Documento final do Sínodo da Amazônia reconhece
liderança feminina, mas permissão seria para postos considerados menores
O papa Francisco reunido com os bispos no Sínodo da Amazônia, encerrado no domingo (27) / Vatican Media |
O papa Francisco
deve decidir até o fim do ano se acata as sugestões contidas no documento final do Sínodo da
Amazônia, encerrado no domingo (27) no Vaticano. Entre as
propostas aprovadas pelos bispos, está a permissão de casamento para padres e a
ordenação de mulheres como “leitoras” e “acólitas” – cuja função consiste em
auxiliar o diácono durante as missas. Para as mulheres, seria reservado ainda
um novo ministério, o das “dirigentes de comunidade”
O papa
pode ignorar as sugestões, acatar apenas para a Amazônia – o que é mais
provável, dentro da estratégia do Vaticano de expandir sua atuação na região –
ou fazer com que valham para toda a Igreja Católica.
Para Marinella Perroni,
biblista e fundadora da Coordenação de Teólogas Italianas, o Sínodo promoveu
avanços na discussão sobre o celibato e a participação das mulheres em
postos de comando, mas ela lembra que “as coisas são complexas” e que “os
tempos na igreja são sempre muito lentos”.
Confira
abaixo trechos da entrevista de Perroni publicada no jornal italiano La Stampa e
republicada no site do Instituto Humanitas
Unisinos (IHU), com tradução de Moisés Sbardelotto.
Pergunta: Os bispos se abrem
aos padres casados: qual a sua opinião?
Marinella Perroni: Os tempos da
Igreja são sempre muito lentos. Ainda no Concílio Vaticano II essa
reivindicação havia sido apresentada, e isso significa que está na vivência
real da Igreja há muito tempo. Paulo VI a bloqueou, ele não estava pronto, mas,
talvez, nem a Igreja estivesse pronta. Agora, uma petição semelhante passa por
maioria de votos em um Sínodo local, mas ao qual foi reconhecido um peso
considerável. Foram dados passos à frente.
Quais?
Podemos
dizer isso com um pouco de ironia: se foram necessários mais de 1.100 anos para
que, como diz o Segundo Concílio Lateranense (1139), a ordenação sacerdotal se
tornasse definitivamente um impedimento ao matrimônio, também podemos aceitar
que seja necessário mais de um século para o matrimônio não seja mais um
impedimento à ordenação!
Sem celibato, podem diminuir os
abusos e os desvios dos padres?
É claro
que os desvios, mas não só os sexuais, também os ligados à comida ou ao
dinheiro, são sempre expressão de um estado de desidentificação e de
frustração. Eu, no entanto, nunca aceitei a equação segundo a qual os desvios
sexuais dependeriam do estado celibatário. Testemunha disso são os abusos
familiares ou o turismo sexual, que vê homens casados na linha de frente.
Eventualmente, eu consideraria mais oportuno pensar na relação entre
masculinidade e abusos. Sem, por isso, querer fazer das mulheres uma reserva
humana de inocência, mas relacionando a questão dos abusos e dos desvios também
com a das diferentes formas de poder.
O papa Francisco anunciou que
irá convocar novamente a “Comissão sobre o Diaconato das Mulheres”: qual a sua
opinião?
Parece-me
que o papa disse que outros estudiosos também farão parte dela. Se os bispos
pediram isso, certamente significa que a exigência de que as mulheres na Igreja Católica assumam
ministérios hierárquicos nasce a partir de baixo. Fiquei impressionada que, no documento final,
no parágrafo dedicado ao serviço eclesial das mulheres, repete-se várias vezes
o termo “liderazgo” (liderança). Na minha opinião, seria necessário ir na
direção de que não se trata de instituir um diaconato
feminino, porque o diaconato na Igreja é um só, e a questão
autêntica é se ele pode ou até deve ser exercido também por mulheres.
O que a senhora acha da
ordenação feminina?
As
coisas são complexas de acordo com qual ordenação se trata. No documento final,
postula-se que seja revista o motu proprio de Paulo VI, Ministeria quaedam, de
1972, que praticamente excluiu as mulheres de qualquer ordenação, e que elas
possam ser ordenadas ao Leitorado e ao Acolitado, ou seja, a dois ministérios
considerados menores, mas mesmo assim recebidos por ordenação. O pedido também
foi feito em outros Sínodos e recusado. Agora foi aprovado por maioria.
Confirma-se, assim, que a passagem dolorosa está precisamente na palavra
“ordenação”, porque, de fato, as mulheres são leitoras e acólitas, e até muito
mais, decisivamente, há muito tempo.
Qual é a novidade?
Será
“instituído” um novo ministério ad hoc para as mulheres, o de “mulher dirigente
de comunidade”, e isso significa reconhecer uma realidade de fato, mas, mais
uma vez, à luz, senão de uma discriminação, de uma tendência ao apartheid: as
lideranças de comunidade não deveriam ser homens e mulheres?
Essas aberturas representam bem
as mudanças que estão ocorrendo dentro e ao redor da Igreja?
Dentro,
talvez. Fora, um pouco menos. A história do mundo hoje certamente corre muito
mais rápido do que a história da Igreja.
Edição: João Paulo
Soares
Fonte: Brasil de
Fato