Republicano fez longa descrição do ataque, se apresentou como salvador da democracia mas atacou democratas
Em seu primeiro discurso após o atentado sofrido no sábado (13), Donald Trump pregou a unidade nacional, disse ser o salvador da democracia, mas repetiu ataques a democratas e acusações sem provas de fraude eleitoral na fala de encerramento da convenção republicana na noite desta quinta-feira (18), em que aceitou oficialmente a nomeação do partido.
Em uma fala de 1 hora de 32 minutos permeada por referências religiosas, o empresário disse que Deus o salvou.
Trump começou contando em detalhes os momentos que passou durante a tentativa de assassinato, dizendo que não voltaria a repetir a história por ser muito dolorosa. “Havia muito sangue e, de certa forma, eu me senti muito seguro, porque soube que Deus estava do meu lado”, disse.
“Meus apoiadores sabiam que eu estava em perigo e eles não saíram correndo”, prosseguiu, dizendo que isso evitou uma disparada e outras mortes. “Não era para eu estar aqui esta noite”, disse, levando o público a entoar “sim, é para você estar”. “Eu só estou aqui pela graça de Deus.”
Em um tom de voz abaixo do que costuma usar em comícios, Trump conjurou um clima grave e obedeceu o roteiro no início do discurso, contrastando com seu candidato a vice, J.D. Vance, que falou na quarta (17) com piadas e um estilo informal.
Ao entrar no palco, com direito a uma produção digna de uma celebridade de reality show, Trump fez todo o público levantar e gritar seu nome. Mas, com o tempo, conforme ele fugia do discurso no teleprompter, um clima de cansaço foi se espalhando, com reações mais esparsas de apoiadores.
O ex-presidente comemorou o arquivamento da ação contra ele no caso dos documentos sigilosos, elogiando a juíza Aileen Cannon, indicada por ele. “Se os democratas querem unificar o país, eles devem desistir dessa caça às bruxas pela qual passo há oito anos.”
O republicano passou por algumas de suas propostas: retomar a perfuração e exploração de petróleo sem restrições, cortes de impostos, aumento de investimentos na economia, fechar a fronteira e construir o muro —e prometeu acabar com “a invasão de imigrantes” que “mata milhares de pessoas”.
Um espectador gritou “jogue eles para fora do avião” enquanto Trump falava das dificuldades de deportar imigrantes porque os países de origem supostamente não os aceitariam de volta.
Trump, que havia prometido um discurso diferente e disse que havia sido transformado pela experiência de sábado, mostrou ser o mesmo homem com o mesmo discurso. Atacou seu adversário, dizendo que “se você juntar os dez piores presidentes da história, eles não seriam piores que Biden —só vou usar esse nome uma vez. O estrago que ele causou é impensável”, e citou estatísticas de criminalidade da Venezuela e El Salvador, sem mencionar a fonte, para dizer que a violência foi reduzida nesses países porque os criminosos estariam sendo enviados aos EUA.
Em certo ponto, Trump despertou a plateia ao falar que, diferentemente do que ocorreu nos governos Bush, Obama e Biden, a Rússia não invadiu nenhum país durante sua gestão. Entretanto, com pouco mais de uma hora de discurso, várias pessoas próxima da reportagem bocejavam, mexiam no celular e tinham uma expressão de cansaço.
Ao encerrar o discurso, Trump disse “nós vamos tornar a América grande de novo” junto do público e recebeu no palco sua esposa, Melania, e o resto da família, assim como Vance e a mulher.
“O discurso foi tudo o que eu esperava. Participei da comissão que elaborou a plataforma, era o que queríamos ouvir, e se você não entendeu, você precisa fazer aulas de inglês”, disse o delegado David Jones, do Maine. Questionado se achou que Trump está diferente, após o atentado de sábado, ele afirmou que conhece o empresário há muito tempo e que com certeza há mudanças, mas que nenhuma delas diminui o seu desejo de “tornar a América grande de novo”.
Na mesma linha, J. Paul Knight, delegado do Texas, disse que em sua visão Trump conseguiu atingir um público mais amplo com o discurso, sem abrir mão dos pontos fundamentais para republicanos e conservadores, como economia, segurança, imigração, forças armadas, China e terrorismo.
“Ele disse algumas coisas negativas sobre Biden, que precisam ser ditas, mas acima de tudo ele enfatizou uma mensagem positiva”, afirmou. Ele avalia que Trump estava mais emotivo nesta quinta-feira, após o atentado. “As vezes ele é descrito como super agressivo, mas ele falou mais com o coração, sobre a vida como algo precioso de Deus”, disse.
A fala concluiu a convenção nacional republicana, megaevento de quatro dias marcado pelo culto à personalidade do ex-presidente e por um tom religioso que refletiu o domínio quase completo que ele agora exerce sobre o partido.
Traçando a trajetória avassaladora de Trump na agremiação, alguns dos palestrantes do evento relembraram a entrada oficial do ex-presidente na política, nove anos atrás, em junho de 2015, quando gravou um vídeo anunciando que disputaria as primárias do Partido Republicano enquanto descia a escada rolante dourada da Trump Tower em Nova York.
Se na época o establishment do partido e a imprensa americana trataram o bilionário primeiro como piada e depois como zebra, há pouco espaço para risadas hoje entre os críticos de Trump que não se arrependeram. Não estiveram presentes na convenção, por exemplo, o ex-vice-presidente Mike Pence, a ex-deputada Liz Cheney e o ex-senador e ex-presidenciável Mitt Romney —todos se recusaram a embarcar nos ataques de Trump contra o sistema eleitoral e hoje estão no ostracismo político.
Os discursos que antecederam o de Trump foram dando o tom da noite, passando pelo ex-lutador de wrestling (uma luta livre encenada) Hulk Hogan, o presidente e apresentador do UFC, Dana White, e o jornalista de direita Tucker Carlson. Vários mencionaram o atentado de sábado como um milagre divino. De todos os temas tratados, questões morais despertaram uma reação muito mais efusiva da plateia do que assuntos econômicos.
Dana White apresentou Trump investindo na mensagem do ex-presidente como um amigo caloroso que pediu desculpas a White por interromper sua viagem com a família para discursar na convenção republicana.
“Eu sei por que ele se candidatou de novo. Sabemos que ele não precisa disso, ele tem uma ótima vida e uma família linda. Trump está colocando sua vida em risco porque ele ama esse país”, disse Dana. “Os EUA precisam de um líder forte e o mundo precisa dos EUA fortes.”
“Até pessoas que não acreditam em Deus devem achar que tem algo acontecendo”, disse Tucker Carlson, citando o debate e o atentado de sábado. “Deus está entre nós”, afirmou, ovacionado pelo público.
Franklin Graham, filho do famoso pastor que aconselheu presidentes Billy Graham, conduziu uma oração de agradecimento a Deus por ter salvo a vida de Trump no sábado e transformou a convenção em um culto.
“Ele não é uma ameaça à democracia. Ele é uma ameaça àqueles que desprezam nossa República”, disse Eric Trump sobre o pai, listando, entre outros, pessoas que dependem de auxílio governamental. “Nós não confiamos mais nas nossas eleições, não confiamos mais no nosso Judiciário, e não acreditamos mais que o governo trabalha a nosso favor.”
“Nossas crianças terão valores e nossas crianças acreditarão em Deus”, disse Eric, em mais uma da série de falas religiosas da noite.
Diante de toda a expectativa criada em torno do discurso de Trump, porém, a empolgação do início deu lugar a uma atmosfera mais pesada, criada pelo próprio republicano em sua posição de vítima —e salvador— maior dos EUA.
Fonte: Agenda do Poder com informações da Folha de São Paulo