Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito de Blumenau (SC). Reprodução
O bispo emérito de Blumenau (SC), dom Angélico Sândalo Bernardino,
declara que o projeto de lei que equipara o aborto após 22 semanas ao crime de
homicídio, incluindo em casos de estupro, é “uma distorção da realidade”.
“Simplesmente punir a mulher sem discutir com
profundidade uma situação tão complexa é uma leviandade. É uma precipitação
legalista. É querer resolver pela lei um problema muito mais amplo e vasto”,
diz o religioso, um dos mais respeitados da Igreja Católica.
Ele argumenta que o momento para a análise do tema pela
Câmara dos Deputados, em regime de urgência, também é inapropriado. “Uma
questão complexa como o aborto não pode ser debatida às vésperas de uma
eleição. Qual é a motivação desses políticos que defendem essa proposta?”,
pergunta dom Angélico.
A visão do bispo difere da adotada pela CNBB
(Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), que apoiou a aprovação do
projeto. “Não sou juiz da CNBB. Mas a minha posição é esta”, afirma.
Anteriormente, ele foi bispo auxiliar de dom Paulo
Evaristo Arns em São Paulo e esteve envolvido com a Pastoral Operária nos anos
1970. Naquela época, aproximou-se de Lula (PT), batizando os filhos do atual
presidente e celebrando seu casamento com Janja em 2022, entre outros eventos
religiosos da família.
Dom Angélico celebrando o casamento do presidente Lula com Janja. Foto: Ricardo Stuckert
“O aborto é um crime. Está certo. Mas espera um pouco! A mulher é
frequentemente a maior vítima dessa situação. O que mais há na sociedade é
machismo”, afirma ele. No caso de mulheres estupradas que engravidam e fazem
aborto, diz, a situação se agrava. “A pessoa jamais poderia ser punida, porque
é vítima.”
Para dom Angélico, “chegou o momento de focarmos nesta
problemática de maneira global, e não somente de criarmos leis para aumentar a
punição”.
Ele considera “urgente que as escolas, as famílias, as
igrejas e toda a sociedade proporcionem a educação sexual e afetiva do homem e
da mulher, baseada na ciência, na boa informação”.
“Não podemos prender mulheres antes de darmos a elas, e
também aos homens, uma formação sexual e afetiva sólida”, continua. “É
lamentável como isso ainda não seja incluído na nossa formação.”
“A educação sexual deveria ser prioridade na escola, na
pastoral, na catequese, na família. Da infância à velhice”, afirma. “A mulher,
por exemplo, é uma pessoa aos 20 anos, e outra quando amadurece, ao passar pela
menopausa.”
“O aborto é um crime. Está certo. Mas espera um pouco! A
mulher é frequentemente a maior vítima dessa situação. O que mais há na
sociedade é machismo”
Dom Angélico usa seu próprio exemplo: aos 91 anos, ele
diz, “nunca recebi formação específica sobre sexualidade. Nem quando era
menino, nem quando era adolescente, nem na andropausa e na velhice”.
Ele menciona que o projeto, do deputado evangélico
Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tem “um lado bom porque todos devemos ser contra o
aborto”.
“O aborto deve seguir proibido. É crime, porque mata uma
criança”, prossegue. O problema é encarcerar as mulheres de forma
indiscriminada quando elas “muitas vezes são as vítimas”.
“É preciso ver caso a caso. O que levou essa menina,
essa mulher, a ter relação sexual? Qual é a vida afetiva e familiar dela? Que
educação ela recebeu? Muitas são estupradas dentro de suas próprias casas”, diz
ele.
“Nunca houve educação. Sempre foi aquela coisa de ‘é
proibido isso, é proibido aquilo'”, comenta. “A masturbação, por exemplo, era
proibida, era um pecado. Hoje, o catecismo diz que cada caso deve ser examinado
por considerar que muitas vezes a pessoa é levada a isso por questões
psicológicas.”
“A gente tem que evoluir, e não ficar somente apegado à
punição das pessoas”, conclui o bispo.
Fonte: DCM