Durante os três meses e 20 dias em que ficou encarcerado, Evandir Vaz de Lima, atualmente com 77 anos, foi interrogado e torturado
Ditadura militar (Foto: Arquivo Nacional )
Conjur - A 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo afastou as alegações do governo paulista de prescrição, ilegitimidade passiva e de ausência de comprovação de culpa e manteve a sentença que o condenou a pagar indenização de R$ 50 mil, por dano moral, a um preso político durante o regime militar.
Conforme a inicial, durante os três meses e 20 dias em que ficou encarcerado, Evandir Vaz de Lima, atualmente com 77 anos, foi interrogado e torturado, perdendo a audição do ouvido direito.
A sua prisão ocorreu em abril de 1974. Na época, ele cursava a Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.
A ação de dano moral foi ajuizada em agosto de 2023. Em sentença prolatada no dia 6 de março deste ano, o juiz Bruno Nascimento Troccoli, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos (SP), julgou a demanda parcialmente procedente, fixando a indenização em R$ 50 mil. O autor havia pleiteado R$ 100 mil.
Imprescritibilidade - O estado de São Paulo alegou em seu recurso de apelação que o direito do autor prescreveu devido ao transcurso do prazo legal de cinco anos. Sustentou, ainda, ser parte ilegítima, porque os órgãos de repressão na ditadura militar eram geridos pela União. Por fim, argumentou que não ficou comprovada a submissão do autor a tortura por agentes públicos paulistas.
Segundo o acórdão, é “patente a inexistência de prescrição quinquenal”, em razão da Súmula 647 do Superior Tribunal de Justiça. Ela diz que “são imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar”.
Relator do recurso de apelação, o desembargador Marrey Uint rejeitou a alegação de ilegitimidade passiva e o pedido de chamamento ao processo da União, porque os fatos narrados pelo autor são atribuídos apenas a agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Deops) e da Delegacia da Ordem Política e Social, ambos de São Paulo.
“As condutas imputadas pelo autor abarcam apenas agentes do estado de São Paulo, ligados diretamente à Secretaria de Segurança Pública local”, frisou o relator. Ele ainda citou o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que consagra a responsabilidade objetiva estatal, a qual não exige a comprovação de culpa do agente público.
Segundo o relator, verifica-se nos autos o nexo de causalidade entre o evento danoso, caracterizado pela prisão irregular do autor e a sua submissão à tortura, e a conduta dos agentes públicos estaduais, que cometeram essas ilegalidades a pretexto de reprimir a suposta atuação subversiva de Evandir na política estudantil ligada à FEA-USP.
Documentos oficiais, não contestados quanto à veracidade, atestam a prisão e o interrogatório do autor por período prolongado, “sendo verossímil a caracterização de tortura, considerado o período histórico abarcado, bem como os fatos públicos e notórios correspondentes ao modelo de atuação policial durante o regime militar”, concluiu Uint.
Os desembargadores Leyser de Aquino e Gavião de Almeida seguiram o relator, inclusive, para manter a indenização fixada na sentença, por considerá-la adequada aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Porém, os honorários advocatícios a serem pagos pelo estado foram elevados de 10% para 12% sobre o valor da condenação.
Exílio e anistia - De acordo com Evandir, ele e colegas de faculdade iniciaram a edição de um jornal para a difusão de ideias contrárias à ditadura militar.
Preso em 22 de abril de 1974 e recolhido ao Dops, Evandir foi solto em 12 de agosto daquele ano, após passar por sessões de interrogatório e tortura. Porém, segundo disse, a perseguição política contra ele continuou. Além de perder o cargo de pesquisador na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), foi obrigado a se exilar.
Evandir permaneceu fora do país por cerca de seis anos. Inicialmente, ele ficou na Argentina. Depois passou por União Soviética, França, Bélgica e Itália. Retornou ao Brasil em 1980, após ser sancionada a Lei 6.683/1979, que concedeu anistia aos acusados de crimes políticos. O regime militar o monitorou até no exterior, conforme documentos dos autos.
Fonte: Brasil 247 com informações do Conjur