Já foram ouvidos pela comissão os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do atual comandante da pasta, Marcelo Queiroga. Semana foi marcada por debates sobre a cloroquina
Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Sputnik - A CPI da Covid-19 teve uma semana agitada, na qual foram ouvidos o atual ministro da Saúde e dois de seus antecessores. Em conversa com a Sputnik Brasil, o especialista Theófilo Rodrigues analisa esta primeira semana de depoimentos no Senado.
Após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 finalmente foi oficialmente instalada no Senado no último dia 27. Esta semana, com a aprovação dos requerimentos com pedidos de informação ao governo e convocação de autoridades, tiveram início os depoimentos das primeiras testemunhas.
Mandetta acusa Bolsonaro de tentar modificar bula da cloroquina
Na última terça-feira (4), o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi a primeira testemunha interrogada pelos senadores na comissão. Em um depoimento que durou mais de sete horas, o ex-ministro afirmou que o governo do presidente Jair Bolsonaro ignorou os alertas feitos pela pasta sobre a pandemia de Covid-19, engavetou uma estratégia de testagem e descartou a realização de uma campanha de orientação à população sobre a doença.
Em um momento-chave do depoimento, Mandetta disse ter sido chamado no Palácio do Planalto para discutir a inclusão na bula da cloroquina de recomendação para o tratamento da Covid-19. Segundo o ex-ministro, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, teria, no entanto, barrado a ideia.
Mandetta também relatou que não deu qualquer orientação sobre a decisão de aumentar a produção de cloroquina nos laboratórios do Exército, uma medida que foi tomada pelo governo no ano passado, depois que alguns médicos passaram a recomendar o fármaco com base em alguns casos, mas sem embasamento científico.
Em outro ponto, o ex-ministro mencionou a participação dos filhos políticos de Bolsonaro em reuniões ministeriais que tratavam do enfrentamento ao vírus e assinalou que os mesmos atrapalharam a relação com a China, um dos principais fornecedores de insumos para a fabricação de vacinas no Brasil.
Além disso, Mandetta afirmou que a postura de Bolsonaro na pandemia, se posicionando contra o uso de máscaras e o distanciamento social, contribuiu para o agravamento da crise e para o aumento do número de mortes.
Nelson Teich afirma que deixou ministério por não ter autonomia
Já na quarta-feira (5) foi a vez do ex-ministro Nelson Teich ser ouvido pelos senadores. Em seu depoimento, Teich detalhou os motivos que o fizeram pedir demissão após apenas 28 dias no cargo.
Além disso, o ex-ministro afirmou que não teve liberdade nem autonomia para exercer sua função, e acrescentou que houve pressão para que indicasse o uso da cloroquina.
Marcelo Queiroga: defesa do governo em meio a respostas evasivas
Por sua vez, o atual ocupante da pasta de Saúde, Marcelo Queiroga, compareceu à CPI nesta quinta-feira (6) e ficou incumbido de assumir a defesa do governo. Em um depoimento longo, que durou mais de nove horas, o atual ministro foi bastante evasivo em algumas respostas, o que chegou a irritar os senadores em alguns momentos.
Entre essas evasivas, Queiroga se negou a comentar sua posição sobre o uso da cloroquina, ao afirmar que se tratava de um assunto técnico. Além disso, o ministro declarou que o governo está empenhado em combater à pandemia com o uso de vacinas, e ressaltou que as falas do presidente não atrapalham a campanha de vacinação. Contudo, reconheceu que o Ministério da Saúde divulgou um número inflado de doses contratadas da vacina.
Em propagandas oficiais e em falas públicas, o ministério tem divulgado o número de 560 milhões de doses já contratadas. No entanto, ao responder a um requerimento de informações do deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), segundo reportagem do Estado de São Paulo, o ministério afirmou que apenas 280 milhões de doses têm contratos fechados.
Ao ser questionado pelo relator da comissão, o senador Renan Calheiros, sobre quantas doses já foram efetivamente compradas, Queiroga insistiu que eram 560 milhões, mas, após receber informações do secretário executivo do ministério, Rodrigo Otávio da Cruz, admitiu que o número era menor e citou a quantidade de 430 milhões de doses.
Avaliação da primeira semana de CPI
A CPI da Covid-19 foi instalada no Senado com o objetivo de investigar a atuação da gestão do governo federal e de governos locais ao longo da pandemia do novo coronavírus.
Para a próxima semana, estão previstos os depoimentos do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres; do ex-secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten; do ex-chanceller Ernesto Araújo, além da atual presidente da Pfizer na América Latina, Marta Díez, e seu antecessor, Carlos Murillo.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista Theófilo Rodrigues, pesquisador de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que o governo começou a CPI "com um saldo muito negativo".
"A primeira derrota do governo foi a própria instalação da CPI. A segunda foi a composição da CPI. Dos 11 senadores escolhidos para compor a comissão, apenas quatro são governistas. A terceira derrota foi a eleição do senador Omar Aziz como presidente, do senador Randolfe como vice-presidente e do senador Renan Calheiros como relator [...] Ou seja, Bolsonaro não conseguiu emplacar nenhum senador governista nos três principais cargos da CPI", afirma Rodrigues.
Além disso, o pesquisador destaca que o próprio governo fez um gol contra ao deixar vazar uma lista com 23 possíveis denúncias, e também não conseguiu impedir a celeridade do processo, já que o relator Renan Calheiros conseguiu encaminhar depoimentos importantes nesta primeira semana.
Rodrigues também lembra que a CPI tem seguido quatro linhas de investigação sobre as ações do governo federal: "se o governo realmente foi omisso na compra de vacinas em 2020", "se cometeu alguma ilegalidade ao recomendar o uso da cloroquina", "se o presidente agiu contra a saúde pública ao não recomendar o distanciamento social e o uso de máscaras", e "se o estado do Amazonas foi utilizado para uma experiência de imunidade de rebanho".
Na opinião do especialista, há elementos nos depoimentos já realizados que confirmam as suspeitas levantadas nas três primeiras linhas de investigação, mas que a última ainda depende de os senadores ouvirem o ex-ministro Eduardo Pazuello, que ocupava a pasta naquele momento. Seu depoimento também estava marcado para esta semana, mas acabou adiado depois que o ex-ministro, que também é general da ativa do Exército, alegou que não poderia comparecer ao Senado por ter mantido contato com pessoas infectadas com a Covid-19.
Mesmo com esse e outros depoimentos pendentes, Theófilo Rodrigues aponta que "o que se vê até agora é que a gestão da saúde que o governo federal tem feito desde o início da pandemia é um desastre completo".
Contudo, ao ser questionado sobre a capacidade de interferência da CPI no jogo eleitoral, o pesquisador argumenta que isso "vai depender de qual será o relatório final aprovado e de quais serão os seus desdobramentos".
Theófilo acredita que, se o relatório final indicar que "o presidente da República efetivamente cometeu crimes de responsabilidade ao ignorar a compra de vacinas, ao não recomendar o distanciamento social e o uso de máscaras, ao indicar o uso da cloroquina mesmo sem amparo científico ou ao utilizar o estado do Amazonas para uma experiência da imunidade de rebanho, isso poderá fortalecer a ideia de impeachment".
Além disso, o especialista aponta que, mesmo que relatório final "não culmine em um posterior processo de impeachment", ele "pode servir de instrumento da oposição para ampliar a desaprovação do governo junto ao eleitorado".
Porém, o pesquisador também avalia que, "se o relatório final indicar que o único culpado foi o ministro Pazuello, a interferência no jogo eleitoral será menor".
"Claro, há consequências imprevisíveis. Nesse segundo cenário, [de a culpa cair exclusivamente sobre Pazuello], será que [ele] aceitaria assumir a responsabilidade sozinho ou acabaria por ampliar o rol de denúncias contra o presidente?", questiona Rodrigues.