Com início de julgamento no TSE,
esquerda aguarda resultado enquanto pensa próximos passos da luta
pró-democracia
Futuro político de Bolsonaro está nas mãos do TSE - Marcos Corrêa/Presidência da República
O início do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode
tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível ampliou as expectativas de lideranças do
campo da esquerda em torno da responsabilização do ex-presidente. Acusado de
cometer abuso de poder político por conta da reunião em que tentou
descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro diante de embaixadores em
julho do ano passado, com transmissão por canais oficiais, Bolsonaro
recebeu parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE) favorável à sua
inelegibilidade.
A sessão do TSE foi suspensa logo depois do posicionamento do
MPE para ser retomada na próxima (27), com a leitura do voto do relator do
caso na Corte, o ministro Benedito Gonçalves, mas a largada do julgamento foi
suficiente para atiçar as críticas por parte de parlamentares que cobram
penalidades para o ex-presidente. O pedido apresentado à Justiça Eleitoral partiu
do PDT, autor da ação que está em discussão na Corte. Em entrevista à GloboNews nesta quinta (22), o líder do partido na
Câmara dos Deputados, André Figueiredo (CE), disse esperar que o tribunal
"nos livre do risco à democracia que ele sempre representa".
"Cabe aos ministros do TSE trabalharem na perspectiva de que aquele
ato veio dentro de um contexto de ataque violento à democracia, inclusive com o
8 de janeiro, que, evidentemente, não vai ser analisado porque ele já não era
mais presidente da República. Mas todos esses atos foram uma sequência de ações
que infelizmente levaram o nosso Brasil a passar anos muito difíceis e com
grave risco à democracia", disse.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) se manifestou via Twitter. "Que
Bolsonaro seja condenado por seus crimes e tornado inelegível, virando essa
página triste de nossa história. Bolsonaro inelegível já", cobrou o
parlamentar, que também comentou as características do posicionamento do
relator. "O voto estritamente técnico do ministro Benedito Gonçalves
desmonta completamente qualquer argumento de Bolsonaro quanto à perseguição
judicial. Ele narra exaustivamente o passo a
passo da investigação e a plena lisura do processo. Não há
como se vitimizar."
A presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), também se pronunciou
pelo Twitter. "Não está fácil a vida do genocida depois do que a gente viu
no primeiro dia de julgamento no TSE. Sabendo disso, [a oposição] já começa a
narrativa de vitimização, falando em depressão de Bolsonaro. É isso que vão
fazer, colocar ele como coitado pra manipular o povo. Mas não vai colar. Todo
mundo sabe bem o mal que esse homem fez. [Em] depressão ficou o país na presidência
dele”, criticou.
O líder do PSOL na Câmara, Guilherme Boulos (SP), disse ao Brasil de Fato que vê o julgamento como o início
de um amplo processo de responsabilização para o ex-presidente. "Torná-lo
inelegível é apenas o começo de um grande acerto de contas que o país precisa
ter com sua história. Ele e seus cúmplices precisam ser responsabilizados por
todos os crimes que cometeram, como a tragédia deliberada do negacionismo
durante a pandemia e a tentativa de golpe do 8 de janeiro. Não se trata de
'revanchismo', pelo contrário: trata-se, isto sim, de justiça e direito à
memória. O Brasil precisa lidar com os erros do passado para que eles jamais
voltem a se repetir no futuro".
Na mesma sintonia, a psolista Fernanda Melchiona (RS) disse à reportagem
que espera justiça e rapidez no julgamento. "Foram públicos e notórios o
abuso de poder público e o uso de canais estatais durante aquela reunião
escandalosa que Bolsonaro fez com os embaixadores de julho de 2022. A
inelegibilidade de Bolsonaro é o mínimo. Que seja o passo inicial da luta por
responsabilização pelos crimes cometidos por ele."
A parlamentar cita diferentes condutas do ex-presidente que marcaram a
sua gestão à frente do Palácio do Planalto nos últimos quatro anos. "São
muitos processos criminais, como os crimes contra a humanidade no caso da
covid, no caso dos Yanomami, e depois, claro, toda essa narrativa golpista que
culminou no ato de 8 de janeiro e que, sem sombra de dúvida, tem a participação
dele como mentor no discurso e na própria narrativa", disse Melchiona.
Para Glauber Braga, a penalização do ex-capitão
pelo TSE seria um sinal importante para a preservação do
sistema democrático no país. "A perda dos direitos políticos é uma
resposta para demonstrar que Bolsonaro não tem a possibilidade de tocar um
fechamento de regime como ele esperava que fosse fazer", disse ao Brasil de Fato.
Caminhos
Para Braga, é preciso não só batalhar pela responsabilização judicial do
ex-presidente, mas também pensar os caminhos a serem seguidos para as forças
democráticas e progressistas no atual momento da história. Com o bolsonarismo
ainda vivo no meio social e presente nos diferentes setores da luta
institucional, especialmente no Congresso Nacional, o deputado vê a necessidade
de se travar o que chama de "luta direta com as estruturas que deram
sustentação ao governo Bolsonaro ou àquilo que se chama de bolsonarismo".
"Os fundamentalismos diversos é uma delas, a agenda de aplicação do
Estado penal e policial punitivo também, que tem uma relação direta com
milícias, os generais que compuseram o primeiro escalão do governo Bolsonaro, a
relação que [isso] teve em determinado momento com o lavajatismo e inclusive
com o objetivo de extrema direita. Ou seja, é continuar trabalhando com um
processo de responsabilização em relação a esses setores", explanou.
Para o deputado, a jornada deve incluir ainda o enfrentamento à agenda
de aplicação do ultraliberalismo no país, que viveu seu auge com os governos
Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2018-2022). "Existe uma enorme expectativa
em relação ao governo Lula para a superação do que foi a agenda de exclusão que
deixou mais de 100 milhões de pessoas passando por algum tipo de insegurança
alimentar no governo Bolsonaro. Então, para que a gente consiga superar essa
situação, tem que superar também a aplicação dessa agenda de natureza liberal
para [trocar] por uma agenda que seja de fato garantidora dos direitos da
maioria do povo."
Por fim, o parlamentar defende que o campo progressista enfrente o
legado do bolsonarismo com mobilização e organização popular para além dos
espaços institucionais. "Se acharmos que vamos conseguir derrotar essas
estruturas só dependendo da articulação com Lira e companhia, estamos fritos. A
gente só consegue avançar e derrotar de maneira definitiva essas forças com
muita mobilização e organização nas ruas, nos movimentos e comunidades para
além do espaço institucional parlamentar."
Edição: Thalita Pires
Fonte: Brasil de Fato