Turma tem 49 estudantes vindos de 15 estados
brasileiros, além de dois haitianos e uma venezuelana
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Formatura da turma Nilce de Souza Magalhães será nesta terça (17) / Joka Madruga |
Camponeses,
quilombolas, migrantes, moradores de comunidades tradicionais vão protagonizar
um dia histórico para a Universidade Federal do Paraná (UFPR), nesta
terça-feira (17). Depois de cinco anos de estudos, chegou o dia da
formatura de 49 estudantes de Direito pelo Programa Nacional de Educação da
Reforma Agrária (Pronera). A turma “Nilce de Souza Magalhães” é composta por
graduandos de 15 estados, de todas as regiões do Brasil, além de dois haitianos
e uma venezuelana.
A
diversidade entre o grupo de formandos destoa dos cursos regulares:
cinco são quilombolas, 48,8% se reconhecem como negros e 76,19% viveram a
maior parte da vida no meio rural. Entre os futuros advogados e advogadas estão
militantes dos Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dos
Atingidos por Barragens (MAB), e dos Pequenos Agricultores (MPA), da
Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas - CONAQ, da Pastoral da
Juventude Rural (PJR) e da Comunidade de Fundo de Pasto.
O
paraninfo da turma é o advogado e professor Manoel Caetano, que atuou na defesa
de Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto o ex-presidente esteve preso em
Curitiba. A UFPR é a instituição em que o ex-juíz de primeira instância Sergio
Moro deu aulas até 2016.
O
reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, acompanha o projeto da turma desde o
debate sobre sua implantação, quando ainda era diretor do curso de Direito. Na
avaliação do reitor, a formatura é “um momento de orgulho”, que indica de
“maneira muito eloquente, como a universidade é um lugar de todos e de todas”.
“A universidade pública, as federais em particular, deixaram de ser um lugar de
elite. A universidade tem sido cada vez mais um espelho da diversidade
brasileira. Ainda não é como pode ser, mas muito caminho já foi trilhado",
aponta.
“A
formatura desta turma é uma grande vitória do povo trabalhador, do povo
brasileiro. É um orgulho para o MST concluir essa turma depois de
cinco anos e depois de muito enfrentamento”, comemora Ney Strozake,
advogado e militante no Setor de Direitos Humanos do MST.
Jaqueline
Pereira de Andrade, de 23 anos, é uma das formandas e resume a conclusão do
curso como uma grande conquista coletiva de todas as organizações e formas
populares de resistência. Ela faz parte de uma comunidade tradicional de Fundo
de Pasto do interior da Bahia, do município de Monte Santo. “A nossa realidade
é a de um povo que nunca teve acesso à educação superior, principalmente em
universidade pública”, explica, se referindo ao perfil geral dos formandos.
Os
estudantes da turma foram selecionados em 2014, por meio do Sistema de Seleção
Unificada (SiSU), que usa a nota do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), para
vagas suplementares no curso de Direito. Para acessar o Pronera, os candidatos
precisaram comprovar serem beneficiários da Reforma Agrária, ou, no caso de
quilombolas, apresentar documento expedido pela Fundação Cultural Palmares.
Batizada
de “Nilce de Souza Magalhães”, a turma homenageia a defensora de direitos
humanos assassinada em Jirau, Porto Velho (RO), em 2016. “Nicinha”, como era
conhecida, integrava o MAB e denunciava as violações de direitos cometidas pelo
consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR) na construção da Usina
Hidrelétrica de Jirau.
Aprovados na OAB e rumo à
pós-graduação
O
diploma ainda nem chegou e 19 estudantes da turma já passaram no exame da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), a prova que dá aos graduados em Direito a
condição de advogar. Sete estudantes também foram aprovados em cursos de pós
graduação da Universidade de Brasília (UnB), PUC-PR e UFPR.
Para
Ricardo Marcelo, os estudantes demonstraram, ao longo do curso, ter o mesmo
nível e qualidade dos matriculados nas demais turmas de Direito da instituição.
“Os alunos não deixaram nada a dever nos resultados da conclusão do curso. Os
resultados que vemos agora na aprovação da OAB e com acessos a cursos de
pós-graduação de excelência no nosso país só demonstram isso”.
O
ambiente da universidade segue sendo elitizado, no entanto, na avaliação de
Jaqueline de Andrade, políticas públicas como o Pronera trouxeram melhores
condições para que pessoas de menor renda também pudessem se inserir na
academia.
“O que
nos falta é acesso, porque quando a gente está nesses espaços, a gente
consegue”, garante a jovem, selecionada para o mestrado em Direito da UFPR e
primeira colocada na PUC-PR. A maioria dos integrantes da turma são os
primeiros da família a acessarem o ensino superior, como no caso de Jaqueline,
cujos pais estudaram os primeiros anos do ensino fundamental.
Missão dos advogados e
advogadas populares
Esta é
a quarta turma de Direito do Pronera a se formar, e outras duas estão em
andamento na Universidade Federal de Goiás, na Cidade de Goiás, e na
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), em Marabá.
Além
dos compromissos éticos aprendido ao longo do curso e firmados no momento da
colação de grau, os futuros advogados vão carregar as causas das suas origens
no dia a dia profissional: “Nossa tarefa é utilizar esse instrumento que é o
Direito a serviço do povo, da classe trabalhadora, para o que for preciso e no
espaço em que a gente estiver, seja na advocacia popular, na academia, no
judiciário. O importante é nunca esquecer de onde a gente veio”, reforça
Jaqueline Pereira de Andrade.
As
demandas da classe trabalhadora no campo do Direito são inúmeras, seja no apoio
às associações e cooperativa, ou nos temas relacionados às lutas populares,
conforme afirma Ney Strozake. “A missão do estudante de Direito que veio
do movimento social e fez o curso do Pronera é, depois de formado, se engajar e
colocar o seu diploma na defesa dos trabalhadores e de suas organizações”,
aponta o advogado do MST.
O
Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (Pronera) foi criado em 1998
pelo governo federal, e até o primeiro semestre de 2019 havia formado cerca de
5,9 mil pessoas, entre graduação e pós-graduação, conforme dados do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Cerca de 50 instituições
públicas de ensino superior já realizaram cursos de educação superior por meio
do Programa, em diversas áreas de ensino.
Edição:
Lia Bianchini
Fonte:
Bem Paraná