Antes da
pandemia era um quarto, agora é um terço o total da força de trabalho
subutilizada no país
(Foto: Reprodução | Amanda Perobelli/Reuters)
César Locatelli - A pandemia agravou bem o nonsense que tem dominado a
realidade brasileira: desde muito antes da pandemia temos capacidade ociosa,
trabalhadores subutilizados e reservas em moeda forte, mas não conseguimos
transformar esse conjunto de fatores em produção. Temos a faca e o queijo, mas
somos prisioneiros de ideologias conservadoras fantasiadas de teoria econômica,
escravos de algum economista morto, como diria Keynes.
O dado mais
recente sobre o trabalho no Brasil dá conta que tínhamos uma taxa de
desocupação de 14,3% no trimestre agosto-setembro-outubro de 2020. É o que
repetem as manchetes dos meios de comunicação de massa. Entretanto, para
compreender melhor o que ocorre de fato com a atividade dos trabalhadores
brasileiros precisamos de algumas informações adicionais.
A taxa de desocupação
Importante
entender que, pela metodologia adotada
pelo IBGE, desocupadas são as pessoas, sem trabalho na semana pesquisada, que
tomaram alguma providência efetiva para conseguir uma ocupação no período de
referência de 30 dias. Além disso, só são considerados desocupados aqueles que
estavam disponíveis para assumir o novo trabalho na semana pesquisada. Do
universo brasileiro de 98 milhões de pessoas na força de trabalho, a pesquisa
estimou que havia 84 milhões de pessoas ocupadas e 14 milhões de pessoas
desocupadas. Isso nos revela uma taxa de desocupação de 14,3%. Essa taxa,
entretanto, não conta toda a história. Tomada isoladamente, o desemprego dado
pela taxa de desocupação transmite uma impressão de que o quadro é muito melhor
do que a realidade.
A queda da força de trabalho
Além
dessas 14 milhões de pessoas desocupadas, os dados da PNAD mostram
também que mais de 8 milhões de pessoas deixaram a força de trabalho, na
comparação com o mesmo trimestre do ano passado. O que isso significa? Bem,
como a força de trabalho é composta de pessoas que ou estão ocupadas ou que
tomaram alguma providência para conseguir uma ocupação, essas 8 milhões de
pessoas não são consideradas para o cálculo do desemprego.
Por algum motivo,
elas estavam ocupadas ou procurando trabalho em 2019 e não estão mais em
nenhuma das duas condições. São pessoas que deixaram de fazer parte da força de
trabalho. E a taxa de desocupação não revela que além do 14 milhões de
desempregados, 8 milhões de pessoas deixaram de compor a força de trabalho na
comparação entre os mesmo trimestres de 2019 e 2020.
O crescimento das pessoas em idade de
trabalhar
Dentre
todas as pessoas em idade de trabalhar, 171,3 milhões em 2019 e 175,5 milhões
em 2020, estavam na força de trabalho, ocupadas ou desocupadas, 106,4 milhões
em 2019 e 98,4 milhões em 2020. Veja que a comparação entre os dois primeiros
números, pessoas em idade de trabalhar, mostra um crescimento de pouco mais de
4 milhões. Em outras palavras 4 milhões de pessoas entraram em idade de
trabalhar. Mas mesmo assim, a comparação entre o número de pessoas na força de
trabalho revela redução de 8 milhões. O que quer dizer que apesar de terem
entrado pouco mais de 4 milhões de pessoas na idade de trabalhar, esse
contingente não entrou na força de trabalho e ainda outros 8 milhões saíram.
Ressaltemos que estamos falando de 12 milhões de pessoas que não fazem parte
daqueles 14,3%.
Taxa de
participação na força de trabalho
No
trimestre terminado em outubro de 2019, o país tinha 106,4 milhões na força de
trabalho e 171,3 milhões em idade de trabalhar. A divisão do primeiro pelo
segundo nos dá a taxa de participação na força de trabalho: 62,1% naquele
trimestre.
Se
tivéssemos, em 2020, mantido a taxa de participação na força de trabalho de
62,1% do mesmo trimestre de 2019, teríamos um contingente, entre ocupados e desocupados,
de 109 milhões de pessoas, resultante do cálculo de 62,1% de 175.5 milhões de
pessoas em idade de trabalhar.
Como
temos 84,3 milhões de pessoas ocupadas, nosso grupo desocupado cresceria em
quase 11 milhões de pessoas, para 25 milhões de desocupados. Uma taxa de
desocupação de 23%. Um número que revela a realidade com mais fidelidade do que
14,3% que aparece nas manchetes.
Subutilização da força de trabalho
Como o
relatório do IBGE mostra esses contingentes que não estão incluídos na taxa de
desemprego? Entremos um pouco mais profundamente na metodologia do IBGE para as
questões mais amplas relativas à subutilização da
força de trabalho, que nos fornece dados que complementam a informação, contida
na taxa de desocupação, sobre a procura por trabalho gerada na economia de um
país ou região.
O
primeiro grupo é composto por trabalhadores com ocupação, que trabalhavam menos
de 40 horas por semana, mas que gostariam e estariam disponíveis para trabalhar
mais horas. Esse grupo, que recebe o nome de “pessoas subocupadas por
insuficiência de horas trabalhadas”, representava 6,5 milhões de pessoas no
trimestre que estamos avaliando. Elas fazem parte das 84 milhões de pessoas
ocupadas, mas que foram consideradas subocupadas pois trabalhavam menos horas
do que gostariam.
O
segundo grupo é formado por aqueles que não têm uma ocupação, que procuraram
trabalho, mas, por alguma razão, não estavam disponíveis para trabalhar na
semana de referência. Como para ser considerado desocupado o trabalhador
precisa estar disponível para começar o trabalho naquela semana, esse grupo não
é agregado aos 14 milhões de desocupadas. No período que estudamos aqui esse
contingente era formado por 6,2 milhões de pessoas.
Os
desalentados compõem o terceiro grupo. São aqueles que não têm uma ocupação,
querem trabalhar, estão disponíveis, mas não procuraram emprego. Os
desalentados somaram 5,8 milhões de pessoas no período.
Assim
somando os desocupados (14 milhões), os subocupados (6,5 milhões), aqueles que
não podiam começar a trabalhar naquela semana da pesquisa (6,2 milhões) e os
desalentados (5,8 milhões) temos o número total de pessoas que poderiam estar
produzindo, mas a economia brasileira não os utilizou no trimestre em estudo:
32,5 milhões. Aqui estão aqueles que estão desocupados, aqueles que trabalham
menos do que queriam, aqueles procuraram emprego e não estavam disponíveis para
começar a trabalhar e aqueles que querem trabalhar e não procuraram emprego por
desalento. Esse número era 27,1 milhões no mesmo trimestre de 2019.
Podemos
até argumentar que os subocupados (6,4 milhões) ao menos tem alguma renda.
Mesmo assim ainda sobram 26 milhões de pessoas sem emprego e, portanto, sem
renda. Número bem superior aos 14 milhões que circula na mídia.
Em
diferentes períodos históricos, em diferentes países, o que impedia uma maior produção
era a falta de mão de obra ou de meios de produção ou de moeda forte para
comprar insumos. O Brasil tem os três em abundância, desde muito antes da
pandemia.