Sem registrar infectados desde maio de 2020, cidade
chinesa mantém uso de máscaras, medição de temperatura e QR Codes
José Renato Peneluppi Jr., morador de Wuhan há dez anos, durante a celebração da virada do ano: "Cidade heroica" - Arquivo pessoal
Considerada o
epicentro global do coronavírus no
início do ano passado, Wuhan começa 2021 com uma rotina semelhante ao período
pré-pandemia. Comércio, transporte público, parques e restaurantes: exceto
pelas máscaras, medições de temperatura e pelo uso de QR code como
indicador do status de
saúde dos cidadãos, tudo funciona como antes da covid-19.
“Alguém
que chegue na cidade hoje, desavisado de onde está, jamais entenderia que essa
cidade passou pelo que passou”, relata o advogado brasileiro José Renato
Peneluppi Jr., que mora na China há dez anos.
“Wuhan
é considerada hoje a cidade mais segura em relação à covid, não só pelo
sentimento das pessoas, mas por questões práticas”, acrescenta, lembrando que o
último caso de covid-19 foi registrado no início de maio.
Peneluppi
deixou Wuhan logo após a confirmação dos primeiros casos de coronavírus, passou
a maior parte do ano passado na Bielorrússia e voltou à China há quatro meses.
Desde então, viajou por seis cidades e atestou a diferença na gestão da crise
sanitária nos dois países.
Na
Bielorrússia, o presidente Aleksandr Lukashenko adotou uma postura
negacionista, semelhante à de Jair Bolsonaro (sem partido) no Brasil. O
resultado da falta de medidas de contenção e da não obrigatoriedade do uso de
máscaras foi a superlotação de hospitais e a explosão do número de mortes, que
chegou a 1,4 mil.
Para
voltar à China, o advogado brasileiro e a esposa precisaram apresentar teste
negativo de covid-19 no check-in e no embarque.
Na
semana passada, a capital Pequim entrou em estado de alerta após diagnosticar
os primeiros casos de coronavírus em 133 dias. Essa medida fez reforçar o
controle nos aeroportos e estações de trem em Wuhan, mas não alterou
completamente a rotina.
“Desde
o começo da pandemia, o Estado chinês declarou guerra popular. Então, o povo chinês está em guerra
contra o vírus”, enfatiza Peneluppi. “Todo mundo tem
responsabilidade como indivíduo, como coletivo, de tomar ações e cuidar do
país. Enquanto no Brasil ou em qualquer país do mundo houver essa doença, eles
acham que tem que manter esse estado de prontidão, que é a única forma de se
proteger.”
A
virada do ano em Wuhan reuniu mais de 1 milhão de chineses, que se deslocaram
de várias partes do país para enaltecer a resiliência e a disciplina dos
cidadãos no enfrentamento ao vírus.
“As
pessoas soltavam bexigas em formato de coração ou de estrela, e todo mundo
exaltava Wuhan como cidade heroína, a cidade que venceu o vírus. Todos muito
felizes, tranquilos, mas sempre de máscara”, ressalta.
Peneluppi
elogia a consciência coletiva dos
chineses e lembra que a vacina não é vista pela população
como sinônimo de fim da pandemia.
“O
combate à covid-19 na China tem sido tão eficiente que a vacina não é vista
pelo povo ou pelo governo como decisiva contra o vírus, mas como mais um
instrumento a mais, para somar nessa luta”, explica.
Desde
o final de setembro, a vacina tem sido aplicada em trabalhadores de aeroportos
e empresas aéreas, militares e corpo diplomático. Na última semana, começaram
campanhas de vacinação específicas em Pequim e na região de Shenzhen, para
evitar a entrada de infectados na fronteira com Hong Kong.
Leia também: China amplia vacinação e pretende
imunizar toda a população até fevereiro
O
advogado brasileiro interpreta que a covid-19 serviu como um
“processo disruptivo” na China, em que tecnologias usadas para outras
finalidades passaram a ser implementadas contra a doença.
“O QR code, que era
usado para crédito social, passou a ser usado para gestão de rastreamento da
doença. No próprio mapeamento da doença, tratamento, segurança
sanitária, EPIs, desenvolvimento da vacina, os avanços e as disrupções
tecnológicas ficaram bem claras”, enumera.
“No
que tange a tecnologia social, também chamou atenção a forma de fazer o lockdown.
A questão não é fechar, mas onde fechar e de que forma abrir, em que
condições, e com quais garantias.”
O lockdown em
Wuhan durou 76 dias. A covid-19 matou, ao todo, 3.869 pessoas na cidade, o
equivalente a 83% de todos os óbitos registrados na China.
Edição: Leandro Melito
Fonte:
Brasil de Fato