Com apenas um ano, governo acumula muitas derrotas, algumas vitórias e
um conjunto de escândalos, aponta reportagem de Caroline Oliveira, no Brasil de
Fato
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(Foto: Reuters | Reprodução) |
Por
Caroline Oliveira, no Brasil de Fato – O primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem
partido) foi marcado por demissões no Executivo, derrotas no Congresso Nacional
e no Supremo Tribunal Federal (STF) e suspeitas de ilegalidades envolvendo
familiares e pessoas próximas ao presidente. Isso sem esquecer das intrigas
germinadas pelo Twitter – novo Diário Oficial da União – e das polêmicas ditas
durante as coletivas de imprensa.
Crise
no PSL
A página mais recente desse
governo envolveu uma das crises de maior amplitude no Partido Social
Liberal (PSL), que rachou a sigla entre as alas bolsonarista e
bivarista. Nos bastidores, o capitão reformado, que está sem partido há pouco
mais de um mês, e Luciano Bivar, o presidente nacional do PSL, vivem uma queda
de braço que pode proporcionar ao partido uma queda tão avassaladora quanto foi
sua ascensão.
A crise levará a 2020 um PSL desidratado, enquanto a Aliança pelo
Brasil – partido criado por Bolsonaro, para onde deve migrar a ala bolsonarista
– luta para garantir a sua autenticação antes das eleições municipais.
Do outro lado, a ala
bivarista defende que o “novo PSL” deve deixar de lado o aspecto beligerante e
autoritário associado à ala bolsonarista. A própria deputada pesselista Joice
Hasselmann (SP), que foi líder do governo na Câmara dos Deputados e depois
rechaçada pelos bolsonaristas, afirmou que estes são “xiitas que desrespeitam a
democracia e atacam as instituições".
O ex-líder do partido na
Câmara, Delegado Waldir (GO), em entrevista ao Brasil de Fato,
afirmou que a ala do Bolsonaro teria como horizonte tomar o Supremo Tribunal
Federal (STF), derrubar os presidentes Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre
(DEM-AP) e acabar com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Esse é o grupo
deles, ok?” Ele também afirmou que, “na verdade”, Bolsonaro queria ter o
controle do partido e de todos os diretórios estaduais para a designar aos
cargos pessoas de sua alçada – “radicais em cada estado controlando a chave do
cofre”.
Sobre
o comportamento “autoritário” e “beligerante” do presidente, ou seja, a falta
de decoro, repercutido pelos seus seguidores, o cientista político Humberto
Dantas afirma que “Bolsonaro é um presidente de conflito em conflito, para quem
a lógica beligerante é confortável”.
“É uma característica dele,
que leva o governo, a todo instante, ao conflito, seja na família, contra os
militares, olavistas e a base governista. E nós? Nós vamos assistindo a esse
negócio que parece ser uma centrifugação de uma máquina de lavar que não tem
fim”, analisa Dantas.
Zero
Um e as rachadinhas
Mais
uma página do governo Bolsonaro: quando o assunto é Fabrício Queiroz e Flávio
Bolsonaro, o presidente afirma que nada tem a ver com o assunto. Mas, para 68%
da população, o envolvimento do "Zero Um" no esquema de rachadinhas,
detona a imagem do governo do presidente, segundo pesquisa da consultoria
Quaest.
O esquema funcionava da
seguinte maneira: os funcionários do gabinete do então deputado devolviam parte
de seus salários, que era recebida pelo ex-assessor Fabrício Queiroz, entre
2007 e 2018. O valor das transferências teria totalizado cerca de R$ 2 milhões.
Do salário, esse valor teria se integrado ao patrimônio pessoal de Flávio,
incluindo compra e revenda de imóveis e o investimento na loja de chocolates.
Questionado sobre o
ocorrido, em coletiva à imprensa, o capitão afirmou que o “Brasil é muito maior
do que pequenos problemas. Eu falo por mim. Problemas meus podem perguntar que
eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso". Fabrício Queiroz
se aproximou de Flávio por meio do presidente, que conhece - ex-assessor desde
1984 e pescavam juntos em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
Laranjal
No segundo semestre de 2019,
o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ministro do Turismo, Marcelo
Álvaro Antônio, e mais 10 pessoas pelo esquema de candidaturas laranjas do PSL
mineiro. De acordo com as informações da Polícia Federal, o partido lançou
mulheres nas eleições de 2018 para cumprir a cota exigida pela legislação
eleitoral.
As verbas das candidaturas,
no entanto, teriam sido desviadas para um esquema criminoso. O atual ministro,
até então presidente estadual do partido, foi acusado pelo MPF de possuir
“total domínio do fato, controle pleno da situação, com poder de decidir a continuidade
ou interrupção do repasse de recursos do fundo partidário”.
Segundo o promotor de
Justiça Eleitoral, Fernando Abreu, “o que se percebeu, de acordo com a prova
dos autos, foi a formação de uma associação criminosa com o objetivo de
direcionar recursos recebidos pelas candidatas mulheres para candidatos
homens”. Diante de tais constatações, chegou-se a Marcelo como uma das lideranças do esquema.
Ainda que sobre o ministro
pesem expressivas acusações, o presidente Jair Bolsonaro decidiu manter Álvaro
Antônio no cargo. “Ele não chegou ao final da linha. Se for algo de grave,
substancioso, a gente toma uma decisão. Ele está fazendo um brilhante trabalho,
afirmou em entrevista ao Estadão.
Jair Bolsonaro e o ministro
do Turismo Marcelo Álvaro Antônio na cerimônia de posse dos ministros. (Foto:
Valter Campanato/Agência Brasil)
Ministros
demitidos
Diferente do crédito dado a
Marcelo Álvaro Antônio, o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência,
Gustavo Bebianno foi despachado no segundo mês do governo, dando o tom dos
próximos.
O caso ganhou força quando,
em 10 de fevereiro, o jornal Folha de S.
Paulo apontou um repasse de R$ 400 mil do fundo partidário do PSL para
uma suposta candidata laranja nas eleições. Bebianno, na época, era responsável
formal pelos repasses a candidatos.
Ao jornal O Globo, o ex-ministro afirmou que a
divulgação da reportagem não causou “crise nenhuma” e que só naquele dia havia
falado três vezes com o presidente, por telefone. A narrativa, no entanto, foi
negada por Carlos Bolsonaro e pelo próprio capitão. O destino do ex-ministro
foi a demissão. Em seu lugar, entrou Floriano Peixoto Vieira Neto, também
demitido, sucedido por Jorge Oliveira.
Depois de Gustavo Bebianno,
foi a vez de Ricardo Vélez Rodríguez, destituído do cargo de ministro da
Educação. Em abril, o presidente afirmou que faltava gestão na pasta, palco de
polêmicas e recuos. Em seu lugar, foi nomeado o economista Abraham Weintraub,
que já atuava no governo como secretário-executivo da Casa Civil.
Durante seus 96 dias de
gestão, 19 pessoas foram exoneradas da pasta, o que colocou em risco o
andamento de projetos expressivos como a Base Nacional Comum Curricular e até mesmo o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem). Entre as propostas que sofreram
um recuo forçado, estavam a implementação de livros escolares sem referências
bibliográficas, do hino nacional em todas as instituições de ensino e de uma
portaria que pretendia revogar por dois anos a avaliação de alfabetização de
crianças.
O terceiro ministro a ser
demitido foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que estava a frente da
Secretaria de Governo – em seu lugar, foi colocado o general Luiz Eduardo
Ramos. Santos Cruz representava a ala militar do governo que sempre esteve em
conflito com a ala ideológica, encabeçada pelo escritor Olavo de
Carvalho.
No primeiro semestre do
governo, em entrevista ao jornal O
Estado de S. Paulo, Santos Cruz defendeu a regulamentação das redes
sociais. "Isso tem de ser feito. As pessoas de bom senso têm de atuar mais
para chamar as pessoas à consciência de que a gente precisa dialogar mais, e
não brigar.” Em suas redes sociais, Olavo de Carvalho reagiu: "Controlar a
internet, Santos Cruz? Controlar a sua boca, seu merda".
Entre
vitórias e derrotas
Eleito com um discurso de
“nova política” e preterindo as articulações entre os poderes, Bolsonaro, que
esteve no Congresso Nacional como deputado por 27 anos, viu seu discurso se
desmanchar no ar quando ocupou a cadeira da Presidência da República. Sua
tentativa de forçar a aprovação de projetos sem nenhum diálogo com o poder
Legislativo foi por água abaixo, e as aprovações só foram possível depois de
mudanças no script presidencial.
“Em relação ao legislativo,
ele não conseguiu impor uma pauta sua significativa e viu o seu partido se
esfacelar ao ponto de ele mesmo deixar a legenda”, afirma o cientista político
Humberto Dantas. “Em nenhum momento ele foi um presidente com um discurso
agregador”.
Para Dantas, é pouco
provável que esse comportamento mude: “ao contrário do que dizem, não acho que
seja uma estratégia, mas uma característica de Bolsonaro. Ele nunca serviria
como agregador. Isso pode durar alguns dias, mas não se sustenta. Bolsonaro
gosta do conflito, da polêmica, de visualizar inimigos até mesmo onde não existe”.
Os presidentes da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia (à esquerda), e do Senado, Davi Alcolumbre. (Foto:
Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Congresso
Nacional e STF
Algumas Medidas Provisórias
(MP) editadas pelo governo caducaram no Congresso Nacional ou foram barradas no
STF. Uma das medidas que caducou foi 867, que ampliava o prazo para a adesão ao
Programa de Regularização Ambiental (PRA). Com o término do tempo para a
votação, Bolsonaro editou outra MP extinguindo o prazo para os proprietários de
terra realizarem o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Com isso, o limite de tempo
para cadastramento no PRA também foi extinto.
A MP 870/2019, que promovia
a reforma administrativa, também previa a transferência do antigo Conselho de Controle das
Atividades Financeiras (Coaf) – hoje Unidade de Inteligência
Financeira (UIF) – do Ministério da Economia para o Ministério da Justiça e
Segurança Pública. O maior interessado, Sergio Moro, no entanto, foi derrotado
na Câmara e depois no Senado, que devolveram o Coaf para Paulo Guedes. Junto
com a MP, também estava prevista a mudança da Fundação Nacional do Índio
(Funai) do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos, comandado por Damares Alves. O Congresso, entretanto, manteve
a pasta com Sergio Moro.
No Pacote Anticrime, do
ministro Sergio Moro, três pontos foram rejeitados pelo Congresso Nacional. O
mais significativo foi o excludente de ilicitude, que permitiria reduzir a pena
ou deixar de aplicá-la em casos de excesso em ações de agentes de segurança
públicos que decorressem “de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. A
prisão em segunda instância e plea
bargain – um acordo entre defesa e acusação a fim de concluir o
processo em troca de redução de pena – também caíram.
Dois decretos também foram
rejeitados no Congresso Nacional. O mais importante deles, que configurou uma
derrota significativa para Bolsonaro, foi a rejeição ao decreto que
flexibilizava a posse e o porte de armas, por 47 a 28 votos, no Senado. Na
Câmara, logo no início do ano, o decreto que ampliava o rol de autoridades com
o poder de classificar documentos como secretos (15 anos de sigilo) e
ultrassecretos (25 anos de sigilo) foi rejeitado. Na prática, esse decreto
diminuiria a abrangência da Lei de Acesso à Informação.
Em junho, pela primeira vez,
o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou uma ação que contesta o ato
presidencial que extinguia os conselhos de administração pública federal
amparados por lei. Pouco antes, o ministro do STF Luís Roberto Barroso
suspendeu a MP 886, que transferia a atividade de demarcação de terras da Funai
para o Ministério da Agricultura. Mais derrotas para Bolsonaro.
Até o dia 18 de dezembro,
foram contabilizadas 41 medidas provisórias: 10 foram convertidas em lei, 11
tiveram a vigência encerrada e outras 20 ainda estão em tramitação. Quanto aos
decretos, o governo Bolsonaro termina 2019 com 2.019 decretos revogados e 517
editados.
“A gente ainda precisa
refletir sobre quem de fato venceu”, afirma o cientista político Humberto
Dantas sobre a Reforma da Previdência. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência
Brasil)
Principais
vitórias
Para o cientista político
Humberto Dantas, o principal projeto a ser analisado é a Reforma da
Previdência. “A gente ainda precisa refletir sobre quem de fato venceu”, já que
o projeto enviado ao Congresso Nacional pelo ministro da Economia, Paulo
Guedes, e por Jair Bolsonaro ou se o que viu foi uma vitória dos presidentes da
Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, respectivamente – ambos do
DEM. No projeto da Reforma da Previdência, alguns pontos foram retirados pelo
Congresso Nacional, configurando uma derrota para o governo,
como o sistema de capitalização e as mudanças no Benefício de Prestação Continuada
(BPC) e na aposentadoria rural.
Uma das vitórias mais
significativas foi o aval dado ao presidente pelo Congresso Nacional para que o
Executivo pudesse contrair uma dívida de quase R$ 249 bilhões. O valor foi
necessário para cobrir despesas da administração pública, como aposentadorias
do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Bolsa Família e subsídios para
fazendeiros.
A autorização era
inevitável, porque a Regra de Ouro não permite que a União se endivide para
sanar gastos da administração pública. Caso o Congresso não aceitasse o pedido
do presidente, este poderia sofrer um impeachment caso viesse a descumprir a
regra.
Outra significativa vitória
foi a aprovação do STF para a privatização de subsidiárias estatais – empresas
controladas por companhias públicas – sem passar pela avaliação do Congresso. A
Corte, no entanto, determinou que a venda de estatais matrizes, como Petrobras,
Eletrobras e Banco do Brasil, devem passar necessariamente pela aprovação dos
parlamentares.
Por fim, no âmbito das
relações exteriores, no primeiro semestre do ano foi anunciado um futuro acordo
comercial entre União Europeia e o Mercosul. Um acordo que vinha se arrastando
para ser concretizado já há 20 anos. De acordo com dados do Ministério da
Economia, a resolução deve elevar o Produto Interno Bruto (PIB) do país a R$
336 bilhões em 15 anos. Esse valor pode aumentar se for levado em consideração
a redução de barreiras não tarifárias.
Elefante
numa casa de porcelana
Mesmo diante de algumas
vitórias expressivas para o seu governo, o capitão reformado tem em sua estante
mais derrotas do que prêmios como consequência de seu comportamento. Para o
professor de ciências humanas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
Michel Zaidan Filho, Bolsonaro “corre o risco de perder o mandato ou ficar sem
aprovar parte de sua agenda ultraliberal”.
“Ele é como Fernando Collor,
quer empurrar de goela abaixo uma agenda. Mas com esse Congresso cheio de
partidos é muito difícil bater de frente. Se bate, acaba se isolando”.
Para Zaidan Filho, “a
mentalidade castrense militar não deixar ele entender que mesmo diante da
mercadoria mais vendável é preciso ter jeito para poder comprá-la. (…) Ele é um
elefante numa casa de porcelana: muitas vezes, quebra tudo”.