que o governo retirasse esse ponto", emenda a parlamentar. O PL 4614 gerou críticas também entre alguns parlamentares de partidos de fora do segmento da esquerda.
"Não dá para fazer corte de gastos sem olhar para aquela pessoa que mais precisa. Temos que defender primeiramente quem não tem nem dinheiro para chegar aqui e trazer suas necessidades. É um dever moral desta casa proteger os mais necessitados. O exame biométrico, por exemplo, é algo que vai depender do poder público", disse Soraya Santos (PL-RJ), ao argumentar que os órgãos do Estado precisam ficar com o ônus do monitoramento dos beneficiários, de forma que o cidadão não tenha seu acesso ao recurso do BPC prejudicado por eventuais deficiências estruturais e tecnológicas dos governos no processo de fiscalização.
Para Glauber Braga (Psol-RJ), o BPC não deveria ter entrado no horizonte de corte de gastos do governo. "Acho inconcebível haver alterações no BPC que dificultem o acesso das famílias que precisam disso para sua sobrevivência. Minha expectativa ainda é de que essa matéria seja modificada para que não se criem dificuldades extras para essa população". Um levantamento publicado no último sábado (14) pelo portal Metrópoles mostrou que é alto o índice de judicialização de casos de solicitação de BPC, para os quais o Poder Judiciário costuma dar respostas lentas. O veículo localizou mais de 963 mil processos à espera de julgamento no Poder Judiciário, sendo a maioria delas nos Tribunais Regionais Federais (TRFs), onde há mais de 854 mil processos relacionados a pessoas com deficiência, por exemplo. Os demais são de pedidos de idosos que requerem o benefício.
Diante das dificuldades já existentes para o acesso ao BPC, Braga defende que o governo opte por priorizar a arrecadação de verbas em outras frentes. "O foco deveria ser em cima daqueles que estão no topo da pirâmide – bancos, sistema financeiro, etc. – e no enfrentamento às emendas parlamentares. Ontem, por exemplo, em mais uma votação, houve a ampliação da disponibilização de recursos de emendas para serem executadas [em troca de votos]. Quando se diz que somente 15% das emendas de comissões podem ser congeladas, por exemplo, você diz que 85% não serão. Isso não é pouca coisa. É uma quantidade grande de dinheiro e se faz necessário um maior enfrentamento por parte dos parlamentares do governo a essa lógica", defende o psolista.
Outro lado
O PL 4614/2024 também fixa regras para o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), espécie de seguro de crédito agrícola para casos de sinistro; reajuste do salário mínimo de acordo com o crescimento real da despesa previsto para o arcabouço fiscal; e para vedação de dedução de rendas não previstas em lei para fins de cálculo relacionado à concessão do BPC, entre outros pontos.
Encabeçado pelo líder do governo, José Guimarães, o texto do PL 4614 argumenta que "tais medidas objetivam aperfeiçoar o funcionamento de programas e o pagamento de benefícios, destinando-os a quem realmente precisa, e ajustar o ritmo de crescimento de algumas despesas de modo a compatibilizar especialmente a garantia de direitos e a sustentabilidade fiscal".
"O PL é fundamental para dissipar incertezas que afetam os preços dos ativos da economia brasileira, garantindo resiliência ao regramento fiscal, ao mesmo tempo em que assegura maior espaço fiscal a despesas discricionárias com fortes efeitos multiplicadores, como os investimentos públicos. Logo, a proposição traz consequências positivas para a estabilização da economia, apoiando a continuidade do processo de crescimento com estabilidade de preços e geração de emprego e renda", acrescenta Guimarães.
Fonte: Brasil 247