A agenda neoliberal, após o golpe contra Dilma Rousseff, precarizou o trabalho de professores no Brasil devido ao congelamento de investimentos públicos. A categoria também sofre com cortes orçamentários do MEC no governo Jair Bolsonaro
Por Cida de Oliveira, da RBA - O Brasil viveu um período de conquistas importantes para os professores entre os anos de 2005 e 2014. Com a criação do Fundeb, em 2007, passaram a ser garantidos recursos para os salários dos professores desde a creche até o ensino médio. E o fundo trouxe todas as condições para a elaboração da Lei do Piso, em 2008. Seis anos depois, com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), os professores obtiveram quatro conquistas, por meio das metas aprovadas.
A de número 15, voltada à formação inicial dos professores, estabeleceu a necessidade de todos terem a licenciatura para atuar na educação básica. Na meta 16, a indicação da necessidade da educação continuada. Ou seja, o professor desse nível de ensino deveria cursar pós-graduação. A meta de número 17, equiparou o salário dos professores ao de outros profissionais com a mesma formação e mesma carga horária. E a 18 exige plano de cargos e carreira para os docentes, tendo o piso como referência.
Entretanto, o golpe de 2016, que destituiu a presidenta Dilma Rousseff mesmo sem ter praticado crime de responsabilidade, trouxe consigo a Emenda Constitucional (EC) 95, que proíbe até 2036 novos investimentos em políticas públicas, entre elas, a educação.
Professores sem reajuste
“Com isso nós tivemos uma queda no orçamento da educação, que vai sendo reduzido a cada ano. E a meta 20 do PNE, que apontava a ampliação desses recursos até 2024, chegando 10% do PIB, foi inviabilizada. Com a EC 95 houve a redução no orçamento da educação, e essa redução trouxe a estagnação para as políticas do setor. E fora isso, nós tivemos uma redução agora em 2021, a primeira desde 2008 para cá, já que não foi aplicado o reajuste ao piso salarial”, disse à RBA o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo.
Conforme o dirigente, foi um golpe, via Portaria Interministerial número 3, de 26 de novembro de 2020, dos ministérios da Economia e da Educação. Segundo as pastas, estados e municípios tiveram redução de 8,7% da arrecadação – “o que não é verdade”.
“Isso foi desmascarado recentemente, em 24 de setembro, por meio de portaria determinando reajuste de 31,3% do custo aluno/ano para o Fundeb neste ano, lembrando que esse percentual é o mesmo que reajusta o piso salarial. Há uma previsão de reajuste do piso do magistério para o ano que vem de 31,3%, já que acumulou 2021, que não teve reajuste, e 2022 que terá esse reajuste conforme a legislação se for aplicada de forma adequada. Então, os golpes foram quebrando a possibilidade de aplicação do que conquistamos nas leis nos anos anteriores”, disse.
“É destruidor da escola pública, destruidor da escola privada, destruidor da universidade, quando ele diz que a universidade tem de ser para poucos e que tem muita universidade no país – são as declarações de um ministro”.
“Em um país decente, um ministro que falasse isso jamais deveria assumir o cargo de ministro da educação. Uma negação completa a atuação do ministro.”
Impacto da covid-19 sobre os professores
Araújo contou que é muito grande o impacto da pandemia sobre os professores. E que há muita tristeza na categoria. Para se ter uma ideia, no último dia 5, a Internacional da Educação comemorou o Dia Mundial do Docente. E para isso pediu às confederações pelo mundo vídeos em homenagem aos que faleceram por conta da covid-19. A CNTE fez um vídeo muito triste, já que muita gente próxima dela partiu, infelizmente, por conta da covid-19. “Dos que ficaram, adoeceram muitos e 74% da nossa categoria – professores e professoras – tiveram doenças profissionais devido à falta de condições adequadas para atividade remota. Perdemos muitos estudantes e isso traz também um impacto muito grande na vida profissional e pessoal desses professores, muitos se esforçaram para manter a atividade remota, alguns foram atrás até de equipamentos para emprestar para os estudantes para manter o processo de interação e houve uma intensificação do nosso trabalho”, relatou.
No entanto, essa intensificação, sem uma formação e equipamentos adequados, sem conexão, desencadeou muitas doenças, como depressão, por não conseguir atender as atividades remotas previstas para esse período. Os governos não investiram na infraestrutura das escolas para garantir o retorno seguro, nem a conexão. “O próprio governo federal negou repasse de recursos de R$ 3,5 bilhões aprovados pelo Congresso. E foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade dessa lei”.
Para o dirigente, uma falta de investimento completo no profissional de educação e nos estudantes quanto a equipamentos e conexão. “Isso trouxe prejuízos a nossos alunos e impactos profundos na saúde dos profissionais de educação.”
Prejuízos à educação
As políticas do governo Bolsonaro que trouxeram prejuízos ao meio ambiente e aumentaram a desigualdade social e a fome não teriam razão de poupar o setor. O processo de ensino e aprendizagem, que exige do Ministério da Educação a continuidade das ações, foi atingido logo no início, com a chegada de ministros sem a menor competência. O primeiro deles, Ricardo Vélez Rodrigues, deu lugar a Abraham Weinbraub. Depois foram indicados outros, que nem chegaram a assumir por terem sido pegos mentindo em seu currículo.
“A cada ministro que se muda, muda toda a equipe que acompanha esse ministro. E nenhum tem tempo suficiente para organizar um programa de governo que dê conta das políticas de atendimento determinadas por leis. O governo Bolsonaro é negacionista, que negou também o Plano Nacional de Educação e o Fundeb, que foi conquistado à revelia do governo. Nenhum ministro da Educação discutia conosco o Fundeb no Congresso Nacional. E quando foram lá em audiências públicas, não respondiam. Diziam que era assunto do Ministério da Economia”, lembrou.
É esse governo, como destaca Heleno, que criou escolas cívico-militares, tirando a gestão pública da escola pública e a entregando a militares aposentados; e que defende a educação domiciliar – ou seja, que os pais não matriculem os filhos nem na escola particular nem na escola pública.
Pastor no MEC
A avaliação do dirigente sobre o atual ministro, Milton Ribeiro, não poderia ser pior. Primeiro porque, segundo ele, o pastor presbiteriano contrário à educação inclusiva e ao acesso dos mais pobres às universidades faz questão de ser um pastor à frente do Ministério, e não um educador. Sua ênfase é trazer suas ideias de dentro da igreja para as estruturas do estado que é laico.
Em segundo lugar, o titular do MEC abandonou a coordenação de políticas para o ensino básico, profissional e as creches, sobre os quais a pasta tem responsabilidade técnica e financeira, por meio de órgãos como a Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação.
“Ele defende a educação domiciliar e que as crianças devam se socializar na igreja. Isso não tem nenhum sentido, nenhum respeito da nossa parte uma pessoa com esse tipo de pensamento, que ocupa esse espaço e não coordena nada dentro do Ministério. Além disso, ele não coordena nada, não presta nenhum serviço à educação pública superior e profissional de nosso país. É uma negação. Uma negação à atuação de Milton Ribeiro à frente do MEC. É uma pessoa que ocupa o Ministério da Educação só para receber salário, que é o dinheiro público do nosso povo.”
Inclusão social
Para o presidente da CNTE, não há nenhuma política educacional que se salve no governo de Jair Bolsonaro. Nenhuma foi apresentada no sentido de integrar a educação dos estados ao país. E sim ao contrário, de arrasar tudo aquilo que foi conseguido de 2005 a 2014. “A visão desse governo é a destruição dessa política. Isso estava na boca do presidente quando falou isso e nas ações dos ministros que passaram à frente do Ministério da Educação.”
Primeiro, as que foram anunciadas não foram colocadas em prática. O que ele anunciou foi mais destruição das políticas existentes. É ataque a Capes, ao Inep, CNPq, em tudo que tem relação com a pesquisa, com a universidade pública e a ausência completa de um processo de coordenação da educação básica.
“É um governo tão perdido e negacionista que o Ministério da Educação tem atribuições com todas as etapas da educação básica, da creche ao ensino médio e modalidades, tem responsabilidade de indicar programas e políticas integradas, tem a responsabilidade de garantir financiamento para aplicação dessas políticas e de coordenar o processo nacional através do auxílio técnico e financeiro do Ministério da Educação para com estados e municípios”.
Aberração completa
Para Heleno Araújo, trata-se de um processo de aberração completa, em que o governo não permite nada que traga bons resultados para a educação e a ciência. “Ele corta 92% de bolsas. Um processo de aberração completa nesse país. Não há perspectiva nenhuma de continuidade do processo da educação com esse governo e essas medidas que estão anunciando. Isso tudo mostra o tamanho da negação e da aberração que é esse governo Bolsonaro. Por isso o vendaval, o que vai ficar após a saída dele, com impeachment ou eleições, é uma terra arrasada também na educação pública do país.”
Assim, a saída não pode ser outra que não o fim do governo Bolsonaro, seja por meio de impeachment ou na eleição em 2022, para que então seja possível retomar os avanços. Os caminhos para isso já estão sendo debatidos na construção da Conferência Nacional Popular da Educação – Conape 2022.
“Até o final deste ano, em que comemoramos o centenário do nascimento do educador Paulo Freire, serão concluídas as etapas municipais e estaduais. E no ano que vem, a etapa nacional. Nosso lema é reconstruir o país, fazer a retomada do estado democrático de direito e a defesa da educação pública e popular, com gestão pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva e de qualidade para todas as pessoas. Isso é uma recomposição. Porque isso que está aí não fica nada”, disse Heleno Araújo.