Dos 20 deputados indicados por Arthur Lira para o GT, 10 postaram ou compartilharam informações falsas e 2 tiveram seus perfis bloqueados
Dos 20 deputados indicados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para compor o GT (Grupo de Trabalho) que vai debater um projeto de lei para combater fake news, dez já postaram ou compartilharam informações falsas nas redes sociais e dois tiveram os perfis bloqueados. Na Câmara, a expectativa é que nenhum resultado prático saia das discussões do GT.
O GT tem 20 membros, e metade deles tem histórico de espalhar fake news. Um levantamento do portal UOL, ao qual se somam publicações de agências de checagem, revelou uma série de postagens falsas feitas por dez integrantes do grupo.
As fake news abordaram temas como a crise no Rio Grande do Sul, resultado das eleições, 8 de Janeiro e pautas de costumes. Parte dos deputados teve as redes sociais suspensas em algum momento e há até parlamentar investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por publicar fake news.
Os 10 deputados que já espalharam desinformação são (leia mais abaixo o que cada um já compartilhou):
- Érika Hilton (PSOL-SP)
- Eli Borges (PL-TO)
- Filipe Barros (PL-PR)
- Glaustin da Fokus (Podemos-GO)
- Gustavo Gayer (PL-GO)
- Lídice da Mata (PSB-BA)
- Marcel Van Hattem (Novo-RS)
- Maurício Marcon (Podemos-RS)
- Rodrigo Valadares (União-SE)
- Simone Marquetto (MDB-SP)
Expectativa de fracasso
Um projeto sobre fake news relatado por Orlando Silva (PCdoB-SP) ficou empacado por mais de um ano, por causa de divergências entre base e oposição. Mas o assunto foi retomado após a polêmica entre o empresário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), e Alexandre de Moraes, ministro do STF.
O GT foi instituído em 5 de junho, tem prazo de 3 meses e pode ser prorrogado. Até o momento, os integrantes não fizeram reunião para definir quem será o relator ou coordenador dos trabalhos, e não há previsão para esse encontro acontecer. O deputado Filipe Barros (PL-PR) afirmou ao UOL que acha difícil avançar antes do recesso parlamentar.
Depois, com a eleição municipal, os parlamentares ficam nas suas bases e o tema só deve ganhar força após outubro.
Um dos objetivos do projeto é responsabilizar as plataformas por publicações criminosas. Mas a polarização entre bolsonaristas e esquerda impediu a formação de um consenso sobre o que é informação falsa e quais as medidas para combater o problema.
O GT é considerado esforço inútil e nem a própria cúpula da Câmara acredita que o grupo trará resultados. Um dos motivos da crença no fracasso está no relator do projeto. O PCdoB insiste que Orlando Silva, que está no grupo, coordene as discussões, mas o nome dele sofre forte resistência de outros parlamentares. E a eleição municipal de outubro é outro fator que dificulta a produção de resultados.
Governo quer regulamentar redes; oposição fala em censura
Sem esperança sobre resultados práticos, o GT deve apenas virar palco para os parlamentares. A expectativa é que sirva de palanque para deputados do governo e da oposição produzirem material para abastecer suas redes sociais e disseminar suas narrativas.
A oposição bolsonarista trata a regulação das redes sociais como uma forma de censura. Os deputados alegam que o discurso do projeto das fake news de coibir crimes nas plataformas esconde uma iniciativa de calar políticos contrários ao governo federal.
Os parlamentares bolsonaristas argumentam que a engrenagem de censura inclui STF e o Planalto. A líder da Minoria na Câmara, Bia Kicis (PL-DF), declarou que o inquérito das milícias digitais persegue apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Os deputados da oposição que estão no GT ainda não se reuniram. Mas conversas com os integrantes indicam que vão repetir o discurso de defesa da liberdade para evitar regulação das plataformas. Os bolsonaristas afirmam que não são contra retirada de conteúdo, mas querem que haja instâncias para pedir a manutenção dos posts considerados falsos numa primeira avaliação.
O governo federal defende a regulação das redes sociais e se diz prejudicado por fake news. Mas o Planalto nunca priorizou ou usou seu peso político para fazer a medida avançar no Congresso.
Produtores de fake news
O levantamento do portal UOL identificou publicação de fake news por parte dos dez deputados citados abaixo. Eles estão apresentados em ordem alfabética.
Os parlamentares foram procurados pela reportagem. Apenas Filipe Barros, Lídice da Mata e Simone Marquetto se manifestaram.
Érika Hilton (PSOL-SP)
A deputada afirmou que as praias serão privatizadas no Brasil. A narrativa de que uma PEC no Senado impediria aceso da população a trechos de mar ganhou as redes sociais, mas a proposta não sustenta esta declaração.
O projeto não altera o uso das zonas costeiras como mencionou postagem de Erika Hilton. Além disso, a Constituição determina que as praias marítimas e o mar são bens do poder público federal e não podem ser cercados.
Eli Borges (PL-TO)
O deputado comemorou que recursos federais não poderão bancar cirurgia de mudança de sexo em menores de 18 anos. Ocorre que estes procedimentos já são proibidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
A oposição de fato aprovou um dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias impedindo gastos com estas operações. Mas se trata de algo que já não era autorizado, uma vez que crianças e adolescentes não podem fazer este tipo de procedimento.
Filipe Barros (PL-PR)
O líder da oposição na Câmara já precisou depor por espalhar fake news. Ele foi ouvido em uma investigação do STF sobre disseminação de “notícias fraudulentas” contra o Supremo.
O deputado também questionou o sistema eleitoral em um grupo de disparo de fake news do qual era administrador.
Filipe Barros publicou que o governo Lula teria liberado os banheiros unissex em escolas.
À reportagem, Barros disse que foi incluído no inquérito por uma opinião sobre a prisão em segunda instância, mas acredita que em breve a investigação terá fim. Afirmou ainda que o número incluído na administração do grupo de whatsapp era público e ficava com uma assessora na época. “Fui adicionado e colocado como administrador sem conhecer as pessoas do grupo. Jamais falei qualquer coisa no grupo”, declarou.
Glaustin da Fokus (Podemos-GO)
O deputado afirmou que há banheiros unissex nas escolas. Além disso, propôs um projeto para acabar com a existência de “espaço sem gênero nas instituições de ensino”. Na justificativa da proposta, o parlamentar escreveu que os alunos poderiam se sentir desconfortáveis ou inseguros.
O governo federal repudiou a alegação e explicou o conteúdo da resolução. O documento dava orientações sobre tratamento de estudantes trans e sugeria uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero do estudante.
Gustavo Gayer (PL-GO)
O deputado espalhou informação falsa sobre o número de mortos numa UTI de um hospital de Canoas (RS). Ele postou vídeo do prefeito da cidade falando que foram 9 vítimas e omitiu a correção feita mais tarde para 2 mortos.
Gayer teve as redes sociais bloqueadas. A decisão foi tomada pela Justiça porque o deputado compartilhou vídeo de um influenciador argentino que, sem provas, afirmou haver fraude na corrida presidencial brasileira.
Ele também foi flagrado espalhando fake news na pandemia. Em 2022, a Justiça de Goiás determinou que ele publicasse um vídeo de retratação por mentiras sobre a covid-19.
Lídice da Mata (PSB-BA)
Assim como Érika Hilton, a deputada que afirmou haver tentativa de aprovar uma PEC para privatizar as praias no Brasil. Ela fez uma postagem afirmando que o relator da proposta, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), deseja vender trechos da costa brasileira.
À reportagem, Lídice discordou que tenha compartilhado desinformação e disse que o relator fez alterações no texto por causa da pressão popular após a divulgação da PEC.
“Não se trata de fake news. A transferência dos chamados terrenos de marinha a particulares pode dificultar o acesso às praias, consideradas bens públicos de uso comum pela Constituição. Essa medida, portanto, abre espaço — e até mesmo legitima — à destinação de bem público para um uso diferente daquele que é de interesse comum. Tanto é que próprio relator da matéria no Senado precisou esclarecer à imprensa a relação da proposta com as praias”, disse Lídice em nota.
Marcel Van Hattem (Novo-RS)
A disseminação de fake news sobre a eleição de 2022 fez o deputado ter as redes sociais bloqueadas pelo STF. A decisão foi tomada em novembro daquele ano e a liberação ocorreu no mês seguinte. Na época, o ministro Alexandre de Moraes fixou multa de R$ 20 mil diários em caso de reincidência.
A informação falsa compartilhada por Van Hattem foi o vídeo de um influenciador argentino. A postagem continha informações deturpadas sobre as urnas eletrônicas brasileiras e ia ao encontro da narrativa bolsonarista após da derrota na corrida presidencial.
Maurício Marcon (Podemos-RS)
O deputado é apontado como autor de fake news sobre a crise no RS. Ele é autor de um projeto que criminaliza quem impede salvamentos em calamidades públicas.
A proposta é baseada em informações falsas como a de que exigiram habilitação de quem pilotava barcos no resgate de vítimas ilhadas. Mas as autoridades informaram diversas vezes que não houve fiscalização cobrando documentos de voluntários que atuaram na enchente.
Rodrigo Valadares (União-SE)
O deputado afirmou que o governo brasileiro compraria arroz da Ásia cultivado à base de agrotóxicos proibidos no país. O parlamentar escreveu no Instagram que estavam colocando “veneno na mesa do trabalhador”. Ele compartilhou matéria de um site conhecido por publicações falsas.
O edital de leilão, porém, previa análise toxicológica por parte do Ministério da Agricultura. Em nota, a pasta informou que é regra fazer monitoramento e inspeção nas cargas importadas.
Simone Marquetto (MDB-SP)
A deputada afirmou que uma nota técnica do Ministério da Saúde continha “elementos que ampliam o aborto no Brasil.” A parlamentar é uma das autoras do projeto que equipara interrupção da gravidez depois de 22 semanas ao crime de homicídio.
A própria deputada reconheceu que a nota técnica não tinha “validade normativa”. Mas escreveu que estava assustada pela perspectiva de morte de crianças inocentes.
À reportagem, Marquetto insistiu na informação incorreta que a nota “promovia a ampliação do aborto no Brasil” ao anular uma determinação do governo anterior que impunha limite temporal de 21 semanas e 6 dias.
No entanto, a legislação brasileira não estabelece prazo para realização do procedimento nos casos permitidos (estupro, anencefalia e risco de vida à mãe). O documento revogado pelo governo Lula apenas tirava a limitação imposta pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que dificultava o acesso ao aborto legal.
Fonte: Agenda do Poder com informações do UOL.