"O
que se testemunhou ontem à saída do Palácio da Alvorada, residência oficial do
presidente da República, foi muito além do tolerável até para o grosseiro
padrão do bolsonarismo. Tal comportamento envergonha os cidadãos e enxovalha o
País", aponta editorial do jornal que dialoga com a elite empresarial do
País. Descontrolado pelos escândalos de corrupção da família, Bolsonaro
perguntou a um jornalista se ele teria o comprovante de que sua mãe tinha mesmo
dado para seu pai
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(Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil) |
247 – O jornal Estado de S. Paulo, que dialoga com a elite
empresarial do Brasil, avalia que Jair Bolsonaro quebrou o decoro ao agredir
jornalistas na saída do Palácio da Alvorada – o que significa que ele já pode
sofrer um processo de impeachment por emporcalhar a presidência da República.
Leia, abaixo, o editorial "Quebra de decoro" e assista também
entrevista com o jurista Marcelo Uchôa sobre o tema:
Quebra de decoro
O presidente Jair Bolsonaro faltou com o
decoro necessário para o exercício do cargo ao reagir raivosamente ao noticiário
sobre as suspeitas envolvendo seu filho Flávio.
Na saída do Palácio da Alvorada,
Bolsonaro, sob aplausos dos simpatizantes que ali estavam, ofendeu jornalistas
que o questionaram, acusou sem provas o governador do Rio de Janeiro, Wilson
Witzel, de manipular o caso para prejudicá-lo e insinuou que o juiz do processo
tem interesse em fazer as vontades do governador, já que uma filha do
magistrado é funcionária do Estado.
A reação truculenta do presidente
surpreendeu mesmo aqueles que acompanharam sua trajetória política até aqui e
testemunharam seu destempero em diversas ocasiões.
É fato que Bolsonaro transformou sua
retórica inflamada e muitas vezes ofensiva em uma marca pessoal, vista por seus
apoiadores como sinal de sua “autenticidade” como político, destacando-se dos
demais por ter a coragem de dizer em voz alta, em público, o que os demais não
sussurram nem quando estão sozinhos. Foi dessa maneira que Bolsonaro construiu
a imagem de um outsider político, a despeito do fato de estar na política há três
décadas.
Também é fato que
Bolsonaro, desde que assumiu a Presidência, costuma recorrer à agressividade
sempre que precisa mobilizar a militância bolsonarista para intimidar
adversários políticos. A esta altura está claro que Bolsonaro não conhece outras
formas de fazer política.
No entanto, o que se testemunhou ontem à
saída do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República,
foi muito além do tolerável até para o grosseiro padrão do bolsonarismo. Já
seria indecoroso mesmo se Bolsonaro fosse apenas um deputado federal do baixo
clero; como presidente da República, tal comportamento envergonha os cidadãos e
enxovalha o País.
Nada justifica que o presidente tenha se
dirigido a jornalistas da forma como fez, com ofensas ginasianas a respeito da
sexualidade de um repórter e do comportamento da mãe de outro. Que Bolsonaro
tem dificuldades em lidar com a imprensa já está claro a esta altura – e não é
o primeiro nem, provavelmente, será o último presidente a ter rusgas com
jornalistas e veículos. Tampouco é segredo que Bolsonaro antagoniza a imprensa
com o objetivo de desmoralizar o noticiário que lhe é desfavorável – e isso
também não é novidade no mundo da política. Desta vez, porém, não há cálculo
político que desculpe ou relativize o tom de Bolsonaro, próprio de arruaceiros
que chamam desafetos para uma briga de rua.
Ao agir dessa
maneira, Bolsonaro não apenas se apequena como presidente, como dá a entender
que está acuado diante das suspeitas que recaem sobre seu filho Flávio – o
senador teria se beneficiado de esquema de desvio de recursos públicos e
lavagem de dinheiro quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. O caso todo
ainda tem muitos pontos obscuros e é preciso aguardar que a polícia e o
Ministério Público concluam seu trabalho e os tribunais punam quem deve ser
punido, quando for a hora. No momento, o interesse no caso é basicamente
político, com potencial para prejudicar o presidente – razão pela qual
Bolsonaro faria bem se tratasse o noticiário com a maior discrição possível,
pois é preciso preservar a Presidência, da qual depende a governabilidade do
País.
Mas o presidente parece simplesmente
incapaz de se comportar de acordo com o cargo que ocupa e de compreender que
esses maus modos, ao criar atritos e cizânias, podem prejudicar a recuperação
do País justamente no momento em que se verificam bons sinais na
economia.
O decoro no exercício da Presidência não é
um capricho; é, antes, a consciência da responsabilidade – e dos limites – de
quem conduz os rumos da nação, como chefe de Estado e de governo. Não é
qualquer um que pode ocupar a cadeira presidencial, por mais que o atual
presidente queira apresentar-se como um homem comum. A deferência ao cargo de
presidente da República é, antes de mais nada, deferência à própria noção de
República, em que todos devem se submeter à lei – e mesmo a mais alta
autoridade do País não pode fazer ou dizer o que lhe dá na cabeça. Honestidade
e compostura devem emanar da cadeira presidencial.