Lula construiu a frente ampla que a chamada terceira via pretendia formar. Reuniu 10 partidos, com um ex-tucano como vice, Geraldo Alckmin
Lula e Alckmin em Itaquera (Foto: Ricardo Stuckert)
SÃO PAULO (Reuters) - Na última terça-feira, quando se reuniu para jantar com mais de uma centena de empresários em São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou um recado final: "O Lulinha Paz e Amor, e o Geraldo, estão de volta."
Foi aplaudido por nomes como Rubens Ometto (Cosan), Abilio Diniz, um dos principais sócios do grupo Carrefour no Brasil, e André Esteves (BTG) pelo que significa a evocação do personagem que ocupou a campanha de 2002 quando, pela primeira vez, Lula foi eleito presidente: o conciliador, o negociador e, na economia, o responsável, que não pretende propor loucuras.
A reunião com o PIB foi a chancela final de que Lula, que em 20 anos foi do céu ao inferno, havia voltado, com toda força. Se deixou a Presidência com 87% de aprovação, foi condenado por corrupção, passou 580 dias preso e teve processos anulados, o petista está, agora, próximo de retornar ao Planalto.
Líder nas principais pesquisas de opinião, é possível que o petista garanta sua volta por cima digna de telenovela já neste domingo, se conseguir liquidar a disputa presidencial no primeiro turno.
O uso do "Lulinha paz e amor" na conversa com os megaempresários não é por acaso. Não foram poucas as vezes que o mercado e outros setores de peso economia se perguntaram se esse Lula atual é o que assinou a Carta aos Brasileiros de 2002, comprometendo-se a manter os fundamentos da economia, ou um Lula magoado e mais radical pelos infortúnios dos últimos anos?
Desde o 2021, quando decidiu ser novamente candidato, o petista tem tentando demonstrar que não, não tem mágoa ou desejo de vingança. "Tenho 76 anos de idade, já vivi tudo que um homem poderia ter vivido na vida. Eu não tenho espaço para ódio, não tenho espaço para vingança, não tenho espaço para não acreditar que o amanhã vai ser melhor", disse, em uma das suas propagandas de campanha.
Formado como liderança no sindicato de metalúrgicos do ABC Paulista, o ex-presidente fez sua primeira campanha presidencial em 1989 ainda com o perfil de líder sindical, mas conseguiu agregar a seu lado a social-democracia do então tucano Mario Covas e o PDT de Leonel Brizola em um segundo turno contra Fernando Collor de Mello.
Nas duas eleições seguintes, perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na esteira do Plano Real, que resolveu décadas de inflação descontrolada no país.
Ao ser eleito em 2002, Lula se beneficiou do desgaste de oito anos de governo tucano e diversas crises econômicas internacionais, mas também de um novo figurino, conciliador, e onde deixou de lado os pensamentos econômicos de esquerda mais radicais e se moveu para o centro.
No governo, manteve a base econômica da administração anterior, com as metas de inflação e superávit primário da política econômica mais ortodoxa, mas com uma preocupação em erradicar a fome, criar empregos e fazer o país crescer --beneficiado pelo boom das commodities, em 2010, seu último ano de governo, o país cresceu 7,5%, maior alta em 24 anos.
Foi depois de deixar a Presidência que Lula perdeu seu espaço político. A crise econômica internacional enfrentada por sua sucessora Dilma Rousseff, aliada a políticas equivocadas, balançaram a credibilidade do partido, que deixaria o poder num impeachment. Somada à operação Lava Jato, que revelou o esquema de corrupção na Petrobras --e no qual o ex-presidente foi acusado e condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro-- sua biografia parecia enterrada para sempre.
Preso no dia 7 de abril de 2018, impedido de concorrer à Presidência em 2018, Lula foi solto em 8 de novembro de 2018, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) rever uma decisão prévia, de 2016, e derrubar a autorização de prisão de condenados em segunda instância.
Hoje, o petista não deve nada à Justiça. Duas outras decisões do STF, uma que concluiu que os julgamentos não deviam ter ocorrido em Curitiba, e outra que considerou o então juiz Sergio Moro parcial, anularam os processos.
Ao ser libertado, Lula começou a reconstruir seu espaço e, nessa eleição, líder nas pesquisas desde que apareceu como candidato novamente, despontou como único nome capaz de bater Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição.
Nos últimos meses, construiu a frente ampla que a chamada terceira via pretendia formar. Reuniu 10 partidos, principalmente de esquerda, mas agregou uma mudança histórica: um ex-tucano como vice, Geraldo Alckmin. O ex-governador de São Paulo, que foi seu rival na disputa pela Presidência em 2006, agora no PSB era "O Geraldo" que ele citou aos empresários como sinal de moderação ao lado de sua alcunha "paz e amor".
Além disso, foi angariando apoio de nomes como os ex-ministros Marina Silva e Henrique Meirelles, manifestos de intelectuais, economistas e artistas em defesa de um voto menos para eleger Lula e mais para tirar Bolsonaro.
FALAR COM TODOS
Em suas conversas, Lula deixa claro que sabe que, se for eleito, o será para tentar curar um Brasil dividido, onde a fome e a miséria cresceram no pós-pandemia e a violência política tomou as ruas como poucas vezes no passado recente. A seu favor pesa a capacidade de falar com todos os lados.
Hoje um dos seus mais ferrenhos defensores, o deputado federal André Janones (Avante-MG) conta que, pré-candidato à Presidência, foi convidado a conversar com Lula --por quem acabou desistindo da candidatura-- e foi avisado pelo presidente do seu partido: "Não encontra com ele, se você encontra já era. O cara seduz todo mundo que conversa com ele, estou avisando", contou Janones em suas redes sociais.
Em 2016, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, um então senador com trânsito político em Brasília explicou a diferença entre Lula e sua sucessora, e o que tinha levado à queda de Dilma: "Lula podia até não gostar de você, mas você sai de uma reunião com a certeza que ele era teu melhor amigo. Dilma pode até gostar de você, mas você sai de lá com a certeza que ela te odeia."
E foi esse charme que Lula acionou ao conversar com os empresários na noite de terça-feira. No encontro estavam nomes tradicionalmente ligados ao bolsonarismo, como Flávio Rocha, das lojas Riachuelo, e líderes que, mesmo tendo amizade com Lula, como Abilio Diniz, haviam se inclinado em simpatia menos por Bolsonaro e mais por seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ainda assim, Lula foi aplaudido diversas vezes. Mais do que falar, pediu aos empresários que dissessem o que precisavam e o que queriam. Ouviu que é preciso paz para tocar os negócios, mas também uma reforma tributária para facilitar a vida dos que pagam impostos, e previsibilidade.
Não prometeu manter o teto de gastos, o que ninguém esperava, já que o mecanismo foi driblado várias vezes no atual governo, mas um teto de responsabilidade fiscal, onde não se gaste mais do que se arrecade, em que não se venda ativos ou faça dívidas para pagar custeio. Prometeu ainda que vai recuperar o prestígio internacional do Brasil para que o país volte a fazer negócios e atrair investimentos.
Nada diferente do que tem dito em dezenas de discursos e entrevistas mas que, dito diretamente ao grupo de 137 empresários, abriu pontes que o PT ainda buscava nessa corrida eleitoral.
Aos 76 anos --a menos de um mês de completar 77-- Lula diz estar na sua última campanha. Tem repetido que se for eleito, aos 81 anos não será candidato a uma reeleição. Apesar das caminhadas de seis quilômetros e a musculação diárias e o novo casamento com a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, Lula admite que a idade "cobra seu preço".
Acusado por vezes de ser centralizador, tenta criar dentro do PT novas lideranças, como o ex-prefeito de São Paulo e candidato ao governo paulista, Fernando Haddad, um de seus braços-direitos. Se o fomento vai dar certo, ainda está por ver-se. Hoje, ainda, o PT e toda a centro-esquerda vivem à sombra do nordestino de Garanhuns, criado em São Paulo e, como sempre destaca, o único operário a jamais chegar à Presidência da República.