Entorno do petista apoia a ampliação de programas de distribuição de renda e de infraestrutura e a defesa da agenda ambiental como tema prioritário
Lula (Foto: Ricardo Stuckert)
Por Bernardo Caram e Marcela Ayres (Reuters) - Economistas ligados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendem que o país tenha uma virada de política econômica a partir de 2023, com flexibilização explícita de regras fiscais para que o gasto público volte a ser colocado como motor do crescimento do país, estabelecendo como contrapartida compromissos de médio e longo prazos para a estabilização da dívida pública.
A Reuters entrevistou seis economistas, entre ex-ocupantes do alto escalão de governos petistas, integrantes da Fundação Perseu Abramo e conselheiros de Lula, que articula sua provável candidatura à Presidência e aparece na liderança das pesquisas de intenção de voto.
Entre os diagnósticos convergentes, estão o apoio à ampliação de programas de distribuição de renda e de infraestrutura e a defesa da agenda ambiental como tema prioritário em eventual programa de governo. Os economistas ainda se alinham na busca por uma reforma tributária que amplie cobranças sobre os mais ricos e nas críticas ao atual modelo de privatizações.
O petista vem argumentando que ainda não está em campanha e, por isso, não definiu um porta-voz na economia, mas tem ouvido especialistas.
O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que comandou a pasta de 2006 a 2014, diz que a fórmula para o governo que vier a ocupar o Palácio do Planalto em 2023 precisa incluir a previsão de gastos emergenciais, mesmo que isso acarrete aumento momentâneo da dívida pública.
"Em momentos de crise, você tem que poder aumentar um pouco a dívida no curto prazo, no curtíssimo prazo, para depois a economia retomar o crescimento”, diz, enfatizando que apoia alteração no arcabouço fiscal para incluir dispositivo que permita mais gastos quando a economia não estiver indo bem.
Mantega diz que sempre será um assessor e conselheiro de Lula, mas que não pretende assumir um ministério em eventual governo do PT.
O ex-ministro afirma que a regra do teto de gastos coloca uma camisa de força no Estado e que ainda não há definição no partido sobre se a norma deve ser alterada ou revogada. Ele defende que, caso mantida, a legislação deveria permitir, por exemplo, gastos de até 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em investimentos fora do teto.
A visão sobre a necessidade de flexibilização fiscal é compartilhada por Nelson Barbosa, ministro da Fazenda e do Planejamento (2015 a 2016) no governo Dilma Rousseff. Para ele, a política expansionista de curto prazo deve ter foco em investimentos e combate à pobreza, ressaltando que é preciso haver um compromisso fiscal no horizonte.
"Para que a flexibilização fiscal de curto prazo funcione, é preciso vir junto com o cenário fiscal de longo prazo, tem que haver um compromisso de trajetória decrescente de dívida”, afirma.
Essa sinalização, segundo Barbosa, viria não com regras fiscais restritivas, mas a partir de medidas com impacto positivo sobre as contas, como uma reforma tributária que seja mais progressiva. Além disso, ele avalia que o crescimento econômico gerado pelo gasto público fará com que parte dessa despesa retorne aos cofres do governo pelo aumento de arrecadação.
Em contraposição à cartilha ortodoxa e à visão da atual equipe econômica, comandada por Paulo Guedes, os economistas ligados ao PT afirmam que não haverá pressão inflacionária se o governo ampliar gastos públicos. Esther Dweck, que foi chefe da assessoria econômica e secretária de Orçamento do Ministério do Planejamento (2011 a 2016), argumenta que atualmente o país está com capacidade ociosa elevada e não há pressão relevante de demanda sobre os preços.
Para ela, as regras fiscais precisam ser revistas com o objetivo de colocar a demanda social como puxadora do desenvolvimento.
“Deveríamos juntar todas as regras fiscais, fazer um novo pacote que tenha como prioridade a capacidade de atuação do Estado”, afirma. “Precisamos, principalmente, que a regra fiscal não seja criminalizada, que seja como uma meta de inflação, se não cumpriu, você pode explicar o motivo”.
Luiz Gonzaga Belluzzo, doutor em Economia pela Unicamp e conselheiro de Lula há décadas, avalia que a discussão do atual governo sobre encolher o Estado vai na contramão do observado no resto do mundo. Ele também coloca a área social como prioritária para atuação do governo.
“Tem que ter programa imediato de atendimento aos mais pobres, ficam discutindo teto de gastos, sendo que já está sendo rompido por baixo do pano. Não tem como respeitar [o teto], é uma concepção completamente absurda”, afirma.
O economista Pedro Rossi, membro do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, afirma que investimentos do Estado nas áreas sociais e também em mobilidade urbana e habitação geram crescimento e emprego, fomentam o consumo e ampliam o mercado interno, o que impulsiona os investimentos privados.
Ele ressalta que o país deveria primeiro elencar as prioridades sociais e depois definir regras simples e flexíveis para estabilização da dívida.
Para o economista Eduardo Moreira, ex-sócio do banco Pactual e conselheiro de Lula, a situação do país exige que sejam elaborados programas sociais “muito mais agressivos”, com maior distribuição de renda e maior base de beneficiários.
“No curto prazo, a economia também será sustentada por programas de transferência de renda que abranjam a população vivendo em situação emergencial de pobreza. Dinheiro que cai nessas camadas volta via consumo para a economia”, disse.
Reforma tributária
Nas discussões sobre o sistema tributário brasileiro, os economistas ligados ao PT querem mudanças na legislação e defendem que os mais ricos paguem mais. No entanto, há diferentes opiniões sobre a forma de atingir esse objetivo, com alguns, como Mantega e Rossi, defendendo a taxação de grandes fortunas e outros, como Dweck, a tributação de heranças.
Eventual governo petista poderá aproveitar propostas sobre tributação indireta que já estão com tramitação adiantada no Congresso, diz Barbosa. Seriam aproveitados os textos negociados no atual governo para reformar o PIS/Cofins e para criar um imposto único sobre consumo --a análise das propostas agora está travada no Legislativo.
Segundo ele, seria necessário, no entanto, começar do zero a reforma de tributação direta, incluindo a revisão do Imposto de Renda. "As mudanças provavelmente serão graduais, discutidas e aprovadas em 2023, para entrar em vigor a partir de 2024", afirma.
Privatizações
Em relação à venda de ativos do governo, os economistas defendem a interrupção do plano de privatizações defendido pela atual gestão, que tem avançado a passos lentos. A avaliação é que empresas consideradas estratégicas não deveriam ser repassadas à iniciativa privada.
“Ter prejuízo não é motivo para privatizar, é sinalização de que aquela é uma atividade subsidiada pela sociedade”, diz Moreira.
Mantega afirma que o partido não é contra o setor privado assumir determinadas atividades, mas diz acreditar que “tudo que era possível, já foi privatizado”.
“Privatização tem que ser decidida caso a caso e com foco no que melhora para o consumidor, não só para o acionista. Tem um consenso [no partido] de que não se deve privatizar Caixa, Banco do Brasil, Correios, Petrobras e Eletrobras”, afirma Barbosa.
Belluzzo enfatiza que muitas vezes o setor privado não está disposto a fazer certos investimentos. “Uma empresa privada não gastaria o que a Petrobras gastou para fazer pesquisa em águas profundas”, diz.
Abertura comercial
O tema da abertura comercial é tratado com cautela pelos economistas ligados a Lula. A avaliação é que há risco para a atividade nacional caso a abertura do país ao comércio exterior seja feita de maneira desordenada.
Para Mantega, a indústria brasileira se enfraqueceu e perdeu terreno, o que deixa o setor vulnerável. Uma abertura muito ampla, segundo ele, tornaria a indústria brasileira uma mera importadora de peças e equipamentos.
Na opinião de Rossi, o Brasil não deveria caminhar para uma ampliação de abertura comercial de forma unilateral enquanto economias avançadas estão se protegendo, fazendo política industrial e subsidiando setores.
Belluzzo, por sua vez, afirma que a ideia de abertura comercial ampla está ancorada em uma visão de que o mercado é perfeito, o que não ocorre. Para ele, o Brasil precisa de uma política comercial sofisticada e diversificada, com busca de parceiros prioritários e preocupação com a questão ambiental.
Crescimento verde
Na avaliação dos economistas, eventual governo do PT terá que apresentar uma agenda de crescimento verde como ponto central da gestão. Segundo Mantega, o partido terá um programa ambiental “muito forte”.
O PT busca se contrapor nessa área ao governo do presidente Jair Bolsonaro, que tem atritos com países desenvolvidos e é criticado pela gestão do meio ambiente.
“É necessário o fortalecimento de uma agenda de proteção ambiental, de descarbonização da economia. Tudo isso também pode gerar crescimento e gerar emprego”, afirma Rossi.
Para Dweck, a questão ambiental precisa ter "centralidade". "As demandas sociais e a discussão ambiental podem ser um motor de crescimento relevante”, diz.