Revelações que começam a vir à tona com reportagens do Brasil 247 oferecem à PGR o enredo necessário para que, enfim, denuncie Jair Bolsonaro pelo golpe de 8/1/2023
Por Luís Costa Pinto, do 247 em Brasília - Nas primeiras horas da manhã do dia 8 de setembro de 2021 ainda pesava no quadrilátero do Poder em Brasília a atmosfera de golpe de Estado tentado na véspera por Jair Bolsonaro. O então presidente da República sonhava em se converter numa espécie (sempre imprópria) de “ditador constitucional”. Relatos da madrugada davam conta de que havia 160 bloqueios de caminhoneiros em rodovias de 15 dos 27 estados da federação. Os bloqueios foram convocados explicitamente por Bolsonaro como estratégia auxiliar da esteira golpista que imaginou comandar, cujos detalhes foram relatados em reportagem publicada no Brasil 247 na última quinta-feira, 11/01. Durante as celebrações do Dia da Independência, na véspera, em discursos proferidos na Esplanada dos Ministérios e na Avenida Paulista, em São Paulo, Jair Bolsonaro atacou diretamente o Supremo Tribunal Federal e o ministro e Alexandre de Moraes (já responsável pelo inquérito das fake news e que aglutinaria no futuro o dos atos antidemocráticos). Veladamente, também destratou Luiz Fux, que ocupava a presidência do STF. “Quero dizer a vocês que, qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá”, discursou o presidente da República no 7 de setembro de 2021. E prosseguiu:”A paciência do nosso povo já se esgotou, ele (Alexandre de Moraes) tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais”. Na capital paulista, à noite, o tom não mudou. “Ou o chefe desse poder (Luiz Fux) enquadra o seu (Alexandre de Moraes), ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, discursou. Evitou falar os nomes dos ministros do Supremo porque, como todos sabem, a covardia sempre foi um traço definidor de sua personalidade problemática.
Temer é convocado a entrar em cena
“Acho que só uma pessoa é capaz de evitar a escalada desse conflito entre a Presidência e o STF, entre o presidente Bolsonaro e o ministro Alexandre”, especulou o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, para o PGR Augusto Aras num telefonema que precedeu o café da manhã de ambos naquele 8 de setembro. “É Michel Temer. Acho que só o ex-presidente fala com os dois lados e pode pôr panos mornos nos dois. De outra sorte, teremos um cenário muito arriscado”. Aras escutou o colega e auxiliar direto e anotou a sugestão. Ele sempre teve diálogo franco e aberto com Temer, desde antes da assunção do ex-vice decorativo à Presidência com o impeachment sem crime de responsabilidade de 2016. A desconfiança de que Bolsonaro esperava uma reação dura e coesa das instituições - STF, Congresso Nacional e PGR - para acionar o que considerava em devaneios “seu dispositivo militar” sempre ocupou lugar de destaque nas convicções do procurador-geral e de um interlocutor contumaz, o ministro Dias Toffoli, do Supremo. Augusto Aras telefonou para Temer e o sondou sobre a possibilidade de ele conversar pessoalmente com Jair Bolsonaro. Foi uma conversa longa. O ex-professor de Direito Constitucional Michel Temer levantou dúvidas sobre a solidez dos compromissos democráticos de Bolsonaro - os dois, na conversa, deram a entender que eram convicções gasosas as do então presidente - e se dispôs a funcionar como bombeiro a apagar o rastilho de pólvora entre o Palácio do Planalto e a sede do STF apenas e tão somente se Bolsonaro subscrevesse uma carta de arrependimento e contrição que ele escreveria.
Com o sinal verde e as prescrições preliminares de Temer, o procurador-geral sondou diretamente Jair Bolsonaro e indiretamente (por meio de outro ministro do STF) Alexandre de Moraes se ambos atenderiam um telefonema de Michel Temer para falar “dos eventos do dia 7 e seus desdobramentos”. Bolsonaro e Moraes disseram que sim. A partir dali, Bruno Bianco, advogado-geral da União de Bolsonaro e ex-secretário-geral da Casa Civil de Temer no período em que ele ocupou a Presidência (depois da deposição de Dilma Rousseff) assumiu o controle das agendas e dos telefonemas trocados pelo trio. Bolsonaro e Temer se falaram por telefone no começo da noite do dia 8 de setembro de 2021. O então presidente disse ao ex que temia ser preso por uma decisão de Alexandre de Moraes. O ex-vice de Dilma fez o interlocutor jurar que assinaria uma carta de contrição e desculpas que ele escreveria. Temer nunca escondeu adorar cartas escritas. Afinal, “verba volant, scripta manent” (provérbio latim eternizado no processo golpista de 2016, quando Temer escreveu um bilhete lamurioso à presidente da República reclamando por se sentir decorativo no Planalto). Ante a promessa de que o antecessor dobraria Moraes (o hoje ministro do Supremo foi indicado ministro da Justiça por Temer), Bolsonaro rendeu-se a tudo. Michel Temer chamou o publicitário Elsinho Mouco a seu apartamento paulistano ainda na noite de 8 de setembro, relatou a ele as conversas, sublinhou o nervosismo e a tensão que vislumbrou na voz de Bolsonaro - paúra da deposição e da cadeia - e começaram a rascunhar o texto que viria a ser revelado mais tarde como uma “declaração à Nação” de um Jair Messias Bolsonaro acoelhado (de joelhos, como dizem os gaúchos) ante Alexandre de Moraes crescentemente empoderado a partir dos inquéritos que se abriam para apurar a espiral de ataques do bolsonarismo ao Estado de Democrático de Direito.
“Deixar a política com os políticos”: compromisso de Aras
Ao ser comunicado que teria o nome indicado para assumir a Procuradoria Geral da República, em setembro de 2019, o então subprocurador-geral Augusto Aras firmou com o então presidente da República, Jair Bolsonaro, um único compromisso solene. “O senhor pode ter certeza que terá um homem temente a Deus, cumpridor da Constituição e que fará a política voltar para o campo de ação dos políticos e trabalhará para o Judiciário cuidar da Justiça”, disse um formal e circunspecto operador do Direito, metido em terno e gravata, ao homem que o recebia em inapropriados trajes clubísticos num começo de noite abafada de fim de verão no Palácio da Alvorada. Quando recepcionou Aras, bruto e tosco como bem sabia ser, Bolsonaro perguntou-lhe de chofre: “você sabe o tamanho da pica que lhe espera?”. Há duas testemunhas da inquirição grotesca, além dos interlocutores diretos. O futuro PGR e o presidente pensavam em coisas diferentes quando pronunciaram aquelas duas frases tão simbólicas para a trajetórias de cada um deles nos tempos estranhos que viriam a seguir.
Na mente daquele que seria por quatro anos o PGR mais invocado e, ao mesmo tempo, o mais atacado - à esquerda e à direita - de toda a História republicana brasileira, proclamar que a política voltaria às mãos dos políticos significava dizer que a atuação de partidos e de lideranças da sociedade, ocupassem ou não cargos públicos, não estaria submetida ao escrutínio hostil e tendencioso imposto pela Operação Lava Jato. Dentro do Ministério Público, Augusto Aras sempre perfilou entre os mais duros críticos dos métodos anti-republicanos instituídos a partir da “Força Tarefa” de Curitiba (PR) e expandidos pelo País, deturpando as normas e os ritos de funcionamento da Democracia. Professor de Direito na Universidade Federal da Bahia e na Universidade de Brasília, ele nunca deixou de verbalizar a ojeriza acadêmica às extrapolações de poder do lavajatismo. Rebelava-se internamente no MPF contra denúncias ora frágeis, ora vazias, que muitas vezes se davam a priori (antes) dos fatos. “O campo do Direito não permite abstrações de futurologia. A Justiça só pode ser feita sobre fatos concretos e não sobre a hipótese caso eles eventualmente ocorreram”, conceituou sobre o tema, dias depois de deixar a PGR, já em 2023, numa conversa em que foi insistemente provocado a responder por que não agiu ao encontro das crescentes demandas da sociedade e de amplos campos da política que pediam endurecimento - ou mesmo denúncia formal - contra o presidente Jair Bolsonaro.
Rememore, a seguir, a íntegra do texto divulgado por Bolsonaro em 9 de setembro de 2021 depois que Michel Temer se interpôs entre ele e Alexandre de Moraes para evitar o recrudescimento daquela crise:
“Declaração à Nação
No instante em que o país se encontra dividido entre instituições é meu dever, como Presidente da República, vir a público para dizer:
1. Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar.
2. Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news.
3. Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de “esticar a corda”, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia.
4. Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum.
5. Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes.
6. Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art 5º da Constituição Federal.
7. Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país.
8. Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição.
9. Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles.
10. Finalmente, quero registrar e agradecer o extraordinário apoio do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos do nosso Brasil.
DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA
Jair BolsonaroPresidente da República federativa do Brasil”
Golpe derrotado de 7/9/2021 deve sacramentar denúncia contra Bolsonaro por 8/1/2023
Dois subprocuradores-gerais da República, um ministro do STF e um advogado criminalista e constitucionalista que atua em Brasília, ouvidos pelo Brasil 247 depois das revelações feitas pelo site no último dia 11 de janeiro, dizem acreditar que a revelação da existência de propósitos golpistas na cadeia de comando estabelecida por Jair Bolsonaro já nos preparativos para a celebração do 7 de setembro de 2021 conferem um provável desfecho à denúncia contra o ex-presidente por planejar e tentar se beneficiar do golpe dado e vencido em 8 de janeiro de 2023. Isto porque o açulamento de instituições de Estado - o Supremo Tribunal Federal, em 2021, e a Presidência da República, em 2023 - para que solicitassem o dispositivo de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) a fim de pôr nas mãos das Forças Armadas a missão primordial de “pacificar” o País e assegurar o “cumprimento” da Constituição passou a ser ideia fixa do bolsonarismo e de suas correias de transmissão por todo o período.
O ex-ministro da Segurança Pública do período de Temer, Raul Jungmann, revelou ter sido informado por oficiais de alta patente que Jair Bolsonaro teria ordenado ao comando da Força Aérea, em 2021, que caças Grippen (o avião militar de última geração que está equipando a esquadrilhas de ataque da FAB) sobrevoassem a sede do STF baixo o suficiente para fazer trincar as vidraças do prédio. Em 2012, por acidente, durante sobrevoo da Esquadrilha da Fumaça na Praça dos Três Poderes, a estridência dos jatos dos caças militares danificou alguns vidros do Supremo Tribunal Federal. Em 2022 um golpe de Estado semelhante ao tentado e derrotado em 7 de setembro de 2021 foi novamente articulado. Mas, enfraquecido e isolado pelo processo eleitoral em curso naquele ano, não causou tanto rebuliço entre as instituições. Em dezembro de 2022, contudo, articulou-se uma terceira tentativa de golpe para o dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral - originalmente, 19 de dezembro. Um ministro do Supremo, porém, flagrou a “fumaça de uma intentona”, como relatou depois, e tratou de sugerir a antecipação da diplomação de Lula para o dia 12 de dezembro (como de fato ocorreu). A história de mais esse golpe tentado e vencido, antes do dia 8/1/2023, será contada em reportagem futura. O enredo das duas aventuras liberticidas de 2022 também passavam por GLO e pela ação de Polícias Militares de diversos estados e do Distrito Federal a favor da estratégia golpista - tudo como terminou ocorrendo em 8 de janeiro de 2023, mas, Bolsonaro já não estava à proa do Poder Executivo e sim foragido em Orlando.
“Cogitar não é Crime. A Teoria do Crime trabalha com ações efetivas, a tentativa e a consumação; e as omissões quando houver dever de agir”, explicou ontem Augusto Aras, deixando claro o porquê de nem ele, nem o então vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, terem visto em 2021 razão jurídica para denunciar Bolsonaro pelo golpe tentado naquele 7 de setembro. “Excepcionalmente, em certos crimes específicos, admite-se punir atos preparatórios que podem ser aferidos objetivamente.
Crimes políticos que envolvem manifestações difusas estão em uma linha limítrofe difícil de intervenção do sistema de justiça, sob pena de usurpação da função do Poder Legislativo”, concluiu. Logo, ao fazer a opção de deixar que a cena política se acalmasse com a paz (passageira, fugaz) selada por Temer entre Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes por causa da intentona de 7/9/2021, Aras estava sendo fiel ao seu princípio de deixar que os políticos operassem a política. Se o Congresso Nacional formasse uma maioria capaz de negociar as bases de um impeachment, aquela solução viria. O mundo político, entretanto, foi incapaz de reunir lideranças e convencer a sociedade para ir às ruas pelo impeachment. O senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, hoje líder do Governo no Congresso, peticionou o STF (petição 9.910/2021/DF) contra Bolsonaro e pediu abertura de notícia-crime contra o então presidente em razão dos discursos golpistas e boçais daquele 7 de setembro.
Na petição, Randolfe alegava que “o presidente da República atua claramente contra o livre exercício do Poder Judiciário, por enquanto, apenas com grave ameaça”. Entre outras coisas, pedia “a intimação da Procuradoria-Geral da República visando a abertura de inquérito e posterior promoção de ação penal contra Jair Bolsonaro”. No dia 5 de novembro de 2021 o vice-PGR à época, Humberto Jacques de Medeiros, que sempre gozou da fama de ser tão garantista e cioso do espaço de atuação de cada um dos poderes da República quanto Aras, assinou o parecer contrário à abertura de inquérito como pedia Randolfe. Aras só leu o texto de Humberto Jacques depois de ele ter sido protocolado no STF. Como procurador-geral, poderia ter avocado para si a missão daquele despacho. Porém, deixou que os fatos seguissem seus cursos naturais. Eis alguns tópicos do parecer de Jacques de Medeiros:
“...
8. O grau de violência ou de ameaça necessários para que se possa considerar preenchido o tipo assenta-se na aferição de sua idoneidade para perturbar o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
9. Por violência entende-se todo o ato de força ou hostilidade que seja idôneo a impedir o livre exercício de qualquer dos poderes constitucionais. Tem de surgir como pré-ordenada a coagir, a impedir ou dificultar a atuação legítima de qualquer dos poderes constituídos, devendo a adequação do meio ser aferida por um critério objetivo, tendo sempre em conta as específicas circunstâncias de cada caso.
10. A ameaça adequada consiste no anúncio de que o agente pretende infligir um mal futuro, pessoal ou patrimonial, dependente da sua vontade e que seja apto a provocar medo ou inquietação. Deve ser suscetível de ser tomada a sério, dando o agente a impressão de estar resolvido a praticar o fato.
11. A conduta do noticiado deixa de integrar a tipicidade prevista neste normativo porquanto não afrontou ou ameaçou o livre exercício do Poder Judiciário da União com o uso de qualquer violência física ou moral. A expressão "ou o chefe desse poder enquadra o seu ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos' não significa o anúncio de um mal futuro, como requer o tipo de injusto em questão.
12. Tampouco é possível considerar como seguro, de acordo com as regras da experiência, que o seu sentido seja, apenas, a abolição violenta do estado democrático de direito. Quer isto dizer que o fato é de tal modo vago e impreciso, que não é forçoso entendê-lo, nos termos em que o noticiado o entendeu.
13. Assim como é plausível que as referidas palavras constituam uma parlapatice inconsequente, não se descarta que elas talvez significassem que o Poder judiciário, poderia, na perspectiva do noticiado, sofrer um indesejável descrédito por parte da população caso não disciplinasse um de seus membros.
14. Ainda que se admita, por mera hipótese, a existência de uma "ameaça, não foi a mesma suscetível de ser tomada a sério pelo poder "ameaçado.' Quando muito, houve um arroubo de retórica de parte do presidente da República, e foi essa, inclusive, a percepção de um membro aposentado do Supremo Tribunal Federal' à época dos fatos.
15. A exaltação, acompanhada de gesticulação mais ou menos efusiva e impropérios, habitual nestas situações, que envolveu e antecedeu o discurso do noticiado e a que o peticionário se referiu como ultimato, não constitui seguramente elemento objetivo integrador do ilícito imputado, ou seja, não integra os conceitos de violência ou de grave ameaça a que se reportam o preceito incriminador, porque não era ato capaz de impedir a missão do poder constituído.
16. Não tendo havido o emprego de violência ou de ameaça, limitando-se o noticiado à imprecação verbal, ou quaisquer outras atitudes e comportamentos que não sejam aptos a anular ou dificultar significativamente a capacidade de atuação do poder constitucional, não há crime.
…
18. As expressões "ou o chefe desse poder enquadra o seu ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos" e "ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair" são insuficientes para a realização típica do crime de incitação à subversão da ordem política ou social, porquanto a intervenção penal através da figura do art. 23, inciso 1, da Lei n. 7.170/1983 exige um incentivo público à adoção de um comportamento político-subversivo por parte de um terceiro.
19. No presente caso, o ato nem tem um significado de apelo, nem foi ele dirigido à generalidade das pessoas presentes nas manifestações de Brasília e de São Paulo.
20. Bem pelo contrário. A passagem destacada parece apontar no sentido de que as palavras do noticiado tinham como destinatários precisos o presidente do Supremo Tribunal Federal e um de seus integrantes.
21. Da mesma forma, o teor das declarações que, na sequência, foram proferidas e estão no cerne da imputação a ele dirigida, tem como destinatário específico e direto o presidente do Tribunal Superior Eleitoral: E nao e uma pessoa do TSE que vai nos dizer que este processo é seguro porque não é. Um ministro do TSE, usando sua caneta, usar sua caneta e desmonetizar páginas que criticam esse tipo de votação'.
22. A razão para que devam ser excluídas do círculo típico da instigação pública os casos em que, apesar de publicamente manifestados, tenham como destinatários uma concreta pessoa ou mesmo um conjunto restrito e definido de pessoas tem a ver com a necessidade de se diferenciar essas hipóteses das de participação criminosa, independentemente de outras pessoas, que não apenas os seus concretos destinatários, terem se sentido sugestionadas à prática do crime em causa.
23. Nessas situações, "o agente instigador, hoc sensu, poderá vir a incorrer em responsabilidade criminal, mas por via direta do ilícito-típico violado na sequência da sua atuação pelos destinatários da mesma, na qualidade de instigador ou de cúmplice, desde que, naturalmente, os demais pressupostos da instigação ou da cumplicidade estejam preenchidos quanto a ele e quanto ao fato respectivo.”
…
34. A não ser que a concentração tenha como objetivo impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto em dia de eleição'°, ou constitua associação para o fim de cometer crimes, como por exemplo a que motivou o requerimento de instauração do INQ 4879/DF perante o Supremo Tribunal Federal, o fornecimento de alimentos,transporte coletivo e até mesmo de dinheiro aos seus integrantes, a despeito de ser discutível no plano da ética, não configura um delito previsto e punível pela legislação brasileira.”
O novo procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, acompanhou sem discordar todos os passos das reações formais da PGR à escalada atentatória à Democracia e ao Estado de Direito promovidos por Jair Bolsonaro no curso de seu mandato. Se em 2021 e em 2022, quando procuradores da República e ministro do Supremo flagraram as vésperas de um golpe que jamais se consumou - e, daí, argumentam que não se podia punir um presidente da República por um fato que não ocorreu sob o risco de ações do Ministério Público ou do Poder Judiciário invadirem o território de operação da política e dos políticos, dos poderes Executivo e Legislativo -, o atenuante deixou de existir em 8 de janeiro de 2023. No primeiro domingo do terceiro mandato do presidente Lula, toda a articulação golpista ensaiada por dois anos pelo bolsonarismo eclodiu contra as sedes dos Três Poderes - Presidência, Supremo e Congresso. Ações inicialmente descoordenadas das instituições, e logo depois firmes e duras, reagiram contra o golpe de Estado, derrotaram-no e agora se esforçam para dar respostas jurídicas e institucionais à sociedade para sacramentar que é crime atentar contra a Democracia. A revelação dos fatos pregressos a 8 de janeiro entregam à atual PGR o catalisador necessário ao enredo que lhe falta para escrever a denúncia formal que pedirá a responsabilização dos mandantes e dos estrategistas do golpe de 2023 - e Bolsonaro estará sempre entre eles, por tudo o que se revelou até aqui.
Fonte: Brasil 247