Todos os cinco principais
pré-candidatos são herdeiros de poderosas famílias paranaenses, aponta Ricardo
Costa de Oliveira
Os capitais sociais e político-familiares colocam essa candidatura com um potencial de favoritismo muito grande (Frankllin Freitas)
Mais do que uma eleição, Curitiba terá em 2024 uma “gincana
entre famílias políticas e herdeiros políticos” na disputa pela Prefeitura. Uma
situação que nem é novidade, mas a regra em disputas eleitorais – e não só na
capital paranaense ou mesmo no Paraná, mas em diversos estados e municípios
brasileiros, com poucas exceções (tão poucas que acabam por só confirmar a
regra). Essa é a análise de Ricardo Costa de Oliveira, sociólogo e professor
titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde é também coordenador do
Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP).
Especializado
na pesquisa em genealogias, nepotismo e nas chamadas “famílias políticas”
(estruturas que se caracterizam pela transmissão do poder e dos cargos pelas
relações familiares, muitas vezes com o mesmo sobrenome), ele aponta que a
eleição para prefeito de Curitiba será fortemente marcada, mais uma vez, pela
presença das estruturas de parentesco. Ou seja, pela marcante relação entre
parentesco e poder (político, social e/ou econômico), cujas origens, não raro,
remontam ao Brasil colonial.
Nas últimas semanas, por exemplo, foram divulgadas as duas
primeiras pesquisas registradas no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná
(TRE-PR) sobre a disputa para a chefia do Poder Executivo em Curitiba. Os
levantamentos, feitos pelos institutos Radar Inteligência e Paraná Pesquisas,
apontaram empate técnico entre os cinco principais pré-candidatos a prefeito da
cidade: Eduardo Pimentel (PSD), Beto Richa (PSDB), Luciano Ducci (PSB), Ney
Leprevost (União Brasil) e Deltan Dallagnol (Novo). E acontece que todos os
cinco são oriundos de uma ou outra família política, destaca Ricardo Costa de
Oliveira.
“Em alguns grandes municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro,
se vê mais renovação. Mas em vários municípios brasileiros, inclusive capitais
como Curitiba, é sempre uma disputa de família política. Eu até brinco nas
aulas, falei nesta semana: ‘Curitiba não tem só uma eleição, mas uma gincana
entre famílias políticas e herdeiros políticos’. É isso, uma gincana de
famílias políticas e de herdeiros políticos, sempre os favoritos”, afirma o
especialista, emendando que a disputa eleitoral deverá trazer “mais do mesmo”
para a capital paranaense. “Os capitais sociais e político-familiares colocam
essa candidatura com um potencial de favoritismo muito grande”.
Apesar das
primeiras pesquisas eleitorais retratarem, ao menos por ora, uma disputa
acirrada na corrida pelo Palácio 29 de Março (sede da Prefeitura de Curitiba),
um nome desponta desde já como favorito a suceder o prefeito Rafael Greca de
Macedo (que, por sua vez, também é integrante de uma família política – e não
de qualquer família política, mas simplesmente da mais poderosa oligarquia
familiar em Curitiba, a família Macedo, comenta o professor Ricardo). Trata-se
de Eduardo Pimentel Slaviero, atual vice-prefeito de Curitiba e também
secretário de Estado das Cidades do Paraná.
“É todo um esquema, aquilo que na Sociologia se denominam
capitais sociais e político-familiares, que coloca a candidatura do Eduardo
Pimentel com potencial de favoritismo muito grande. Se vai se realizar, é a
questão. Mas nas pesquisas feitas nesses últimos dias, ele aparece em primeiro
lugar”, afirma o sociólogo da UFPR, destacando que além dos apoios políticos –
de nomes como o governador Ratinho Junior, o deputado estadual Alexandre Khury
(possivelmente o próximo presidente da Assembleia Legislativa) e o vereador
Marcelo Facchinello (presidente da Câmara Municipal), além do prefeito Rafael
Greca -, Pimentel também deve conquistar apoio da ‘cruz do poder’ paranaense, o
chamado ‘circuitão’.
“Graciosa Country Clube, Clube Curitibano, FIEP [Federação das
Indústrias do Estado do Paraná] e ACP [Associação Comercial do Paraná] formam
uma cruz. Quem está bem nos quatro polos é favorito, porque vai ter apoio
empresarial, apoio nas redes sociais, redes eleitorais”, explica o professor
Ricardo. “Quem fecha esse retângulo, esse quadrado, vai ter muito apoio,
dinheiro, base, rede… E é o caso, aparentemente, do Eduardo Pimentel mesmo.
Vamos ver”, ressalta ainda ele.
“Neysmo” e “lernismo” ainda
vivos
Com a permanência das estruturas de poder através da
transmissão, da transferência de capitais políticos, econômicos e/ou sociais
entre pai, filho, avô e neto, também permanecem abertos, de certa forma, alguns
“ismos” que escreveram capítulos importantes na história política paranaense
recente, como o lernismo (referência ao poder angariado pelo ex-governador
Jaime Lerner) e o neysmo (referente a Ney Braga, que foi o grande chefe
político do Paraná durante o regime ou a ditadura militar).
“Foi o Ney Braga que viabilizou o Jaime Lerner, principalmente
na carreira política dele, na segunda administração da Prefeitura, concomitante
ao segundo governo de Ney Braga. E aí esse grupo que era do Ney Braga, mais
antigo, passa pro Jaime Lerner, que também agrega novos valores na época, um
dos quais também era o próprio Rafael Greca de Macedo, Cássio Taniguchi, o
próprio Luciano Ducci. E depois também se aproximam do Aníbal Khury e aí o
próprio Beto Richa também, quando ele foi eleito deputado estadual, também se
aproximava do Aníbal Khury, do esquema com o próprio Jaime Lerner”, destaca
Ricardo Costa de Oliveira. “É uma política dominante no Paraná, de grupos que
controlam o governo, o Estado e, geralmente, a Prefeitura, com poucas
exceções”, reforça.
E, por fim,
engana-se quem pensar que o fenômeno das famílias políticas é uma exclusividade
entre políticos mais conservadores ou de direita. “Vamos lembrar, também, que
tivemos há pouco tempo na Prefeitura o Gustavo Fruet. É do PDT, é um nome mais
de centro-esquerda, mas também de uma família política, uma vez que ele é filho
do também ex-prefeito Maurício Fruet e que a irmã dele [Eleonora] também era
secretária municipal. Então, mesmo o Fruet também era uma família política.”
Famílias
políticas: a genealogia e as conexões dos principais pré-candidatos a prefeito
de Curitiba
Eduardo Pimentel Slaviero (PSD)
Neto do ex-governador Paulo Pimentel, que foi também um importante empresário
da mídia, e membro da poderosa família Slaviero, dona da rede de hotéis
homônima e cuja genealogia remete ainda à família Gomes (com parentesco com o
também ex-governador Emílio Hoffmann Gomes), importante família política de
Irati, na região central do Paraná. Seu irmão, Daniel Pimentel Slaviero, foi
presidente por quatro mandatos da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e TV) e também diretor-presidente da Copel (Companhia Paranaense de
Energia). Já sua irmã, Claudia Pimentel Slaviero, é casada com Daniel César
Maranhão Khury, irmão deputado estadual Alexandre Maranhão Khury e neto de
Aníbal Khury, integrando também o clã Albuquerque-Maranhão, tradicional família
de juristas.
Beto Richa (PSDB)
Ex-prefeito de Curitiba, ex-governador do Paraná e hoje deputado federal. É
filho de José Richa, nome histórico do PSDB e do PMDB e que foi governador do
Paraná, senador, deputado federal e prefeito de Londrina. Sua esposa, Fernanda
Vieira Richa, é sobrinha do ex-senador José Eduardo Andrade Vieira e, portanto,
integrante da família Andrade Vieira, que foi uma das famílias mais ricas do
Paraná (dona do Banco Bamerindus). Além disso, conta o professor Ricardo, por
parte da mãe, Arlete Vilela, Beto também faz conexão com o clã Macedo, tendo
como primo genealógico o prefeito Rafael Greca de Macedo e também a deputada
federal Rosângela Wolff de Quadros Moro, esposa do senador Sergio Moro.
Luciano Ducci (PSB)
Médico e político, Ducci foi deputado federal e estadual pelo Paraná,
vice-prefeito de Curitiba na gestão Beto Richa e prefeito da cidade entre 2010
e 2012, após o tucano deixar a Prefeitura para concorrer ao Governo do Estado.
Trata-se, portanto, de um quadro consolidado e que também possui importantes
conexões políticas: além de ser um dos herdeiros da dinastia de Jaime Lerner,
Ducci também é casado com Marry Dal-Prá, que é de uma importante família
política de Paranavaí, na região Noroeste do estado, e sobrinha do deputado
federal constituinte Dionísio Dal-Prá. “Então, ainda que seja alguém que tenha
tido uma trajetória política diferente, também tem o componente familiar aí, da
família Dal-Prá”, comenta Ricardo Costa de Oliveira.
Deltan Dallagnol (Novo)
Foi o deputado federal mais votado pelo Paraná em 2022, mas teve seu mandato
cassado pela Justiça Eleitoral por fraude à Lei das Inelegibilidades.
Ex-procurador da República, foi também o coordenador da rumorosa força-tarefa
da Operação Lava Jato em Curitiba. É filho de outro procurador de Justiça,
Agenor Dallagnol – inclusive, passou no concurso sem ter os dois anos de
formado e o pai foi seu advogado na apelação da União, em que a Justiça deu
vitória ao então procurador. Além disso, o observatório “De Olho nos
Ruralistas” fez uma série de reportagens sobre latifúndios da família Dallagnol
no Mato Grosso, numa região de floresta na Amazônia Legal.
Ney Leprevost (União Brasil)
Hoje deputado estadual, mas já foi vereador de Curitiba, deputado federal e
secretário de Estado (nas gestões Jaime Lerner, entre 1999 e 2000, e Ratinho
Junior, entre 2019 e 2020). Filho do advogado Luiz Antonio Leprevost, é também
neto de Ney Leprevost (que foi procurador-geral de Justiça – o chefe do
Ministério Público do Paraná – e prefeito de Curitiba) e sobrinho de José
Carlos Leprevost (que foi deputado federal pelo ARENA). Seu irmão, Alexandre
Leprevost, foi eleito em 2020 vereador de Curitiba e agora deve buscar a
reeleição. Ney, por sua vez, já disputou em 2016 a Prefeitura e ficou em
segundo lugar, perdendo no segundo turno para Rafael Greca por uma diferença de
pouco mais de 60 mil votos.
Paulo Martins (PL)
Jornalista por formação, ingressou na vida pública após ganhar destaque como
comentarista político na Rede Massa – filial do SBT no Paraná e que pertence ao
empresário Carlos Massa, pai do governador Ratinho Junior. Ex-deputado federal,
é um candidato mais associado ao bolsonarismo e também dessa associação (e da
importância do apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro a sua candidatura) se
revela, mais uma vez, a relevância das famílias políticas, uma vez que os
Bolsonaro já constituem um núcleo familiar de poder político (tanto que três
dos filhos do ex-presidente já são políticos profissionais, ocupando cargos
eletivos que vão da Câmara Municipal do Rio de Janeiro ao Senado Federal, e até
a atual esposa, Michelle, já projeta voos na política).
Maria Victoria (PP)
Maria Victoria Borghetti Barros é filha do poderoso deputado Ricardo Barros
(membro de uma das principais famílias políticas de Maringá, que já teve não só
Ricardo, mas também seu irmão e seu pai como prefeitos da cidade) com Cida
Borghetti (ex-governadora do Paraná). Atualmente é deputada estadual e está
desde 2014 na vida pública, após conquistar uma cadeira na Assembleia
Legislativa do Paraná com apenas 22 anos de idade. Foi também candidata a
prefeita de Curitiba em 2016 e teve desempenho razoável, ficando em quarto
lugar no 1º turno com mais de 50 mil votos.
Outros candidatos
Outros nomes que aparecem mais atrás nas pesquisas
eleitorais são Luizão Goulart (Solidariedade), que já foi prefeito de Pinhais,
na Região Metropolitana de Curtiiba (RMC); Goura (PDT), que é deputado
estadual, já foi vereador de Curitiba e também candidato a prefeito da capital
em 2020, ficando em segundo lugar na disputa pela Prefeitura (vencida por
Rafael Greca ainda no 1º turno); e Carol Dartora (PT), essa sim uma novidade
política, aponta o sociólogo da UFPR. “É uma professora, do Partido dos Trabalhadores,
negra, não tem família política. Mas ela também está com intenção de voto
baixa, bem como o Goura.”
Fonte: Bem Paraná por Rodolfo Luis Kowalski