Protestos na Av. Paulista. Foto: Divulgação
Na tarde deste sábado (15), a Avenida
Paulista foi palco de mais um ato contra o Projeto de Lei (PL) 1.904/24, que
equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio. Foi o segundo
ato de protesto realizado nesta semana na capital paulista contra o
projeto que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados.
or lei, o aborto, ou interrupção de gravidez, é permitido e garantido
no Brasil nos casos em que a gestação decorreu de estupro da mulher, representa
risco de vida para a mãe e também em situações de bebês anencefálicos, sem
estabelecer um tempo máximo de gestação para o aborto.
No entanto, o projeto de lei que foi votado
para tramitar em regime de urgência na última quarta-feira (12) na
Câmara dos Deputados, pretende fixar em 22 semanas de gestação o prazo máximo
para abortos legais e aumentar de 10 para 20 anos a pena máxima para quem fizer
o procedimento.
“A gente mobilizou novamente este
ato. Achamos que era essencial voltarmos no sábado aqui na Avenida Paulista
para mostrar que o projeto é um absurdo. Enquanto esse projeto não for
arquivado, as feministas não sairão das ruas”, disse Ana Luiza Trancoso, que
faz parte do Coletivo Juntas e da Frente Estadual pela Legalização do Aborto.
Para as manifestantes, se aprovado, o projeto de lei afetará
principalmente as crianças que são vítimas de estupros, cujos casos de abuso e
gestações demoram a ser identificados, resultando em busca tardia aos serviços
de aborto legal. Segundo o Fórum de Segurança Pública, 74.930 pessoas foram
estupradas no Brasil em 2022. Desse total, 61,4% eram crianças que tinham até
13 anos.
“As principais vítimas são as meninas de 10 a 14 anos. É
dentro de casa que acontece essa violência. A criança não tem consciência do
corpo. Não sabe o que é estar gestando. Por isso, há a descoberta tardia [da
gravidez]. Além disso, sabemos que os serviços de abortamento legal sempre
colocam barreiras. Não foi só um ou dois casos em que meninas tiveram que mudar
de cidade ou de estado para fazer o aborto. E, quando chegam, sofrem pressão
[para não abortar] e daí vão se passando semanas”, afirmou Ana Luiza.
Uma das participantes do ato na Avenida Paulista foi a
professora Ana Paula Fernandes de Souza, de 43 anos. “Estou no ato porque acho
extremamente importante tentar barrar esse projeto de lei. Eu, enquanto mulher,
me sinto ofendida com tudo isso que vem ocorrendo. E este é só o começo de
muitas outras coisas piores que podem vir”, disse ela à Agência Brasil.
Para a professora, as crianças e as mulheres periféricas
serão as maiores vítimas desse projeto. “Na verdade, a mulher como um todo [é
vítima do projeto]. Mas existe uma parcela aí que vai pagar muito mais por toda
essa situação”, acrescentou.
Protestos na Av. Paulista. Foto: Divulgação
A manifestação na Avenida Paulista contou também com a presença de
muitos homens. “Tenho exemplos na família de abuso sexual. Sobrinhas que
sofreram abuso”, disse René de Barros, de 61 anos, professor aposentado. “Não
há como ficar à margem disso. Inclusive, sugiro que se façam passeatas nos
bairros. Esse Lira [Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados] tem que
cair fora. Ele não é inimigo das mulheres e das crianças. Ele é inimigo do
Brasil”, afirmou.
Para o professor, os homens precisam também reforçar sua
participação em atos como este. “Essas mulheres e essas crianças têm família, e
as famílias são afetadas também. A gente não pode ser hipócrita”, enfatizou.
Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo
(OAB-SP) manifesta “profunda preocupação” com o projeto. “Em primeiro lugar, o
projeto estabelece limites mais rigorosos para a interrupção da gravidez
decorrente de estupro, restringindo-a até a 21ª semana. Esta mudança impõe uma
barreira significativa para as meninas e mulheres que foram estupradas, muitas
vezes obrigando-as a levar a gravidez a termo, o que pode ser considerado
tratamento cruel e degradante”, diz a nota da OAB. “Além disso, essa previsão
ignora a realidade de muitas mulheres brasileiras que sofrem estupro e
enfrentam um longo caminho até conseguirem um aborto legal, frequentemente
ultrapassando as 22 semanas”, acrescenta o texto.
Para a OAB-SP, a criminalização
severa do aborto “não reduz a sua ocorrência, mas empurra as meninas e
mulheres, principalmente as mais pobres, para procedimentos clandestinos
inseguros e com alto risco de vida, aprofundando a discriminação social”.
Lula
Mais cedo, durante a Cúpula do G7, que reúne os países
mais ricos do mundo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se
manifestou contra o projeto.
“Eu, Luiz Inácio, sou contra o aborto. Mas, como o
aborto é uma realidade, precisamos tratar como uma questão de saúde pública. Eu
acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher em uma pena maior do que o
criminoso que fez o estupro”, declarou, em entrevista coletiva na região da
Puglia, na Itália.
Para Ana Luiza Trancoso, a fala do presidente Lula foi
importante, mas precisa ser mais incisiva. “Ele precisa ser um pouco mais
enfático. Ele precisa ter uma posição mais firme”, disse Ana Luiza.
Abaixo-assinado
Durante o ato na Avenida Paulista, as manifestantes
colheram assinaturas de pessoas contra o Projeto de Lei 1.904/24. “É um
abaixo-assinado pedindo que esse projeto seja arquivado. Só assim para a gente
abandonar as ruas”, afirmou a representante do Coletivo Juntas.
Fonte: DCM