Tribunal quer evitar ser acusado de “perseguir” o ex-presidente
Aparentemente semelhantes, os casos do relógio dado de presente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e das joias recebidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro podem ter desfechos diferentes, informa a colunista Carolina Brígido, do portal UOL.
Mais do que os pontos de convergência entre as duas histórias, o que deve guiar o julgamento do TCU (Tribunal de Contas da União) nesta quarta-feira (7) são as disparidades entre as situações. Em paralelo, pesa a pressão política sofrida pela Corte para dar uma resposta que não pareça perseguição a Lula ou a Bolsonaro.
O TCU deve decidir na sessão de hoje se Lula precisará devolver um relógio de ouro avaliado em R$ 60 mil que ganhou de presente da marca francesa Cartier em 2005, quando exercia seu primeiro mandato. O modelo Santos Dumont foi um presente da fabricante durante uma visita do presidente a Paris. Ele é feito de ouro branco 16 quilates e prata 750.
Quando recebeu o presente, porém, não havia regulamentação do TCU sobre como a Presidência da República deveria proceder diante de presentes dados por autoridades estrangeiras. A regra veio em 2016. Apesar de os ministros terem deixado clara a inviabilidade de retroação da regra para todos os ex-presidentes, a pressão política para que seja dada uma solução “equânime” ao mandatário e seu antecessor vai pesar no julgamento — equanimidade questionável, já que Bolsonaro afanou vários objetos de valor com a regra já vigente e ainda por cima tentou vendê-los nos Estados Unidos.
A ação foi apresentada ao TCU pelo deputado federal Sanderson (PL-RS) e começará a ser analisada hoje, com o voto do relator, ministro Antônio Anastasia. A expectativa no tribunal é que ele siga o parecer técnico do tribunal e isente Lula da devolução da peça. O TCU tem nove ministros. Em caráter reservado, integrantes da Corte acreditam que a votação será apertada.
Em maio, os técnicos do TCU divulgaram parecer defendendo que Lula fique com o relógio porque não existia, em 2005, a regra que hoje obriga o presidente da República a esperar o fim do mandato para ficar com os chamados itens personalíssimos — ou seja, presentes de uso pessoal de baixo valor.
Ao menos um ministro deve discordar da tese: Walton Alencar, que é o revisor do caso e o primeiro a votar após Anastasia, estaria na ala que defende a devolução do relógio dado de presente a Lula. Mesmo que a regra tenha sido editada em 2016, o então ex-presidente teria a obrigação de devolver a peça recebida em 2005, diante da mudança posterior da regra.
Com a repercussão política do julgamento, que tem sido usado como um dos principais argumentos da defesa de Bolsonaro na investigação que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre as joias, é possível até que uma terceira tese seja apresentada na sessão de hoje, no sentido de “liberar geral” todos os presentes recebidos — para evitar, assim, o argumento de “perseguição” ao ex-presidente.
Em julho, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro por ter ficado com presentes recebidos quando era presidente da República. Ele teria cometido peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro por ter desviado e tentado vender as peças no exterior. Entre os objetos, estão relógios de ouro, esculturas, anéis, colares e brincos.
“Eventual dúvida sobre a classificação de determinado bem é dirimida pelo Tribunal de Contas da União, de modo que a existência de processo pendente de apreciação pela Corte de Contas, tal como efetivamente ocorre neste caso, constitui questão prejudicial cujo prévio deslinde é essencial à cogitação de eventual existência ou não de ilicitude”, afirmou a defesa de Bolsonaro na manifestação enviada ao Supremo na sexta-feira (3).
Apesar dos argumentos de Bolsonaro, a investigação da PF identificou casos de joias que Bolsonaro e seus auxiliares não quiseram formalizar junto ao acervo presidencial, como foi o caso do kit de joias Chopard que a Receita Federal reteve no aeroporto de Guarulhos (SP) com a comitiva do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em outubro de 2021. O grupo não havia declarado o bem e, quando a Receita vistoriou a mala de um dos assessores de Bento, identificou o kit e ofereceu a opção de regularizar os itens, mas a comitiva não aceitou e os itens ficaram retidos.
Em novembro do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, arquivou um pedido do deputado Rodrigo Valadares (União-SE) para investigar Lula por ter deixado de registrar um relógio de pulso na lista oficial de presentes recebidos por autoridades estrangeiras. Era uma peça da marca Piaget avaliada em R$ 80 mil, que foi dada de presente pelo então presidente da França, Jacques Chirac, na mesma viagem de 2005 a Paris.
Moraes seguiu o parecer da PGR e explicou que não havia inícios mínimos da ocorrência de crime para justificar a abertura da investigação. Para a defesa de Bolsonaro, o episódio demonstraria como uma situação análoga à dele teria recebido tratamento “absolutamente distinto”.
No ano passado, o TCU estabeleceu que presentes de alto valor, ainda que sejam itens personalíssimos, fiquem em posse da União. Foi quando Bolsonaro foi obrigado a devolver joias que já tinham sido vendidas nos Estados Unidos. Agora, o tribunal vai decidir se esse entendimento deve ou não retroagir no caso de Lula.
Em 2016, o TCU regulamentou regras sobre o que são objetos de acervo pessoal de ex-presidentes. Ficou proibida a classificação de joias como itens personalíssimos —ou seja, essas peças devem permanecer no acerto da União. Em 2018, a Secretaria-Geral da Presidência de Michel Temer (MDB) incluiu “joias, semijoias e bijuterias como bens personalíssimos”. Jair Bolsonaro revogou a portaria em 2021, com base na decisão do TCU de 2016.
Fonte: Agenda do Poder com informações da colunista Carolina Brígido, do portal UOL