Em
50 desses maiores municípios (15% do total), houve uma explosão de óbitos: o
pico de agora é pelo menos 80% maior que o do ano passado
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Esta segunda fase
da pandemia da Covid que o Brasil vive é mais letal que a primeira em 40% das
grandes cidades do Brasil. Em 50 desses maiores municípios (15% do total),
houve uma explosão de óbitos: o pico de agora é pelo menos 80% maior que o do
ano passado.
A
reportagem comparou a semana com mais mortes nos municípios em dois momentos:
março a outubro de 2020 (primeira fase) e o período entre novembro e esta
última semana (segunda fase).
Os recordes negativos
começaram a ser batidos em dezembro e se estendem até agora. Jaú (SP), Chapecó
(SC) e Santa Cruz do Sul (RS) foram os locais com as pioras mais graves, em que
o pico atual de mortes foi até 11 vezes maior que o do ano passado.
Foram
consideradas na análise as cidades com mais de cem mil habitantes, onde os
dados tendem a ser mais confiáveis.
A situação não parece dar mostras de que arrefecerá tão cedo. O monitor do
jornal Folha de S.Paulo de aceleração da doença indica que 68% dessas grandes
cidades estão em estágio acelerado (crescimento rápido de novos casos) ou
estável (estabilização do crescimento, mas num patamar alto).
Considerando apenas os 190
municípios em que esta segunda fase está pior do que a primeira, 74% estão em
aceleração ou estável.
Embora não haja consenso
entre especialistas sobre se o país vive de fato uma segunda onda ou apenas um
repique da primeira, entre setembro e outubro do ano passado houve queda no
número de casos e mortes por Covid, com alta a partir de novembro.
O
impacto do recrudescimento foi maior no Sul, que tem hospitais lotados e
sistema de saúde em colapso. Nove em cada 10 municípios grandes da região
bateram recorde no número de óbitos em uma única semana, e em 26% deles esse
valor é pelo menos o dobro do maior registrado até o ano passado.
Em Chapecó, no oeste de
Santa Catarina, o recorde da média móvel na primeira fase havia sido em
setembro, com um óbito por dia. Na última semana de fevereiro, porém, a cidade
chegou a uma média diária de 13 mortos.
Houve
dois casos confirmados da nova variante de Manaus no município, que, mesmo
assim, reabriu o comércio na última segunda (8) após duas semanas com
restrições.
Considerando os estados, o
mais afetado nesta segunda fase foi o Amazonas, que em janeiro foi palco da
pior crise no sistema de saúde já vista na pandemia. Com escassez de UTIs,
profissionais de saúde e oxigênio para os doentes, o estado passa de 6.000
mortos nestes três meses de 2021, mais que durante todo o ano passado.
Em Manaus, onde estão
concentrados todos os leitos de terapia intensiva do Amazonas, a maior média
móvel registrada em 2020 havia sido de 43 óbitos, contra 143 no mês passado.
Outras três capitais também
passam por explosão de mortos nesta segunda fase: Florianópolis, Curitiba e
Porto Velho.
No Rio Grande do Sul, em
Santa Catarina e em Rondônia, o pico de mortes em uma semana é de duas a três
vezes maior nesta segunda fase.
Já São Paulo, que nesta
sexta-feira (12) bateu recorde na média móvel de óbitos (331), tem 41% das
cidades em situação pior agora.
A que teve maior aumento de
óbitos foi Jaú –saiu de 1 em outubro para 14 em fevereiro, maior crescimento
entre os grandes municípios do país.
Na capital paulista, apesar
do aumento no número de casos e mortes desde novembro, a situação ainda está
distante da vivenciada na primeira fase. Na pior semana da pandemia, em junho,
a cidade registrou média diária de 111 mortes. O recorde da segunda fase, até o
momento, é de 69.
Segundo especialistas
ouvidos, o impacto da nova fase é parte de uma cadeia complexa de eventos,
muitos dos quais provenientes ainda da primeira parte da pandemia no país.
Um dos pontos citados e
impossível de ser ignorado a essa altura são as variantes do Sars-CoV-2, como a
brasileira P.1 e a britânica B.1.1.7, ambas consideradas com maior potencial de
disseminação, o que por si só pode acelerar o alcance da doença. As variantes
também preocupam por causa de um possível potencial de fuga vacinal.
A
variante B.1.1.7 preocupou e atingiu de tal forma o Reino Unido que o país teve
que, mais uma vez, decretar rígidas medidas restritivas, inclusive um lockdown,
para reduzir a situação da cepa. Portugal, considerado um caso de sucesso
durante a primeira onda, foi atingido por essa variante, o que também pode ter
sido um dos motivos do descontrole no país, teve que decretar um lockdown e já
vê na queda de casos o efeito da medida.
No Brasil, as variantes do
Sars-CoV-2, inclusive a sul-africana B.1.351, já são dominantes em seis
estados, além do Amazonas (local de origem da P.1), segundo estudo da Fiocruz.
Mas é incorreto jogar a
culpa nas variantes, dizem os especialistas. O relaxamento das pessoas quanto
às medidas de proteção também deve ser levado em conta –inclusive porque as
variantes têm mais chance de surgir diante da alta circulação do vírus e do
descontrole da pandemia.
A fadiga da pandemia e do
alongamento das estratégias de distanciamento entram na equação desse
relaxamento.
"Não é uma corrida de
100 metros, é uma maratona", afirma Max Igor Banks Ferreira Lopes,
infectologista do Hospital Sirio-Libanês, sobre a extensão de tempo das medidas
aplicadas no país (sem necessariamente um controle efetivo da doença) e sobre a
complexidade de como relaxar adequadamente as medidas aplicadas.
Vale lembrar que o Brasil
permaneceu em um platô de, aproximadamente, 400 a 600 mortes por dia nos quatro
últimos meses de 2020, segundo os dados de média móvel do consórcio de veículos
de imprensa. Há mais de 50 dias essa métrica ultrapassa os mil óbitos.
"Não temos uma
maturidade política e técnica para discutir isso", diz o infectologista,
sobre medidas restritivas para conter a pandemia.
E aí entra a falta de
políticas públicas para controle da pandemia. O Brasil não implementou
políticas de testagem em massa e posterior tentativa de rastreamento de
contatos, o que permite um olhar mais localizado e pode facilitar medidas de
isolamento.
Até hoje, para conseguir
testes PCR (considerado o padrão-ouro para detecção) são necessários alguns
dias, mesmo para quem tem convênio, diz Ferreira Lopes.
O
monitoramento por mortes e casos é falho, segundo o infectologista, porque está
sempre olhando no retrovisor, para o que aconteceu há semanas. Ou seja, é
limitado o conhecimento imediato sobre o que é necessário naquele momento.
Segundo a epidemiologista
Ethel Maciel, professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), os
governantes em diversas esferas se limitaram à preocupação com vagas de UTI e,
com isso, "investiram na doença".
"Estamos esperando as
pessoas adoecerem para dar a elas [com UTI] uma forma mais digna de morrer. Se
tivéssemos um medicamento maravilhoso contra Covid seria uma coisa, mas não
temos", diz Maciel. "A angústia é saber que muitas coisas poderiam
ser feitas, e o Brasil não está fazendo nada. Não é só o governo federal, é
todo mundo."
Para o epidemiologista e
professor da USP Paulo Lotufo, as variantes foram usadas politicamente.
"Elas serviram para governos colocarem a culpa do descontrole atual no
vírus", diz.
Na primeira onda, grandes
metrópoles de forma geral, como São Paulo e Rio de Janeiro, concentraram casos
e mortes e, com suas medidas de restrição, conseguiram pelo menos diminuir um
pouco a marcha do Sars-CoV-2 território adentro. Agora, o vírus se encontra
muito mais alastrado.
Em meio às mortes da
pandemia e à falta de políticas públicas, houve ainda a minimização da
situação. "Você tem um presidente que usou máscara poucas vezes. Você tem
uma narrativa política de que 'não tem problema, que as pessoas têm que sair,
que é mimimi'", afirma Maciel.
Aliado a tudo isso, vieram
feriados do segundo semestre, eleições, festas de final de ano e Carnaval. A
união dessas variáveis –e outras tantas– desembocou em grande pressão no
sistema de saúde do país todo ao mesmo tempo e nos profissionais já cansados.
E, finalmente, na explosão de
Covid à qual o Brasil
assiste, sem ação.
"Não dá para fingir normalidade. Não está dando", afirma Ferreira
Lopes, com barulhos de UTI ao fundo.
*
50 CIDADES ONDE AS MORTES
EXPLODIRAM NA SEGUNDA FASE DA PANDEMIA
Angra Dos Reis (RJ)
Apucarana (PR)
Araraquara (SP)
Ariquemes (RO)
Assis (SP)
Bagé (RS)
Barbacena (MG)
Barra Do Piraí (RJ)
Cabo Frio (RJ)
Camaçari (BA)
Caraguatatuba (SP)
Cascavel (PR)
Catalão (GO)]
Caxias Do Sul (RS)
Chapecó (SC)
Criciúma (SC)
Curitiba (PR)
Divinópolis (MG)
Erechim (RS)
Florianópolis (SC)
Gravataí (RS)
Guarapuava (PR)
Guaratinguetá (SP)
Itacoatiara (AM)
Jaú (SP)
Ji-Paraná (RO)
Juiz De Fora (MG)
Londrina (PR)
Manaus (AM)
Marília (SP)
Maringá (PR)
Mauá (SP)
Niterói (RJ)
Ourinhos (SP)
Passos (MG)
Petrolina (PE)
Petrópolis (RJ)
Poços De Caldas (MG)
Ponta Grossa (PR)
Porto Velho (RO)
Resende (RJ)
Santa Cruz Do Sul (RS)
Santarém (PA)
Santo André (SP)
São Carlos (SP)
Sapucaia Do Sul (RS)
Teresópolis (RJ)
Umuarama (PR)
Uruguaiana (RS)
Varginha (MG)
Fonte: Noticias ao Minuto