TSE retomou o julgamento da ação contra Jair Bolsonaro pela reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em que ele atacou o sistema eleitoral brasileiro
Jair Bolsonaro e vacina (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino | REUTERS/Yves Herman)
Caroline Oliveira, Brasil de Fato - Além do julgamento no Tribunal Superior Eleição (TSE) que pode deixar Jair Bolsonaro (PL) inelegível nesta terça-feira (27), outros processos e indícios podem recair até mesmo criminalmente sobre o ex-presidente, como o esquema de fraude em cartões de vacinação e o vazamento de um inquérito sigiloso a respeito do ataque hacker aos sistemas da Corte eleitoral.
Somente no TSE, tramitam 16 ações que pedem a sua inelegibilidade, sendo duas referentes a ataques ao sistema eleitoral e outras sobre o uso da máquina pública para se beneficiar nas eleições do ano passado. A que está mais adiantada é a que será julgada nesta terça (27), que trata sobre a reunião com embaixadores.
O que motivou a ação, protocolada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), foi uma reunião de Bolsonaro com embaixadores de países estrangeiros no Palácio da Alvorada, no dia 18 de julho do ano passado, amplamente divulgada pela TV Brasil e pelas redes sociais do ex-presidente.
No relatório, o ministro do TSE Benedito Gonçalves, relator do processo, afirma que as declarações feitas por Bolsonaro durante reunião foram "danosas". Na ocasião, prossegue o ministro, Bolsonaro "atacou a Justiça eleitoral e o sistema eletrônico de votação", o que convergiu "com a estratégia de sua campanha" à reeleição.
Relembre alguns processos contra Bolsonaro que ainda entrarão na agenda:
Fraude em carteira de imunização
De acordo om investigações da Polícia Federal (PF), o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, articulou um esquema de fraude para incluir doses de vacina contra a covid-19 em cartões de imunização, como nos documentos de Jair Bolsonaro e de sua filha Laura. Cid foi preso em 3 de maio.
Em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a PF informou que Bolsonaro sabia das alterações. O principal indício é que a emissão desses certificados foi feita de dentro do Palácio do Planalto, entre os dias 22 e 27 de dezembro do ano passado. O ex-presidente nega que tenha falsificado o documento.
O depoimento de Cláudia Helena Acosta da Silva, chefe da central de vacinação de Duque de Caxias, à Polícia Federal reitera as suspeitas. A funcionária afirmou que cedeu sua senha ao secretário de Governo do município, João Brecha, para apagar os registros de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Cláudia explicou, no entanto, que não sabia quem se beneficiaria com essa ação, uma vez que Brecha não forneceu os CPFs, alegando se tratar de "pessoas relevantes e conhecidas" e que, por isso, não desejava "envolvê-la em problemas".
Segundo informações da polícia, os dados foram inseridos no sistema em 21 de dezembro de 2022, referentes a duas aplicações que teriam sido realizadas nos dias 13 de agosto e 14 de outubro, em nome de Jair Bolsonaro. Em 22 de dezembro, um certificado de vacinação foi emitido a partir do Palácio do Planalto em nome do então presidente. Em 27 de dezembro, um login usando o nome de Cláudia Helena emitiu um novo certificado e, em seguida, apagou o registro do sistema, alegando um erro.
Com base na cronologia dos eventos, a PF acredita que o Bolsonaro e seu ajudante de ordens, Mauro Cid, tinham conhecimento da fraude.
Vazamento de inquérito sobre o TSE
Também de acordo com a PF, Bolsonaro cometeu o crime de violação de sigilo funcional ao vazar, durante uma live realizada em agosto do ano passado, informações de um inquérito sigiloso sobre um ataque hacker aos sistemas do TSE. O objetivo era desacreditar o sistema eleitoral brasileiro.
"Considerando os elementos de interesse coligidos, que apontam a autoria, a materialidade e as circunstâncias da divulgação, de conteúdo de inquérito policial por funcionários públicos (presidente da República, ajudante de ordem e deputado federal), na live do dia 4 de agosto de 2021 e sua publicização por diversos meios, com o nítido desvio de finalidade e com o propósito de utilizá-lo como lastro para difusão de informações sabidamente falsas, com repercussões danosas para a administração pública, dá-se por encerrado o trabalho da Polícia Judiciária da União", disse a PF em manifestação ao STF.
Bolsonaro teria contato com a ajuda de Mauro Cid, que "também teve acesso à documentação em razão de seu cargo e disponibilizou o conteúdo da investigação, via conta pessoal do presidente da República (por determinação deste), com auxílio de seu irmão".
Cinco dias após a live, os ministros do TSE enviaram uma notícia-crime ao STF atribuindo a Bolsonaro o crime tipificado no artigo 153, parágrafo 1, do Código Penal, sobre "divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública".
O caso foi acolhido dentro do Inquérito das Fake News (4781) inicialmente, mas foi desmembrado e agora faz parte de um inquérito independente no Supremo (4878), ambos de relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Inquérito das fake news
Bolsonaro também é alvo dentro do Inquérito das Fake News no STF, que investiga a divulgação de informações falsas por parte de autoridades. O ex-presidente foi incluído no processo em agosto do ano passado pelo ministro Alexandre de Moraes. O inquérito foi aberto em março de 2019 por decisão do então presidente do STF, Dias Toffoli.
Moraes cita 11 crimes que podem ser atribuídos a Bolsonaro nos repetidos ataques ao Estado Democrático de Direito: calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime ou criminoso, associação criminosa, denunciação caluniosa, tentar mudar o Estado de Direito, fazer propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social, incitar à subversão da ordem política ou social e dar causa à instauração de investigação atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral.
"O objeto deste inquérito é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros, inclusive o vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, por parte daqueles que têm o dever legal de preservar o sigilo”, afirma o despacho de Moraes.
Além da "verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e o Estado de Direito".
Interferência na PF
A PF também apura se houve interferência de Bolsonaro em investigações ligadas a familiares e pessoas próximas ao ex-presidente. Durante o seu governo, houve diversas trocas de diretores-gerais na Polícia Federal, o que é considerado incomum. Os delegados Maurício Valeixo, Rolando de Souza, Paulo Maiurino e Márcio Nunes ocuparam o cargo em diferentes momentos.
O ministro Alexandre de Moraes chegou a impedir a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da PF, devido a suspeitas de que ele seria indicado para interferir em investigações.
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro deixou o cargo acusando Bolsonaro de tentar interferir politicamente no comando da instituição para ter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência. Segundo Moro, essa interferência poderia resultar em relações impróprias entre o diretor da PF e o presidente.
Fake news sobre vacina
Em outro relatório, a PF concluiu um inquérito que investiga Bolsonaro por propagar informações falsas relativas à pandemia de covid-19, apontando os crimes de provocar alarme, anunciando desastre ou perigo inexistente, e incitação ao crime. O documento foi encaminhado ao STF, onde está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
"Referido relatório concluiu, diante das provas coletas nos autos, haver o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, incidido, de forma livre e voluntária, no delito previsto no art. 41 da Lei de Contravenções Penais, pela ação 'provocar alarma a terceiros, anunciando perigo inexistente' por meio dos conteúdos propagados em sua 'live', realizada no dia 21 de outubro de 2021 ao disseminar a desinformação de que os 'totalmente vacinados contra a covid-19' estariam 'desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido que o previsto' e que essa informação teria sido extraída de 'relatórios do governo do Reino Unido'", destacou a PF.
"Outrossim, de forma direta, voluntária e consciente disseminou a desinformação de que as vítimas da gripe espanhola, na verdade teriam morrido em decorrência de pneumonia bacteriana, causada pelo uso de máscara, incutindo na mente dos espectadores um verdadeiro desestímulo ao seu uso no combate à covid-19, quando naquele momento, por determinação legal, seu uso era obrigatório pela população, o que resultaria no delito de incitação a crime, previsto no art. 286 do Código Penal", acrescentou.
O relatório da PF surgiu depois que Bolsonaro atribuiu a vacina contra a covid-19 à síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). O ex-presidente se baseou em um documento preparado por Mauro Cid que dizia que pessoas com a imunização completa contra o coronavírus são mais propensas a contraírem HIV.
Caso das joias sauditas
O ex-presidente é investigado no caso das joias da Arábia Saudita que foram trazidas ilegalmente ao Brasil e incorporadas ao seu acervo pessoal durante o seu mandato. Bolsonaro teria ordenado que fossem tomadas as medidas necessárias para retirar o conjunto de joias sauditas avaliadas em R$ 16,5 milhões que foram apreendidas pela fiscalização do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, em outubro de 2021. A apreensão ocorreu porque qualquer bem cujo valor seja superior a US$ 1 mil (cerca de R$ 5,6 mil) precisa ser declarado à Receita Federal, o que não ocorreu no caso das joias.
Diante da determinação de Bolsonaro, Mauro Cid ordenou que o então servidor da Ajudância de Ordens do Presidente da República Jairo Moreira da Silva fosse pessoalmente, no dia 29 de dezembro, ao aeroporto para "pegar alguns presentes que estavam retidos na alfândega", conforme relatou Jairo em depoimento colhido pela PF, em 31 de março, na condição de testemunha. A ordem foi dada por meio do tenente Cleiton Henrique Holszchuk, assessor de Mauro Cid.
Após determinar a retirada das joias, Mauro Cid se adiantou e solicitou o cadastro das joias como itens do acervo pessoal de Bolsonaro no sistema no Palácio do Planalto. O registro chegou a ser realizado como informou a servidora pública Priscila Esteves das Chagas, também em depoimento à Polícia Federal.
A tentativa de retirar as joias, no entanto, foi frustrada. O servidor da Receita Federal Marco Antônio Lopes Santanna, que recebeu Jairo na sede da Receita no aeroporto, negou a liberação das joias por falta de documentação.
Na ocasião, Julio Cesar Vieira Gomes, secretário que comandava a Receita Federal e era alinhado a Bolsonaro, chegou a pedir a Jairo para falar no telefone com Santanna que, entretanto, se recusou atendê-lo, já que as regras do trabalho proíbem esse tipo de comportamento. Sem sucesso na recuperação das joias, o registro dos itens no sistema do Palácio do Planalto foi, então, excluído.
Apesar de Jair Bolsonaro negar qualquer irregularidade, a Polícia Federal acredita que há "indícios concretos" de que o ex-presidente atuou diretamente na tentativa de recuperar as joias. Segundo apuração da Folha de S. Paulo, Bolsonaro e Julio Cesar Vieira Gomes conversaram por telefone em dezembro do ano passado sobre a liberação das joias. A informação contradiz o relato do ex-presidente, que dizia num primeiro momento desconhecer a existências dos objetos.
Além do conjunto de joias que foi apreendido, Bolsonaro incorporou outros dois kits ao seu acervo pessoal, que não foram interceptados pela Receita Federal. No total, um dos pacotes que ficou com Bolsonaro inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos em ouro branco e cravejados e diamantes.
O último conjunto possui um relógio da marca Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes, dentro de uma caixa de madeira que contém o símbolo verde do brasão de armas da Arábia Saudita. Também inclui uma caneta da marca Chopard, outro par de abotoaduras, anel e rosário, todos também em ouro branco e cravejados de diamantes. Esse conjunto de joias foi recebido em mãos pelo próprio ex-presidente, durante uma viagem oficial a Doha, no Catar, e Riad, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019.
Ao voltar ao Brasil com o terceiro conjunto de joias, Bolsonaro solicitou que os itens fossem levados ao seu acervo pessoal, em novembro de 2019, segundo o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência.
Após a repercussão do caso e a abertura do inquérito pela Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a Bolsonaro a devolução de todos os conjuntos de joias em sua posse.
Fonte: Brasil 247