STF julga ação em que pode liberar a realização de showmícios nas eleições de 2022, tema aguardado por partidos e pode ampliar a participação de artistas na próxima disputa eleitoral
Ministro Luiz Fux preside sessão plenária por videoconferência (03/03/2021) (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)
Sérgio Rodas, Conjur - A proibição de showmícios se justifica para resguardar a paridade de armas entre os candidatos a cargos eletivos. E a medida não afeta a liberdade de expressão, pois não impede que artistas manifestem suas opiniões políticas em apresentações próprias.
Com esse entendimento, o ministro Dias Toffoli, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.970, votou nesta quarta-feira (6/10) para manter a proibição de showmícios por candidatos em eleições. O entendimento foi seguido pelos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Toffoli, porém, disse que apresentações artísticas em eventos de arrecadação de campanha não contrariam a Constituição, no que foi seguido por Alexandre. Nunes Marques opinou pela inconstitucionalidade da prática. O julgamento será retomado nesta quinta (7/10).
O artigo 39, parágrafo 7º, da Lei 9.504/1999, acrescentado pela Lei 11.300/2006, proíbe "a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos" e a apresentação, "remunerada ou não", de artistas para animar comícios e reuniões eleitorais.
O segundo ponto em discussão é o artigo 23, parágrafo 4º, inciso V, que dispõe que as doações poderão ser efetuadas por meio de "promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político".
Dias Toffoli apontou que a Constituição elegeu o pluralismo político como um dos fundamentos da República brasileira. Assim, a Carta Magna prestigiou a coexistência de diferentes visões de mundo, garantida pelo livre fluxo de ideias e de informações e da concorrência de candidatos de diferentes espectros políticos. Para isso acontecer, ressaltou, é necessário que haja um espaço público em que se garantam oportunidades iguais para os diferentes candidatos.
"Condiz com o princípio republicano que o exercício do direito ao voto seja fruto da livre manifestação de consciência do eleitor, pelo que merece proteção contra todo e qualquer tipo de abuso ou manipulação, de forma a garantir um processo eleitoral legítimo, autêntico, igualitário e, em última instância, efetivamente democrático. Sobre essas bases assenta-se o Estado Democrático de Direito, pois o exercício da democracia não se encerra na periodicidade dos mandatos políticos, mas pressupõe a existência de eleições tão livres, universais e equânimes quanto possível", avaliou o ministro.
De acordo com Toffoli, a proibição de showmícios "buscou evitar o abuso de poder econômico no âmbito das eleições e resguardar a paridade de armas entre os candidatos". E isso também vale para apresentações gratuitas, pois há considerável benefício ao candidato, que recebe um serviço que pode ser quantificado em dinheiro.
Além disso, showmícios podem ser considerados oferecimentos de vantagens aos eleitores, que podem associar o entretenimento à figura do político homenageado. "Nesse sentido, a norma protege, também, a livre formação de vontade do eleitor", declarou o relator.
Os showmícios, segundo o ministro, também conferem vantagem na disputa eleitoral, que pode desequilibrar a paridade de armas entre os candidatos.
A vedação dos showmícios não configura censura prévia, pois não impede manifestações de cunho políticos de artistas, desde que sejam feitas em apresentações próprias, avaliou Toffoli.
"Sob essa perspectiva, concluo não haver qualquer vulneração à liberdade de expressão a partir da proibição dos showmícios e eventos assemelhados, remunerados ou não, já que a regra não se traduz em uma censura prévia ou em proibição do engajamento político dos artistas, mas apenas disciplina a realização de apresentações artísticas no contexto de eventos eleitorais voltados à obtenção de votos".
Dessa maneira, Dias Toffoli votou para negar o pedido de declaração de inconstitucionalidade parcial artigo 39, parágrafo 7º, da Lei 9.504/1997. O entendimento foi seguido por Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Nunes Marques analisou que mesmo as apresentações sem remuneração desequilibram a corrida eleitoral. Afinal, atraem pessoas que não iriam a tal evento político se não houvesse o show, prejudicando os candidatos que não têm como promover eventos do tipo. O ministro ainda ressaltou que as apresentações artísticas podem desviar a atenção do eleitor dos problemas sociais que estão em jogo nas eleições.
Já Alexandre de Moraes destacou que a vedação dos showmícios visa garantir a isonomia não eleições. "Dinheiro chama dinheiro. E dinheiro, nas eleições, chama voto. É inegável que showmícios, quando eram permitidos, tinham uma influência eleitoral. Quem tinha mais possibilidades econômicas tinha mais possibilidade de promover showmícios".
O magistrado também avaliou que a proibição das apresentações não viola a liberdade de expressão. Isso porque os artistas não ficam impedidos de expor suas opções eleitorais.
Shows para arrecadações
No entanto, Dias Toffoli votou para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 23, parágrafo 4º, inciso V, da Lei 9.504/1997, para permitir apresentações artísticas em eventos de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais.
Conforme o ministro, tais eventos são voltados a eleitores que, conscientemente, contribuíram com uma candidatura. "Ou seja, o comparecimento do eleitor à ocasião tem o propósito definido de financiar o projeto político de sua escolha", disse Toffoli, apontando que tal medida permite que os cidadãos viabilizem as propostas que apoiam.
Alexandre de Moraes seguiu o relator, avaliando que, se jantares de arrecadação para candidatos com chefs famosos são permitidos, shows também devem ser, pois são apresentações artísticas do mesmo jeito.
Nunes Marques divergiu nesse ponto, entendendo que shows em eventos de arrecadação também atraem pessoas que possivelmente não iriam a tal evento, desequilibrando a disputa. Por isso, votou para negar o pedido de liberação dessas apresentações.
Violação de precedente
O ministro Gilmar Mendes, que ainda não votou, opinou que a permissão de shows em eventos de arrecadação pode ser uma forma de burlar a decisão do Supremo que proibiu as doações eleitorais de pessoas jurídicas.
"Imagino que uma empresa possa comprar todos os ingressos de um almoço ou show de uma pequena reunião de arrecadação de campanha e distribuir aos seus empregados, que podem ou não ir. Isso já resulta em um tipo de financiamento por pessoa jurídica", destacou.
O decano da Corte ainda lembrou que, se um cantor cobra R$ 500 mil por show, esse é o valor da doação que está fazendo ao candidato ao se apresentar em evento de sua campanha. Assim, tais apresentações podem ultrapassar o teto de doações feitas por pessoas físicas.
Pedidos dos partidos
O Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e o Partido dos Trabalhadores (PT) ajuizaram no Supremo Tribunal Federal ação contra regra da legislação eleitoral que trata da organização de eventos de arrecadação de recursos e da proibição de showmícios por candidatos.
A pretensão dos partidos é que seja declarada a inconstitucionalidade parcial do artigo 39, parágrafo 7º, da Lei 9.504/1997, quando as apresentações forem gratuitas, sem cobrança de cachê, mediante a supressão da expressão "ou não" do texto legislativo. "É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral", diz o dispositivo.
Além disso, as agremiações requereram o reconhecimento de que a proibição de showmícios e eventos assemelhados não impediria a ocorrência de eventos artísticos, inclusive shows musicais, feitos no intuito de arrecadar recursos para campanhas eleitorais.
"Diante da postura por vezes censória da Justiça Eleitoral, existe o elevado risco de que se adote a compreensão de que tal preceito não abrange a realização de espetáculos artísticos, em razão da vedação aos showmícios e à apresentação de artistas para animar eventos eleitorais", afirmaram as legendas.
Segundo os partidos, tanto a proibição dos showmícios não remunerados quanto a vedação de eventos artísticos de arrecadação eleitoral são incompatíveis com a garantia constitucional da liberdade de expressão.
"A primeira medida ofende, ainda, o princípio da proporcionalidade, enquanto a segunda também viola a isonomia e o imperativo constitucional de valorização da cultura", apontaram.
Os partidos destacaram que tanto a atividade artística como as manifestações de natureza política compõem o núcleo essencial da liberdade de expressão. "Música não é apenas entretenimento, mas também um legítimo e importante instrumento para manifestações de teor político", sustentaram. "Não é legítima a pretensão legislativa de converter o embate político-eleitoral numa esfera árida, circunscrita à troca fria de argumentos racionais entre os candidatos, partidos e seus apoiadores, sem espaço para a emoção e para a arte."
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela improcedência da ADI, sustentando que "o dispositivo questionado veicula importante mecanismo de controle sobre a propaganda eleitoral, com a finalidade de assegurar a igualdade entre os postulantes a cargos públicos, combater o abuso do poder nas eleições e o uso indevido dos meios de comunicação".