Autor de atentado em escola de Cambé (PR) usava a siege mask
Nesta segunda-feira (19), o Brasil foi abalado por mais um atentado em uma escola, desta vez no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé (PR). Um ex-aluno de 21 anos fez mais de dez disparos e causou a morte de dois adolescentes, uma de 17 anos e outro de 16. O autor do crime foi detido e levado para a delegacia de Londrina.
Em uma sequência de vídeos tenebrosos publicada momentos antes do ataque, o assassino premedita o crime perverso, diz que vai arrancar a cabeça da vítima e afirma: “Não é psicopatia, isso é prazer. Por que eu vou transar com uma mulher se eu posso estuprar ela?”. Em outra gravação, ele aparece vestindo a “siege mask” (“máscara do cerco”, em tradução livre), acessório que se popularizou entre grupos neonazistas e terroristas de extrema direita, principalmente por meio de fóruns de discussão na internet.
Considerada a “face do fascismo do século 21” pelos próprios radicais, a máscara de caveira foi utilizada em ao menos quatro massacres em escolas do Brasil nos últimos anos. Na chacina que deixou sete mortos em Suzano (SP), no ano de 2019, em um colégio de Aracruz (ES) onde morreram três, no fim do ano passado, e no bairro da Vila Sônia, em São Paulo, onde uma professora foi morta, a siege mask estampava os rostos dos terroristas.
O artefato assustador também cobriu a cara de criminosos na invasão ao Capitólio, em janeiro de 2021, nos EUA, e nos ataques golpistas ao Congresso brasileiro, dois anos depois. Bolsonaristas perigosos como a extremista Sara Winter e o grupo “300 do Brasil” costumavam usá-lo em protestos.
Sara Winter e terrorista em ato do 8 de janeiro usando a siege mask
A máscara vem de um personagem da franquia de jogos “Call Of Duty”, mas ganhou significado especial e se tornou um símbolo de identificação de simpatizantes neonazistas em todo o mundo graças ao grupo norte-americano Atomwaffen Division. Trata-se de uma organização terrorista nascida em 2013 dentro de um fórum chamado Iron March, que foi extinto em 2017 e está ligado a mais de 100 assassinatos.
A marca registrada da Atomwaffen (que significa “armas nucleares” em alemão) é a siege mask. O grupo defende uma “guerra racial” para derrubar o governo dos EUA, com uso de táticas de guerrilha, criando um estado neonazista na América do Norte, chamado pelos membros de “etnoestado branco”. A Atomwaffen recruta jovens, muitos deles usuários de games, por meio da rede social Discord ou da plataforma de jogos online Steam.
Como relatou o ex-extremista neonazista Christian Picciolini, em entrevista ao site de notícias norte-americano Daily Beast, muitos dos integrantes da quadrilha são gamers, o que facilita a atração pela máscara. De acordo com especialistas em extrema direita, o item possui uma semelhança estética com o Totenkopf, símbolo da Waffen-SS, uma das paramilícias que atuavam na Alemanha nazista.
Membros da Atomwaffen Division utilizando a siege mask, símbolo do grupo extremista. Ao centro, sem máscara, o idealizador do grupo, James Mason
Na sociologia, a “mentalidade siege” é um sentimento compartilhado de vitimização e a crença de estar sob ataque constante. O termo, derivado da experiência real de defesas militares quando o batalhão está cercado, se transformou em um estado de espírito coletivo em que um grupo de pessoas acredita ser oprimido ou isolado pelas más intenções do resto do mundo. A máscara representa uma disposição para se engajar em táticas extremas de defesa.
O caráter neonazista do conceito tem origem na publicação do livro “Siege”, do neonazista americano James Mason. Idealizador da Atomwaffen, ele é considerado o “padrinho do terrorismo fascista” e tinha uma ligação com o serial killer Charles Manson. Siege é uma antologia com ensaios que promovem a criação de células terroristas clandestinas e sem liderança. É o guia do terrorismo fascista e, desde 2015, vem sendo muito consumido por neonazistas jovens. A máscara de caveira ganhou o nome de “siege mask” graças à coletânea de Mason.
James Mason, um dos fundadores da Atomwaffen e idealizador da “mentalidade siege”
A Atomwaffen e muitos dos grupos que surgiram nas páginas do Iron March se alinham à teoria do “aceleracionismo”. Embora tenha suas raízes em correntes filosóficas, o conceito foi deturpado e ganhou popularidade entre os neonazistas, no sentido de impor maior “velocidade” ao processo de destruição das estruturas de poder existentes, abrindo caminho para a revolução e a implementação de seu próprio regime baseado na supremacia branca.
Publicado em 1978 pelo escritor supremacista William Luther Pierce, o romance “O Diário de Turner” é considerado a obra fundadora da visão extremista acerca do aceleracionismo. Sob o pseudônimo Andrew MacDonald, Pierce narra uma revolução violenta nos EUA, que causa a derrubada do governo através de uma “guerra racial”, levando ao extermínio sistemático de não brancos e judeus. Isso acontece depois que o Estado (chamado de “O Sistema” no livro) confisca todas as armas de fogo dos cidadãos e estabelece leis que “limitam a liberdade de expressão”.
Segundo o FBI, o livro é a “Bíblia da direita racista”. No entanto, as autoridades dos EUA nunca fecharam o cerco contra o autor, tampouco tentaram banir a publicação. Por mais de 30 anos, William Luther Pierce foi um dos indivíduos de maior destaque do movimento nacionalista branco. Em 1974, fundou a organização supremacista Aliança Nacional, que ele liderou até sua morte, em 2002.
Hoje, os princípios disseminados por esses autores, que manipularam ideias para se alinhar a suas próprias visões distorcidas e objetivos violentos, tomaram proporções absurdas e se tornaram a base do neonazismo e do terrorismo de extrema direita que motivam os ataques a escolas.
Como afirma o educador Daniel Cara, professor da USP, as ações governamentais “deveriam considerar os ataques às escolas casos de extremismo de direita — e não terrorismo”. Atualmente, na verdade, os dois parecem caminhar de mãos dadas.
Fonte: DCM