COB fecha números do Time Brasil e dos 277 atletas classificados, 153 serão mulheres

Agora é oficial: pela primeira vez na história, o Time Brasil será composto por mais mulheres do que homens em uma edição de Jogos Olímpicos. Com a divulgação da equipe do atletismo e a classificação do basquete masculino, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) fechou os números da delegação para Paris-2024 e os publicará na manhã desta quinta-feira. Serão 277 atletas, 153 mulheres e 124 homens. Nunca o total de brasileiras foi maior que o de brasileiros entre os enviados do país a uma Olimpíada.
Nesta edição, elas serão 55% do total de atletas brasileiros. Em Tóquio-2020, elas representaram 47%
— A verdade é que sempre fomos capazes de feitos incríveis. Quando nos deixam mostrar quem somos, não temos limite. E podemos ir muito além. Fico muito feliz de hoje fazer parte da maioria — diz Kahena Kunze, bicampeã olímpica na vela ao lado de Martine Grael. — Acompanho e torço pelo desempenho de várias atletas mulheres porque sabemos o quão difícil é chegar lá. E acho que uma se apoia na outra, se espelha na outra. Vivemos outros tempos.
O programa esportivo de Paris será o mais equilibrado em termos de gênero, com 28 dos 32 esportes em plena paridade. A distribuição de medalhas também será equivalente, com 152 provas femininas, 157 provas masculinas e 20 provas mistas. Paris-2024 será a edição de equidade de gênero em termos de quantidade de atletas, com 50% de participação para cada naipe: 5.250 homens e 5.250 mulheres.
— Isso é maravilhoso. Que honra fazer parte desta porcentagem — disse a ginasta Rebeca Andrade, medalhista de ouro e de prata em Tóquio-2020, e a maior estrela da delegação do Brasil, entre homens e mulheres.
Nos últimos 100 anos, a presença das mulheres na competição cresceu mais de 40 vezes. Em 1924, há 100 anos, também em Paris, apenas 135 mulheres entre 3.089 atletas puderam representar seus países.
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Além de não haver mulheres brasileiras na delegação de Paris-1924, somente algumas modalidades dos Jogos incluíam a participação feminina como: saltos ornamentais, natação, esgrima, florete individual e tênis.
Além de ser maioria, elas agora também são o carro chefe do Brasil. Há mais favoritas ao pódio do que favoritos: além de Rebeca e Martine e Kahena, Rayssa Leal, Ana Marcela Cunha, Mayra Aguiar, Bia Ferreira, Ana Patrícia e Duda, entre outras, são destaques.
Time Brasil
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O Time Brasil de Paris-2024 será menor do que as delegações das últimas duas Olimpíadas (Rio-2016 e Tóquio-2020) e empatará com a de Pequim-2008. Terá mais representantes no atletismo, modalidade que ainda enviará mais homens do que mulheres. No total, serão 43 atletas, sendo 19 no feminino e 24 no masculino. Em Tóquio-2020, a modalidade foi representada por 55 atletas (21 mulheres e 34 homens).
A Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) levou em consideração os dois critérios adotados pela World Athletics para fazer a convocação: atletas com índices (15 atletas no total) e aqueles qualificados pelo ranking de pontos (cotas). A entidade informou que ainda buscará, por meio de um recurso à Corte Arbitral do Esporte (CAS), a inclusão de mais três atletas na delegação que foram desclassificados (Lívia Avancini, do arremesso de peso, Max Batista, da marcha atlética, e Hygor Gabriel, do 4x100m). Eles não foram submetidos ao mínimo de exames antidoping antes da Olimpíada.
Já a ginástica artística, modalidade de destaque do Time Brasil, terá time essencialmente feminino. Em Tóquio-2020 foi o inverso. O masculino havia classificado a equipe e desta vez terá apenas dois atletas: Diogo Soares e Arthur Nory. O feminino, que em Tóquio teve duas atletas (Rebeca e Flavia Saraiva), vai com equipe completa (Rebeca, Flávia, Jade Barbosa, Júlia Soares e Lorrane Oliveira).
— Essa é uma luta de muitas meninas, muitas gerações. Desde a medalha no individual da Daniele Hypólito, a primeira em um Mundial (na Bélgica, em 2001) até a da Rebeca (a primeira medalha de uma ginasta em Jogos Olímpicos, em Tóquio-2020), conseguimos que o esporte mudasse. Existem ciclos e hoje, com o feminino conseguimos resultados inéditos, algo que o masculino já obteve em ciclos anteriores. Torço para que a gente consiga unir os ciclos do masculino e do feminino — comenta Francisco Porath, o Chico, treinador da seleção feminina de ginástica.
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Pertencimento
Para o treinador de natação, Fernando Posseti, único do Brasil a ter uma medalha olímpica com Ana Marcela Cunha (águas abertas), essa virada pode ser atribuída ao trabalho, investimento e, principalmente, ao fato de que as mulheres passaram a acreditar mais em si mesmas e a exigir tratamento semelhante ao dos homens.
Em Paris-2024, ele orientará mais mulheres do que homens: seu time é formado por Maria Fernanda Costa, a Mafê, Gabrielle Roncatto, Beatriz Dizotti e Fernando Scheffer.
— É uma questão de crença mesmo. As mulheres passaram a acreditar que podem. Algo como: “Isso é para mim também. Sou capaz e merecedora. Tenho a mesma capacidade que o masculino, resultados, finais, medalhas… para mim também é algo atingível”. E quando começaram a enxergar isso, a acreditar nelas mesmas, deu-se o start — opina Posseti.
Ele acredita que a partir daí chegou-se à capacitação do trabalho “porque nada cai do céu”. E que o olhar para o feminino veio acompanhado de investimento.
— Treinadores e profissionais passaram a entender que é diferente, que se discute ciclo menstrual e que trabalhar com mulher é mais ouvir do que falar, é ser atento. Precisamos estar capacitados para explorar o que cada uma tem de melhor, olhando para as suas particularidades. Durante os treinos e na área da piscina, tenho sempre um banco ao meu lado para quem quiser sentar e conversar. Sei que elas virão. Prefiro trabalhar com mulheres porque o retorno é mais rico e mais rápido.
O judô, a modalidade que mais conquistou pódios olímpicos para o Brasil, teve esse “olhar atento” lá atrás e conta hoje com o time feminino mais forte do que o masculino. Ao lado de Mayra Aguiar (78kg), Rafaela Silva (57kg) e Beatriz Souza (+78kg) são fortes candidatas ao pódio.
Para tanto, precisou que uma mulher, Rosicléia Campos, abrisse o caminho. Em 2005, a então técnica da seleção feminina de judô iniciou uma revolução na categoria. Separou os treinos e o calendário dos dois naipes. O feminino passou a caminhar sozinho e a fazer escolhas priorizando o interesse das mulheres. Antes, as mulheres seguiam a programação dos homens.
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— A mulher tem um potencial absurdo, o que sempre precisou foi de investimento. E quando eles são alocados no lugar certo, o resultado aparece. Mas é isso: a mulher precisa provar que é boa, e o homem já nasceu dono da situação — analisa a atual treinadora do Flamengo.— Quando vejo as mulheres sendo protagonistas, vejo o quão incrível isso é. Fico emocionada de poder viver essa era finalmente. A luta não foi em vão. Estou feliz, realizada e me sinto parte deste time.
Fora dos tatames e quadras, a realidade ainda é outra. Tem um longo caminho ainda a percorrer. Em Tóquio-2020, segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI), o total de assistentes mulheres e treinadoras variou de 10% a 13%. Do Brasil, segundo o COB, foi 6,7%.
Mas, Letícia Pessoa, três vezes medalhista de prata em Jogos Olímpicos, técnica do vôlei de praia e que estará em Paris-2024 com Barbara Seixas e Carol Solberg, é otimista.
Ela foi técnica de Isabel Salgado (mãe de Carol) e Roseli, primeira dupla brasileira a vencer uma etapa do circuito mundial feminino, em Miami (EUA). Em Olimpíadas, conquistou medalhas com o feminino (duas com Adriana Behar e Shelda, em 2000 e 2004) e com o masculino (Alison e Emanuel, em 2012).
— Agora temos mais abertura, pessoas brigando por nós. E não só no esporte. A sociedade mudou. Uma delegada, uma presidente, uma CEO, outras aparecem — comenta, ao fazer análise sobre como sobreviveu. —Resisti por causa dos resultados, sou uma pessoa privilegiada nesse sentido. Lá atrás, muitas não obtiveram êxito e ficaram prejudicadas. Hoje, a tendência é termos cada vez mais mulheres no esporte, dentro e fora das competições. Esse é apenas o começo.
Fonte: Agenda do Poder com informações do GLOBO.