Em baixa nas pesquisas, ex-juiz parcial pode trocar candidatura presidencial pelo Senado. PT promete investigá-lo ainda assim
Sérgio Moro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Por Vasconcelo Quadros, Agência Pública - “Nós vamos montar um PowerPoint do Moro”, disse à Agência Pública o líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (MG), confirmando que o partido escalou um grupo de parlamentares para tirar do armário prováveis esqueletos que o ex-magistrado teria deixado. O levantamento em curso não tem relação com os famigerados dossiês e nem com o bombardeio que Moro sofre da direita que ele disputa com Bolsonaro, cujos seguidores o acusam de vaidoso e traidor. O PT quer fazer um levantamento sobre a vida de Moro e, para isso, vai recorrer inclusive a órgãos públicos para reforçar ou afastar suspeitas.
O inferno de Moro tem ainda um pedido de bloqueio de seus bens, feito pelo procurador Lucas Furtado, que atua no Tribunal de Contas da União (TCU) e dificuldades para consolidar sua candidatura depois que o Podemos passou a considerar a possibilidade de juntar-se com o União Brasil (partido formado pela fusão de DEM e PSL) para formar uma coligação e não mais uma federação, já que o Cidadania, do ex-deputado Roberto Freire, está se aliando ao PSDB e a possibilidade de atrair o Solidariedade, segundo fontes do partido, esfriou.
Uma ducha de água fria no Podemos, a pesquisa CNT/MDA, divulgada nesta segunda-feira (21), aponta uma queda de 2,5% de Moro na preferência do eleitorado. Ele está em quarto lugar (6,4%), atrás de Ciro (6,7%), que subiu 1,8% em relação à pesquisa anterior, divulgada em dezembro. Lula continua liderando com 42,2%, com queda de 0,6%, enquanto Bolsonaro está em segundo, com 28%, 2,4% a mais que na pesquisa anterior. A assessoria do Podemos informou que o partido decidiu levar em conta apenas a pesquisa do Ipespe, de sexta-feira (18), onde o ex-juiz aparece no último levantamento em terceiro lugar com 11%, 4% acima de Ciro.
O impasse na definição dos partidos que estarão com o Podemos interrompeu a filiação de generais da reserva ao partido do ex-juiz. De um grupo de cerca de dez oficiais da reserva que participaram de cargos no governo na última década, apenas o general Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência de Bolsonaro, se filiou ao partido até agora.
Partido de centro direita, dominado pelo clã Abreu (primeiro Dorival Abreu, depois seu irmão José Masci Abreu e, atualmente, a deputada Renata Abreu), o Podemos é o PTN repaginado. Atualmente com nove senadores e 11 deputados federais, o partido já abrigou personagens como o ex-presidente Jânio Quadros e o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, mas dificilmente terá força para impor Moro como cabeça numa fusão com siglas maiores, como MDB, DEM e PSDB. Como ainda patina nas pesquisas e terá de enfrentar Ciro Gomes (PDT) no grupo da terceira via, rumores no próprio partido apontam que o ex-juiz pode acabar optando por disputar uma vaga ao Senado.
Qualquer que seja seu destino, no entanto, o PT quer forçá-lo a prestar contas. O juiz que abalou a República como xerife da Lava Jato é agora um frágil sujeito às intempéries da política.
O trecho mais atual de seu perfil tratará da controvertida relação com a Alvarez & Marsal., atualmente sob investigação do TCU. “Nós não temos dúvidas que Moro tornou-se sócio dessa empresa para receber a recompensa por ter ajudado a quebrar as empresas brasileiras alvos dos órgãos de inteligência dos Estados Unidos”, afirmou à Pública o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Em 11 meses Moro recebeu cerca de R$ 3,7 milhões, algo em torno de R$ 336 mil por mês, uma das mais bem pagas consultorias do mundo. Sua entrada como sócio diretor da empresa foi anunciada no final de 2020; questionada pela Justiça, em abril de 2021, a Alvarez & Marsal disse que ele era “consultor.”
O deputado diz que há uma relação direta entre Moro, a inteligência americana e a Alvarez & Marsal, que tem parte de seus sócios ex-investigadores de órgãos do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), entre eles o Federal Bureau of Investigation (FBI). Reportagem da jornalista Natalia Viana, diretora da Agência Pública, de maio de 2020, mostra que nos 16 meses em que comandou o Ministério da Justiça, Moro facilitou a atuação do FBI no Brasil, abrindo a agenda para reuniões, ampliando o compartilhamento de dados biométricos e apoiando uma unidade de vigilância na Tríplice Fronteira.
Em novembro de 2020, com a chegada de Moro como sócio-diretor, a própria Alvarez & Marsal informou, em nota, que ele se juntaria a um time formado por ex-funcionários de órgãos de inteligência e segurança dos Estados Unidos, entre os quais Steve Spiegelhalter, ex-promotor do DOJ, Bill Waldie, agente aposentado do FBI, e Roberto De Cicco, que havia trabalhado na Agência de Segurança Nacional (ASN). O PT suspeita que os novos sócios dessa empresa atuem em colaboração com a Central de Inteligência Americana (CIA).
Os deputados do PT querem esmiuçar as relações de Moro com esses órgãos para esclarecer suspeitas segundo as quais a própria Lava Jato teria sido organizada com participação de agentes americanos tanto na formulação da operação quanto em investigações informais em território brasileiro. Uma legislação de extraterritorialidade, a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), permitiu ao FBI destacar agentes para coletar e trocar informações com investigadores brasileiros e, mais tarde, processar nos Estados Unidos a Petrobras e empreiteiras como a Odebrecht.
Parte desses contatos teria sido informal, portanto, ilegal por supostamente ultrapassar os limites dos tratados de cooperação internacional. Segundo o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que diz investigar há anos a relação de Moro com os americanos, agentes americanos entraram e saíram do país no auge da Lava Jato sem o conhecimento da autoridade central responsável pela cooperação, que é o Ministério da Justiça.
Pimenta afirmou à Pública que a fragilidade das explicações de Moro sobre o que fazia na Alvarez & Marsal vai na direção de suas suspeitas: os lavajatistas teriam se aproveitado da estrondosa repercussão da operação para investir num novo nicho de mercado – recuperação judicial e compliance – que se abriria quando as empresas enredadas pela Lava Jato passassem a enfrentar problemas com o judiciário.
“O Moro não tem expertise, não tem currículo e nem histórico de atuação no ramo da Alvarez & Marsal, que tem 77% de suas receitas originárias das empresas que a Lava Jato quebrou. Por que, então, seria contratado? É algo estranho as empresas quebradas terem procurado, uma a uma, os serviços da Alvarez & Marsal, como se ela fosse a única especializada em recuperação judicial. Os lavajatistas montaram um balcão”, afirma Pimenta. “Os procuradores de Curitiba atuaram como testemunhas de acusação contra a Petrobras e demais empresas processadas nos Estados Unidos. Como o MP de lá tem historicamente uma atuação mais privada do que pública, trouxeram a experiência para organizar aqui um grande nicho de negócios”, afirma o deputado do PT.
Na mira do partido estão também outros personagens que estiveram na linha de frente da Lava Jato e, aposentados, migraram para a iniciativa privada para atuar na defesa de empresas que entraram em dificuldade depois da operação. Na lista estão o ex-Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, que abriu um escritório especializado em compliance em 2019, os procuradores Marcelo Miller, Eduardo Pelella, que atuavam em Brasília, e o grupo do MPF que atuou em Curitiba, entre os quais, Carlos Fernando e Januário Paludo, que chegou a ser acusado pelo doleiro Dario Messer de receber propina de um grupo de doleiros. A investigação foi arquivada por falta de provas. Todos devem ilustrar o PowerPoint de Moro.
“Existem muitos fios desencapados”, diz o deputado Pimenta. Um deles é a denúncia do ex-advogado da Construtora Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran, que afirmou ter pago U$ 612 mil, de um montante de U$ 5 milhões, ao advogado Marlus Arns, ex-sócio da mulher de Moro, Rosângela Wolff Moro, como parte de um acordo de suborno para não ser preso na Lava Jato. Com mandado de prisão expedido por Moro, investigado pela lavagem de R$ 60 milhões, vivendo como foragido da justiça brasileira em Granada, onde é protegido pela cidadania espanhola, Duran encontrou-se há menos de um mês com o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, prometendo novas revelações sobre o juiz que decretou sua prisão.
Num grupo de WhatsApp, Kakay, que integra o grupo de juristas Prerrogativas, crítico ao lavajatismo, tratou o encontro na Espanha com fina ironia: disse que como os dois gostam de história, conversaram sobre a “a derrota dos mouros” num jantar em que o prato principal foi “marreco regado com um belo vinho tinto”.
Youssef, a sombra
O ex-juiz deve ser questionado também sobre as decisões que tomou no passado sobre o doleiro Alberto Youssef, o homem-bomba cuja delação daria início à Lava Jato. Em sua autobiografia, “Moro Contra o Sistema da Corrupção”, lançado no final do ano passado, há lacunas nos relatos sobre fatos que jamais poderiam ser omitidos. Apuração da Pública mostra que nos longos anos anteriores à Lava Jato, quando Youssef era doleiro do ex-deputado José Janene (PP-PR), o político que controlava os desvios na Petrobras bem antes dos governos do PT, ele atuou intensamente intermediando a distribuição do suborno entre empreiteiras e políticos sem ser incomodado.
Ao falar da prisão de Youssef, em março de 2014, o relato de Moro é um primor de memória seletiva: “Não foi exatamente uma surpresa para mim. Já tinha ouvido rumores de que o antigo doleiro, apesar do acordo de colaboração na Operação Farol da Colina (caso Banestado), assinado por ele dez anos antes, teria voltado ao mundo do crime. Mas rumores, sem provas, não servem para nada”, escreveu Moro. Em 2003, como juiz responsável pelos processos sobre o escândalo do Banestado, foi Moro quem homologou o primeiro acordo de delação de Youssef, considerado por ele mesmo como o doleiro dos doleiros à época. Youssef deixou a prisão em 2004 jurando que não voltaria ao crime, mas não cumpriu.
Procurado pela Agência Pública, o delegado federal aposentado Gerson Machado, que investigou o doleiro à época, sustenta que não se tratava de rumores: na delação a Moro, Youssef omitiu uma fortuna de R$ 25 milhões originária do crime e voltou a operar ao lado de Janene já em 2006. O delegado detalhou em relatório entregue à Moro sobre a atuação de Youssef, apontando que o doleiro quebrou o acordo de delação e, portanto, deveria voltar à cadeia. Pessoalmente e através do relatório, contou também ao procurador Deltan Dallagnol.
Para o delegado Gerson Machado, não há explicações para o ex-juiz ter omitido no livro que Youssef, apresentado como uma descoberta da Lava Jato em 2014, já atuava entre 2006 a 2009. “Acho que ele está contando só o que lhe interessa. Minha leitura é que esse tema incomoda Moro. Deve se arrepender de não ter dado bola ao relatório que [eu] produzi à época”, afirma o policial. A denúncia contra Youssef tinha tanto fundamento que Moro, por ter homologado a delação, se deu por impedido e passou o caso para outro juiz. O problema é que em setembro de 2014, como se nada tivesse acontecido, Moro se “desimpediu” e anulou a delação.
O delegado Gerson Machado diz que é incomum no mundo das investigações a atuação de Youssef não ter sido notada pela vigilância de policiais e procuradores. Também não vê explicações para Moro, alertado enfaticamente por ele, não ter anulado ou suspendido de imediato a delação que homologara. Outro detalhe que chama a atenção é a omissão dos investigadores em relação ao papel de Janene, que controlava a propina na Diretoria de Abastecimento da Petrobras desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em 2004, o então deputado foi o padrinho político de Paulo Roberto Costa quando este assumiu o comando da mesma diretoria até se aposentar, em 2012. Costa atuava com Youssef e delatou empreiteiros e políticos. O curioso é que Moro, em sua autobiografia, cita a parceria Janene/Youssef em 2003, quando o doleiro foi preso ao visitar o túmulo da mãe: “A prisão no cemitério não era algo muito desejável, mas foi a única forma de surpreender o doleiro dos doleiros e prendê-lo. Ao ser detido naquele Dia de Finados, Youssef estava com um cheque de 150 mil reais emitido por um terceiro em favor de José Janene, deputado federal pelo Paraná. Uma longa história começava ali”, relata o ex-juiz, depois de se queixar que não havia sido fácil prender Youssef.
Moro conta que suspeitava que o doleiro tivesse informantes na delegacia da PF de Londrina e, para prendê-lo, chamou um delegado de Curitiba, Luiz Pontel, que mais tarde foi seu secretário executivo no Ministério da Justiça. Não há no relato de Moro referência à atuação de Janene na Lava Jato, apesar de todas as evidências apontando que o ex-deputado, até sua morte, em 2010, era o grande operador da corrupção na Petrobras.
O último capítulo dessa história que o PT investiga envolve o defensor de Youssef, o advogado Antônio Figueiredo Basto, o rei das delações que deram fama a Moro, acusado por um grupo de doleiros de ter intermediado a arrecadação de um mensalinho destinado a subornar investigadores. Bastos negou, mas o MPF descobriu que ele tinha uma conta na Suíça, não declarada no Brasil, com cerca de U$ 3,5 milhões em nome da offshore Big Pluto cujas remessas e valores coincidiam com os relatos dos doleiros. O advogado acabou confessando os crimes fiscais e está sendo processado por lavagem e sonegação. “Não seguiram o caminho do dinheiro movimentado pela Big Pluto. Isso mostraria se houve suborno e quem se beneficiou. O caso precisa ser investigado”, sugere o delegado Gerson Machado.
Se os indícios de que Youssef voltara ao crime em 2006 tivessem sido levados a sério, o esquema de corrupção na Petrobras teria sido interrompido e seus autores presos bem antes de 2014, evitando a politização de uma operação policial que deu no governo Bolsonaro. No final, o juiz-símbolo do combate a corrupção, que se vendeu como herói, foi considerado parcial por decisão do Supremo Tribunal Federal e suas sentenças estão sendo anuladas, uma atrás da outra – um claro sinal de que Moro pode ter cometido um grave erro ao trocar a magistratura pela política, onde, como se vê, não terá vida fácil.