Banco
estatal favoreceu a empresa americana AES Corp, que ofereceu menos do que a
concorrente Eneva, e derrubou em mais de 10% os papéis da AES Tietê
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BNDES credencia 22 bancos para programa emergencial de acesso a crédito (Foto: REUTERS/Sergio Moraes) |
247 - O BNDES surpreendeu o mercado hoje ao decidir vender sua
participação na geradora de energia AES Tietê ao grupo americano AES Corp., que
já deu vários calotes ao banco estatal no passado. A surpresa deve-se ao fato
de a proposta dos americanos ser mais baixa do que a do concorrente no processo
e se refletiu imediatamente no preço das ações da geradora: os papéis da AES
Tietê caíam mais de 10% no final da manhã.
Vai ser difícil
para o banco explicar porque esnobou a proposta da concorrente, a também
geradora Eneva, considerada superior por viabilizar a fusão entre as duas geradoras,
criando um gigante do setor elétrico. Isso significaria que, além de receber um
prêmio de 17% ante o valor de mercado por parte de sua participação, o BNDES se
tornaria sócio de uma empresa maior e com grande capacidade de crescimento. A
proposta também agradou por estender os benefícios aos demais minoritários da
AES Tietê, incluindo a Eletrobras.
Apesar de tudo isso, o BNDES decidiu
beneficiar a AES Corp, que ofereceu um preço mais baixo e vai comprar apenas
18,5% dos 28,41% da participação do banco.
Para o mercado, a decisão beneficiou uma
empresa que, além de pagar menos pelas ações, tem um passado obscuro na relação
com o banco e já deixou claro publicamente que não respeitará os direitos dos
minoritários da AES Tietê.
Histórico de
calotes
O primeiro calote da AES Corp. ao BNDES
aconteceu em 1999, quando os americanos não pagaram e pediram para renegociar
as parcelas do financiamento recebido para adquirir a Eletropaulo. Mesmo depois
da renegociação, já em abril de 2002 a AES Corp. voltou a atrasar os pagamentos
e pedir para refinanciar sua dívida. Não foi suficiente: novo calote aconteceu
em setembro daquele ano.
O ano de 2003
começou com novos calotes da AES Corp. e suas subsidiárias nos meses de
janeiro, fevereiro e abril. A postura arrogante e o contínuo descumprimento de
compromissos por parte dos americanos levou o então presidente da Eletrobras,
Luiz Pinguelli Rosa a propor a reestatização da Eletropaulo: “Eles vieram,
levaram a empresa com dinheiro público e continuam tratando o País como uma
quitanda. É a maior sacanagem”, desabafou, numa entrevista à revista IstoÉ.
O BNDES tentava resolver a situação com a
AES Corp. por meio de acordo, mas sempre esbarrava no comportamento ardiloso
dos americanos. Uma tentativa de solucionar o problema da dívida foi a criação
de uma nova sociedade entre as duas partes, a Novacom, que receberia um aporte
de US$ 600 milhões do banco e reuniria os ativos da Eletropaulo, AES
Uruguaiana, AES Tietê e AES Sul.
Tudo parecia resolvido até o BNDES
perceber que um dos ativos do acordo, a AES Tietê, já tinha sido dada pelos
americanos como garantia a um empréstimo de US$ 300 milhões na Argentina. Além
disso, descobriu-se que a empresa era controlada por três diferentes holdings
sediadas em paraísos fiscais, numa tentativa de blindar seu capital de qualquer
tipo de ação por parte do banco.
Em entrevista à
revista Época, o então presidente do BNDES, Carlos Lessa, deixava clara a
insatisfação com o comportamento ardiloso dos americanos:
“Uma empresa que está em 34 países não
pode deixar de nos pagar. Senão cadê minha moral para cobrar da fabriqueta de
farinha? Alguém que nos deve US$ 1,2 bilhão não pode chegar e dizer apenas
“Refinancie!”. Ou a AES nos paga ou devolve a Eletropaulo”, ameaçou.
A solução encontrada pelo banco para
reduzir suas perdas foi entrar na sociedade da Brasiliana, empresa formada com
a maior parte dos bens da AES Corp. no Brasil. Mesmo assim, o banco foi
obrigado, à época, a perdoar juros de mora da ordem de US$ 193 milhões para
solucionar o caso.
A arrogância da AES Corp. em relação ao
Brasil não se resume aos seguidos calotes contra o BNDES. No processo de
discussão sobre uma possível fusão com da AES Tietê com a Eneva, os americanos
disseram publicamente que não reconheceriam o direito a voto dos acionistas
minoritários na análise da operação.
O problema é que as ações da AES Tietê são
negociadas no nível 2 da B3, cujo regulamento é explícito em determinar que,
nos casos de combinação de negócios, os detentores de ações preferenciais
também têm direito a voto na análise da operação. A postura dos americanos fez
a B3 divulgar publicamente um parecer reforçando o direito dos minoritários.
“A mudança de regras durante eventual
evento societário não é uma melhor prática e dá margem a questionamentos sobre
as reais intenções das partes”, avaliou o presidente da Associação dos
Investidores de Mercado de Capitais (Amec), Fábio Coelho, sobre a atitude da
AES Corp.