"Sempre que há um governo que começa a melhorar as coisas, aparece um golpe e o governo cai. O continente latino-americano tem que se desenvolver. Queremos nossa soberania", afirmou o ex-presidente em entrevista à imprensa argentina
Lula (Foto: Ricardo Stuckert)
247 - O ex-presidente Lula, em entrevista neste domingo (4) ao jornal Página 12, da Argentina, falou sobre a necessidade da América Latina se integrar de maneira mais sólida, formando "um bloco". O petista ainda mencionou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao dizer que a região "tem o direito de crescer".
"Não vai demorar muito para o Chile se recuperar, para o Brasil voltar a crescer, para voltar a ser respeitado internacionalmente e para discutir algo que é sagrado para mim: a América Latina tem que entender que temos que ser um bloco. Um bloco que pensa econômica e socialmente, que pensa de forma solidária. O mundo está dividido em blocos e não podemos continuar a negociar separadamente", expressou o ex-presidente.
"Temos que ficar juntos. Temos que criar um bloco forte, como estávamos fazendo com a Unasul, para que possamos negociar com a União Europeia, para negociar com a China, para negociar com os Estados Unidos. Não sei se vocês perceberam o discurso do Joe Biden ao povo americano na tentativa de destruir o que Trump havia criado. Em outras palavras, Trump foi eleito com o voto de trabalhadores que não acreditavam mais na democracia, que estavam desempregados. O discurso de Biden foi muito importante para recuperar a situação de credibilidade do povo americano, reivindicando os trabalhadores. Mas na política externa, Biden continua conservador, ele continua pensando que os Estados Unidos têm que ser como os chefes do mundo, que eles têm que lutar contra a corrupção global, que vão promover a paz mundial. Biden tem que entender que a América Latina tem que ter o direito de crescer. Não é possível que em 500 anos não tenhamos nenhum país da América Latina altamente desenvolvido. Sempre que há um governo que começa a melhorar as coisas, aparece um golpe e o governo cai. O continente latino-americano tem que se desenvolver. Queremos nossa soberania. Queremos que nossos povos tenham autodeterminação. E não vejo flexibilidade no discurso americano para a América Latina. É quase como se fosse um discurso de dominação: 'você não pode crescer. Eles não podem ter soberania. Eles não podem se desenvolver ou quando começarem a se desenvolver, enviamos um embaixador para organizar um golpe'", completou.
Brasil
Lula afirmou que pretende iniciar uma viagem pelo Brasil a partir de julho, mas garantiu não ser ainda candidato à presidência.
Sobre Jair Bolsonaro, o ex-presidente comentou sua péssima atuação na pandemia. "No Brasil, vivemos uma situação muito desagradável. Temos um presidente que não estimula o amor, nem a fraternidade, nem a solidariedade. Seu foco é o ódio. Relatos de corrupção aparecem todos os dias. Estamos formando uma comissão parlamentar para descobrir o que aconteceu. Estamos promovendo no Congresso Nacional com enorme peso o impeachment do presidente Bolsonaro. Vamos ver se a Câmara votará, porque são 120 petições de impeachment contra ele que não foram votadas. A sociedade começa a se mexer, a se manifestar, também passa a participar de atos públicos contra o governo. Estamos agindo rapidamente para consolidar o processo democrático no Brasil e fazer com que a democracia seja recuperada. A esperança é o que nos move".
Lula lembrou da campanha promovida por Bolsonaro a favor do suposto "tratamento precoce" contra a Covid-19, que tem sua ineficácia cientificamente comprovada. "O governo recomendou medicamentos sem validade científica para combater a Covid. O presidente Bolsonaro se tornou o representante daqueles medicamentos anti-malária que não funcionavam contra a Covid, mandou comprá-los. O Exército também produziu milhões de caixas desses remédios. Tudo isso está sendo investigado. Bolsonaro está sendo acusado de genocídio porque tem grande responsabilidade por muitas das mortes que poderiam ter sido evitadas. Não me sinto confortável em dizer isso porque realmente não tenho as evidências aqui comigo. A única coisa que tenho, na verdade, são os números e os gestos de total incompetência, de má vontade, de má-fé deste presidente em cuidar do povo brasileiro. Até hoje ele não usa máscara e continua mentindo. Para se ter uma ideia, foi criado um observatório de todas as mentiras contadas pelo Bolsonaro e concluíram que o Bolsonaro mentiu 3.151 vezes desde que assumiu a presidência. Ou seja, uma média de 4 mentiras por dia".
Lula falou da importância da alternância de poder, mas destacou que, com Bolsonaro no Palácio do Planalto, a democracia corre perigo. "Eu sou um democrata. Eu entendo que temos que ter alternância de poder, isso é saudável para a democracia. Não há problema que às vezes a direita vença, depois a esquerda. Isso é bom. Mas a democracia tem que ser tratada com respeito pelas instituições, com respeito pelas diferenças. Nunca imaginei que o Brasil elegeria um homem genocida para presidente, que não gosta de negros ou LGBTI. Aliás, que não gosta de sindicatos, não gosta de trabalhadores, não gosta de índios, não quer preservar nossa floresta amazônica. Em outras palavras, ele não tem limite para o mal. Ele é um presidente que promove a venda de armas. Libera com decreto-lei para que os brasileiros tenham 4 ou 5 pistolas, fuzis".
O ex-presidente disse planejar uma viagem à Argentina para agradecer ao povo do país e ao presidente Alberto Fernández pelo apoio enquanto esteve preso injustamente em Curitiba, no Paraná.