Reforma aprovada por Haddad vinha sendo discutida há décadas e deve simplificar o sistema tributário, abrindo espaço para mais crescimento e geração de empregos
Fernando Haddad, ministro da Fazenda (Foto: Antonio Cruz/Ag. Brasil)
(Reuters) - A Câmara dos Deputados aprovou em um primeiro passo histórico após décadas de discussão do tema no Congresso, o texto principal da reforma tributária, conferindo uma vitória não apenas para o governo, que a considera prioritária, mas também ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que abraçou a proposta e trabalhou ativamente por sua aprovação.
Por 382 votos a 118 -- com três abstenções -- deputados chancelaram o texto construído pelo relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) após sucessivas negociações que também envolveram Lira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, além de governadores e prefeitos, associações e representantes de setores econômicos.
Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a matéria precisava alcançar ao menos 308 votos favoráveis.
Logo após a votação do texto principal, os deputados aprovaram uma emenda aglutinativa, acrescentando ao texto mudanças de última hora acertadas pelo relator.
PAPEL HISTÓRICO - Lira chegou a deixar momentaneamente a presidência da sessão para, da tribuna, defender a aprovação da proposta.
"A Câmara dos Deputados precisa e vai cumprir o seu papel histórico! Sairemos daqui com a cabeça erguida! Estou seguro -- e transmito isso a vocês -- que vamos ter o reconhecimento da nação".
Pelo Twitter, Haddad comemorou a aprovação do texto-base, argumentando que não se trata de uma proposta de governo, mas uma necessidade da economia para a produtividade avançar.
"Depois de décadas, aprovamos uma reforma tributária. democraticamente. Parecia impossível. Valeu lutar!", publicou o ministro.
Pouco antes da votação, o relator ainda promovia mudanças na proposta em busca de votos. Lira, por sua vez, já adiantava que a reforma ainda poderá ser alterada quando tramitar pelo Senado.
Mesmo o texto-base aprovado nesta quinta poderia ser modificado por emendas destacadas pelos deputados que estavam sendo votadas separadamente antes de ser iniciado o segundo turno.
"Foram muitas demandas, e eu tive um dia muito corrido para apresentar essas modificações, frutos dos entendimentos, inclusive vários deles patrocinados pelo nosso presidente, deputado Arthur Lira, mas também pelos líderes partidários", comentou Aguinaldo, pouco antes de apresentar a última versão de seu parecer.
Ciente do processo legislativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em entrevista ao SBT que o texto da reforma tributária não é o desejado por Haddad, mas o "possível" de se construir.
APERFEIÇOAMENTOS - Aguinaldo conseguiu o apoio dos governadores -- influenciados em grande parte pelo posicionamento favorável do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) -- para desatar o nó em torno do Conselho Federativo, entidade que vai administrar os recursos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e vinha provocando resistências entre os chefes dos Executivos estaduais.
Texto apresentado na noite desta quinta-feira ao plenário por Aguinaldo com "aperfeiçoamentos" para evitar distorções nas decisões definiu que Estados e o Distrito Federal terão 27 membros no conselho -- um para cada ente federado. Municípios e o Distrito Federal serão representados por outros 27 membros, sendo 14 eleitos com base nos votos de cada um dos entes e 13 com base nos votos ponderados pelas respectivas populações.
O acerto prevê ainda que as decisões do conselho serão aprovadas se obtiverem, conjuntamente, os votos da maioria absoluta dos representantes de municípios e Distrito Federal e os votos do conjunto de Estados e do Distrito Federal -- neste segundo caso, será preciso obter a maioria absoluta de seus representantes e obter a aprovação de representantes que correspondam a mais de 60% da população do país.
O texto aprovado nesta quinta também estabelece uma redução da alíquota do imposto único a ser cobrado de produtos de setores favorecidos como agronegócio, saúde, educação e transporte.
Apresentado pouco antes da votação, o parecer de Aguinaldo determina que a alíquota para os regimes favorecidos corresponderá a 40% do valor cobrado dos produtos em geral, ante 50% na versão anterior da proposta.
O tratamento diferenciado valerá para serviços de educação e saúde, dispositivos para pessoas com deficiência, produtos voltados à saúde menstrual e higiene pessoal, transporte coletivo e produções artísticas, culturais e jornalísticas.
O benefício também será destinado para produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais, além de insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano.
Foi criado ainda um regime diferenciado para todo o setor de turismo, além da liberação de créditos para materiais destinados à reciclagem. Também foram feitos ajustes nos regimes diferenciados de tributação sobre combustíveis, além da previsão de criação de uma cesta básica nacional de alimentos com alíquota zero.
"Para que ninguém fique inventando alíquota e fique inventando que a gente vai pesar a mão sobre o pobre", disse Aguinaldo na véspera, ao anunciar a medida.
POLITIZAÇÃO - Pouco antes do início da votação da reforma, Lira aproveitou entrevista para dizer que a análise não seria adiada e que a decisão mais correta seria não "politizar um tema tão importante". O recado, sem destinatário claro, ocorre em meio a pressões do ex-presidente Jair Bolsonaro e de aliados para que a votação não ocorresse nesta quinta.
Bolsonaro tem se posicionado publicamente e de forma firme contra a reforma. A oposição do ex-presidente ao tema resvalou em um de seus aliados, o governador de São Paulo.
Tarcísio foi hostilizado na manhã desta quinta ao apoiar a reforma na reunião do PL e ainda ouviu de seu mentor político que ele não tem experiência política, segundo fontes ouvidas pela Reuters que participam do encontro a portas fechadas em Brasília.
ARTICULAÇÃO - A busca por votos a favor da reforma incluiu, na reta final, a aceleração no ritmo de liberação de emendas, o atendimento a demandas da bancada do setor agropecuário em pontos do texto da reforma, a nomeação de indicados de deputados para o segundo e terceiro escalões nos Estados, e até mesmo mudanças ministeriais, segundo fontes ouvidas pela Reuters nos últimos dias.
Até a véspera da votação da reforma, o governo havia se comprometido a pagar 5,3 bilhões de reais em emendas parlamentares, conforme dados do Siga Brasil, o sistema de acompanhamento da execução orçamentária do Senado Federal.
Partidos do centrão, como o PP de Lira, e mesmo o PL de Bolsonaro foram os principais beneficiários.
E, após idas e vindas, o governo confirmou a mudança de comando do Ministério do Turismo para acolher demandas do União Brasil. A sigla vinha requisitando o posto por não identificar a atual ministra, Daniela Carneiro, como uma indicação partidária. Ela chegou a pedir desfiliação da legenda.
No lugar dela, assumirá o deputado Celso Sabino (UB-PA), parlamentar que conta com o apoio da bancada.
PRÓXIMOS PASSOS - Quando for concluída a deliberação na Câmara, a matéria seguirá para o Senado, onde também passará por tramitação específica para alterações constitucionais, com dois turnos de votação e precisando do apoio de 49 dos 81 senadores.
Se modificada, a reforma precisará voltar à Câmara, ou pelo menos os pontos em que não houver consenso entre as duas Casas.
No Senado, Casa federativa do Congresso, a proposta pode enfrentar outros tipo de dificuldades e resistências, já que governadores costumam ter mais influência política sobre os senadores.
Fonte: Brasil 247 com Reuters