Surdos já podem acompanhar todas as sessões e eventos oficiais da Câmara Municipal, com a presença de intérprete, inclusive nas transmissões online
Captura de tela da primeira transmissão de sessão da Câmara com serviço de intérprete de Libras
As pessoas surdas de Apucarana estão comemorando um importante avanço em acessibilidade na cidade, para garantir o direito à cidadania. Agora elas podem acompanhar de perto todos os eventos oficiais da Câmara Municipal, inclusive as sessões ordinárias, que passam a contar com um intérprete de Libras, inclusive nas transmissões online. O serviço de Libras na Câmara estreou na sessão ordinária da última segunda-feira (15) e foi apontado como um marco histórico por representantes da comunidade surda - que estiveram na Câmara -, e profissionais que trabalham como intérpretes.
De acordo com levantamentos realizados informalmente pela própria comunidade, estima-se que Apucarana tenha aproximadamente 150 surdos profundos, como são chamadas as pessoas com surdez total. Os surdos que estiveram na Câmara nesta segunda-feira, para acompanhar pela primeira vez uma sessão com intérprete oficial da Casa, enaltecem o fato de o Legislativo ter adequado as rotinas para assegurar o direito da comunidade. No entanto, todos advertem que, embora fundamental e verdadeiro marco histórico da comunidade na luta para garantir cidadania plena, “é só uma primeira porta que começa a se abrir”, como afirma Giovana Oliveira de Lima, que conversou com a reportagem com o auxílio da professora Rute Rosseto, que é intérprete de Libras e milita pela causa atuando na Pastoral dos Surdos, da Diocese de Apucarana.
Giovana reitera que a vida dos surdos é muito complicada no dia a dia e destaca a importância da presença de intérpretes nos órgãos públicos, na área de saúde, bancos e mercados. “Sem intérpretes não há acessibilidade para nós. Precisamos disso para termos uma vida com autonomia”, afirma. Ela faz questão de frisar que, ao não oferecerem serviços de intérpretes, “nos tiram a cidadania. Nos excluem”.
Giovana destaca que os surdos precisam cuidar da saúde, precisam resolver as burocracias típicas da vida social. E lamenta que ainda haja tão poucos serviços de intérprete disponíveis nos órgãos públicos, na iniciativa privada e, pior, que ainda haja preconceitos e tabus. “No INSS, por exemplo, ainda temos casos em que proíbem o intérprete de acompanhar o surdo numa perícia”, cita, lembrando caso recente ocorrido em Apucarana.
“Aqui na Câmara está começando. As portas começam a se abrir para nós. Acontece um rompimento de barreira e começamos a ficar independentes. Chegamos aqui e podemos acompanhar a sessão. É um grande começo”, finaliza.
O presidente da Câmara, vereador Luciano Molina, avalia a iniciativa da Câmara como inovadora. Ele lembra que antes de propor o Projeto de Resolução que determinou a criação do serviço de intérprete de Libras nas sessões e eventos oficiais, fez questão de conversar com a comunidade de pessoas surdas. E conseguiu fazer reuniões com um grande grupo de surdos, mobilizados pela professora Rute Rosseto, da Pastoral dos Surdos da Diocese. “Esse é um momento, de fato, importante”, disse, sobre o início dos trabalhos de intérprete, na sessão ordinária desta semana. “Estamos promovendo, de fato, acessibilidade, para as pessoas surdas. Estou feliz pela ideia e muito feliz pelo fato de os vereadores terem encampado esse projeto e aprovado, por unanimidade, a criação desse serviço. Nossa gestão é voltada para a acessibilidade e seguiremos nesse caminho. Temos que assegurar o direito de toda nossa gente, promovendo a inclusão de todos. É nosso dever e esperamos, com isso, também estar pautando mudanças em outros órgãos públicos e em nossa iniciativa privada”. O serviço de Intérprete de Libras na Câmara está determinado pela Resolução 01, de 2023.
Presidente Molina conversou com a comunidade de pessoas surdas antes de propor o Projeto de Resolução que criou o serviço nas sessões e nos eventos da Câmara
A intérprete Rute Rosseto, por sua vez, comemora duplamente o que ela chama de “marco histórico”, referindo-se ao início do trabalho de Libras pela Câmara. “Fico muito honrada por estar começando aqui, na Câmara, que entendeu a necessidade e investiu em acessibilidade para os surdos. Agora eles têm como vir, participar, entender o que está acontecendo e exercer cidadania. Eles podem entender tudo o que acontece numa sessão”.
Outro aspecto destacado por Rute Rosseto é a valorização dos profissionais que atuam como intérprete e tradutores de Libras. “Isso significa também um avanço para os intérpretes. Mostra a importância desse trabalho, valoriza os profissionais, ao se abrir novos campos de atuação, novas frentes de trabalho pela inclusão das pessoas surdas”, diz.
Mário Sicone é outro surdo que esteve na Câmara para acompanhar de perto o início dos trabalhos de intérprete de Libras nos eventos da Casa. Também com o apoio de Rute, ele falou com uma equipe de televisão, que fez uma reportagem na Câmara sobre o assunto. Sicone explica que “agora sim”, pode entender exatamente o que estava acontecendo na sessão. Antes, e muitas vezes, segundo ele, as informações não chegavam corretamente. “A gente não entendia nada. Agora é diferente. É o correto, o ideal”, afirmou.
Sicone também falou das dificuldades diárias enfrentadas pelos surdos, quando precisam ir ao médico, às lojas, ao supermercado. “É sempre muito difícil. Precisamos mobilizar a família, amigos. Tudo porque não tem intérpretes nesses locais. Aí tudo fica travado. Aí eu já fico nervoso, vivo irritado. Então, acabo deixando tudo de lado”, relata, revelando as angústias diárias de quem enfrenta a luta pela acessibilidade aos direitos.
Maria da Graça Correia, também surda, participou da sessão e também deu seu recado à sociedade, através da imprensa. “Muito bom podermos vir aqui na Câmara, participar e entender o que acontece. Conhecer e saber como são realizadas as políticas públicas, como são criadas as leis, como são as sessões. Antes a gente nem sabia o que se discutia aqui e o quanto isso afetava nossas vidas”, afirmou.
Exatamente como os demais colegas que estiveram na Câmara, Maria da Graça ressalta que esta iniciativa, oferecer Libras, “faz falta nos demais órgãos públicos, como o INSS, e também nos bancos e lojas”. Ela também faz questão de afirmar que a vida dos surdos não é fácil. “Se quisermos algo, nós é que sempre temos que arrumar alguém que possa estar mediando nossas relações, alguém que possa nos assessorar. O serviço de intérprete é um direito nosso, é um direito das pessoas surdas”, reitera.
Confira, abaixo, algumas fotos ao final da sessão, quando a imprensa foi entrevistar representantes da comunidade surda de Apucarana. Na primeira foto, a professor Rute (de blusa vermelha) e Giovana; na segunda, Rute e Maria da Graça, na terceira, Rute e Mário e, na última, o presidente Molina ao falar com a imprensa sobre o tema.