O
ex-procurador-geral da República autorizou em 2016 o procurador Orlando
Martello a investigar autoridades com foro por prerrogativa de função em missão
na Suíça
Rodrigo Janot (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Conjur - Rodrigo Janot, então procurador-geral da
República, autorizou em 2016, via mensagem no Telegram, o procurador da
força-tarefa da "lava jato" em Curitiba Orlando Martello a investigar
autoridades com foro por prerrogativa de função em missão na Suíça.
O aval consta de
petição apresentada pela defesa do ex-presidente Lula, nesta segunda-feira
(22/2), ao Supremo Tribunal Federal. O diálogo faz parte do material apreendido
pela Polícia Federal no curso da chamada operação spoofing, que mira hackers
responsáveis por invadir celulares de autoridades.
Em 12
de maio de 2016, Orlando Martello enviou a um grupo de mensagens pedido que
tinha feito a Rodrigo Janot para seguir interrogando o ex-executivo da
Odebrecht Fernando Migliaccio após ele mencionar autoridades com foro especial
em depoimento prestado na Suíça.
"Dr Janot,
conforme já relatado ao Dr Pellela [Eduardo Pelella, então chefe de gabinete de
Janot], no curso da oitiva de Fernando Migliaccio, na Suíça, pela primeira vez
ele fez referencia à possibilidade de mencionar nomes de pessoas com
prerrogativa de foro. Vale lembrar que ele foi ouvido por volta de 9 vezes em
momento anterior pelo Procurador Stefan Lenz e jamais tinha feito menção ao
envolvimento de qualquer pessoa com prerrogativa de foro. Durante o depoimento,
porém, diante da menção vaga e antes de fazer qualquer pergunta a Fernando
sobre pessoas com prerrogativa de foro, liguei ao Dr Pellela solicitando
autorização para continuar a oitiva, que, após reportar os fatos a vossa
excelência, autorizou-me a continuar a oitiva, agora então também representando
Vossa Excelência", disse Martello.
"Escrevo,
pois, para formalizar o procedimento de modo sucinto e rápido, já que ainda
estamos no meio da oitiva, requerendo expressamente a autorização de vossa
Excelência para, representando Vossa Excelência, continuar na referida oitiva.
A oitiva está ocorrendo em uma sala localizada no prédio anexo à
Procuradoria-Geral em Berna, em recinto policial, onde há grande restrição à
acesso de internet. Respeitosamente, Orlando Martello."
A ConJur manteve as abreviações e
eventuais erros de digitação e ortografia presentes nas mensagens.
Em seguida,
Martello envia ao grupo a resposta de Janot. "Prezado Dr Orlando Martello
estou ciente de tudo quanto agora relatado por vossa excelência. Autorizo
expressamente delegando-lhe as atribuições necessárias para realização da
oitava em meu nome. Convalida desde já todos os atos até agora praticados. De
agora em diante vossa excelência passa a agir em nome do Procurador-geral da
República. Bom trabalho."
Investigação
ilegal
O
presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, abriu inquérito
para apurar se procuradores da "lava jato" em Curitiba investigaram
ilegalmente ministros da corte.
O
procedimento foi instaurado depois de expostas conversas no Telegram entre
integrantes do Ministério Público Federal no Paraná. O diálogo
mostra Deltan Dallagnol, então coordenador da "lava
jato", combinando com um fiscal da Receita Federal a quebra de sigilo de
ministros do STJ. Diogo Castor também é um importante personagem do diálogo.
O uso do esquema
era tratado com naturalidade e a Receita funcionava como um braço lavajatista.
Os acertos ilegais eram feitos com Roberto Leonel de Oliveira Lima, chefe do
Escritório de Pesquisa e Investigação na 9ª Região Fiscal. Pela cooperação,
Roberto Leonel foi premiado quando Sergio Moro tornou-se ministro da Justiça,
com o comando do Coaf (clique aqui para
ver palestra de Deltan Dallagnol e Roberto Leonel).
Em
julho de 2015, os procuradores discutiam uma anotação encontrada com Flávio
Lúcio Magalhães, apontado como operador de propina da Andrade Gutierrez. A
lista citava diversas pessoas, entre elas ministros do STJ.
"A
RF [Receita Federal] pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial
[dos ministros], que tal?", diz Dallagnol. Em seguida o procurador
informa: "Combinamos com a Receita."
A
conversa mostra que o MPF no Paraná só tinha por honestos ministros que
atendiam, incondicionalmente, os pedidos da "lava jato". "Felix
Fischer eu duvido. Eh (sic) um cara sério", diz Castor em referência ao
relator dos processos da "lava jato" no STJ.
O
próprio Dallagnol admite não acreditar que a lista encontrada com Magalhães
envolvia pessoas que recebiam propina. Mas decidiu pedir a análise patrimonial
mesmo assim. "Aposto que não são propina. São muitos pra serem
corruptos", afirmou.
Os
alvos vão desde ministros até figuras relacionadas a políticos, como é o caso
de Marisa Letícia, esposa de Lula, morta em 2017. "Dona Marisa comprou
árvores e plantas no Ceagesp em dinheiro para o sítio. Pedi pro Leonel ver se
tem nf [nota fiscal]", disse o procurador Januário Paludo em uma conversa
de fevereiro de 2016.
Embora
não mencionem diretamente quais ministros das turmas criminais do STJ foram
investigados, os procuradores mostram, em uma conversa, também de 2016,
desconfiança com relação a Reynaldo Soares.