Um dos
nomes mais influentes da imprensa conservadora, o jornalista Elio Gaspari agora
usa a palavra "armação" para se referir ao grampo feito por Sergio
Moro e sua equipe contra dois ex-presidentes – Lula e Dilma – e diz que ela foi
derrubada por um gol de mão armado pela turma da Lava Jato. "No dia 16 de
março de 2016, a República de Curitiba teve sua maior vitória. Como no gol de
Maradona, a bola foi ajeitada com a mão ", diz ele
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Gaspari agora diz que Dilma foi vítima de armação e que Moro fez gol de mão para derrubá-la |
247 – O jornalista
Elio Gaspari descreve com riqueza de detalhes a armação comandada por Sergio
Moro e sua equipe para derrubar a ex-presidente Dilma Rousseff, no golpe de
2016. Pela primeira vez, ele usa a palavra "armação" e sinaliza que o
time dos arrependidos pode estar crescendo. Confira a brilhante descrição dos
acontecimentos feita por ele:
Por Elio
Gaspari, em sua coluna no jornal O Globo – No dia 29 de março
de 2016, o juiz Sergio Moro pediu
“escusas” ao Supremo Tribunal Federal (STF) por
ter liberado a divulgação do áudio de um telefonema da presidente Dilma Rousseff a Lula. Os 95 segundos da conversa detonaram
a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil e deram mais um empurrão na
derrubada do governo petista.
Moro escreveu o seguinte:
“Diante da controvérsia decorrente do
levantamento do sigilo, compreendo que o entendimento então adotado possa ser
considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e
constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador provocar
tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este
Egrégio Supremo”.
Mensagens e grampos reunidos por uma
equipe da Folha de S.Paulo e do Intercept Brasil mostraram que a única coisa
verdadeira na carta de Moro era a data.
Moro e os procuradores quiseram, e
conseguiram, criar a polêmica e constrangimento.
A
armação, até as 13h32m do dia 16
Aos fatos:
A pedido de Moro, os telefones usados por
Lula estavam grampeados pela Polícia Federal (PF) desde o fim de fevereiro. No
dia 15 de março, a equipe que ouvia as conversas concluiu um relatório com 42
transcrições. A última havia ocorrido às 19h17m do dia 14.
Desde o dia 9 o procurador Deltan
Dallagnol sabia que Dilma havia oferecido a chefia da Casa Civil a Lula. A
informação veio de um agente da PF e, às 19h25m, Deltan solicitou ao delegado
Igor Romário de Paula que lhe conseguisse um CD com os grampos: “Estou sem nada
para ouvir no carro rsrsrs”.
No dia seguinte,
falando com o delegado, Deltan pediu para receber todo o conjunto que “pode ser
importante para indicar riscos à segurança e a condução”. Era voz corrente que
Lula poderia ser preso.
No dia 13, Moro alertou Dallagnol para a
possibilidade de mudança de foro do processo de Lula caso ele virasse ministro.
De fato, os grampos do dia seguinte informavam que Lula iria a Brasília para
conversar com Dilma, precisando de “meia hora sozinho com ela”.
Às 7h45m do dia 16, o procurador Carlos
Fernando dos Santos Lima perguntou qual a posição da Procuradoria-Geral com
relação ao assunto que discutiria dali a pouco com Moro. Tratava-se de saber o
que se faria com o relatório dos grampos. Carlos Fernando queria “abrir tudo”.
Ele sabia que Lula e Dilma estavam tomando
café da manhã juntos e explicou: “Por isso a urgência”.
Às 11h12m, Sergio Moro oficiou à PF a
suspensão da escuta dos telefones. Ali havia de tudo, da indecisão de Lula ao
seu espanto com o tamanho da manifestação do dia 13, quando 3,6 milhões de
pessoas foram para as ruas protestar contra o governo, e até assuntos
familiares, como uma cadeira de rodas para seu irmão Vavá.
Até as 12h58m, Moro não havia decidido
tirar o sigilo das 42 conversas transcritas pela Polícia Federal. Divulgadas,
elas prejudicariam a manobra, mas não teriam um efeito letal. Eram menos
escabrosas do que as gravações que o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado
vinha fazendo clandestinamente ao conversar com Romero Jucá, Renan Calheiros e
José Sarney.
O telefonema de Dilma muda tudo
Às 13h32m, Dilma telefonou para Lula,
avisando que o “Bessias”estava a caminho, levando o documento de sua nomeação
para chefia da Casa Civil.
Doze minutos depois, o jogo mudou. Numa
rapidez inédita, o agente federal Rodrigo Prado informou aos procuradores:
“Senhores: Dilma ligou para Lula avisando
que enviou uma pessoa para entregar em mãos o termo de posse de Lula. Ela diz
para ele ficar com esse termo de posse e só usar em ‘caso de necessidade’...
Estão preocupados se vamos tentar prendê-lo antes de publicarem no Diário
Oficial a nomeação do Lula”.
Às 13h46m, o Planalto divulgou a nomeação
de Lula para a chefia da Casa Civil.
Às 14h26m, o delegado Luciano Flores de
Lima mandou que Prado transcrevesse a conversa de Dilma com Lula, “sem
comentários”. Às 15h34m, o delegado narrou ao juiz Moro o conteúdo da conversa.
Às 16h21m, Moro levantou o sigilo de todos
os telefonemas, inclusive daqueles que ocorreram depois do seu despacho
suspendendo a escuta.
Às 17h21m, Moro disse a Deltan que havia
levantado o sigilo mas que “aqui não vou abrir a ninguém”. Minutos depois,
mandou uma mensagem urgente ao procurador, mas seu conteúdo não é conhecido.
“O mundo caiu”
Às 18h40m, ao vivo e a cores, o diálogo de
Dilma com Lula foi ao ar e o procurador Carlos Fernando registrou: “Tá na
GloboNews”.
Deltan comentou: “Ótimo dia. Rs”.
O procurador Athayde Costa arrematou: “O
mundo caiu”.
Caiu, mas todos sabiam o que haviam feito.
O procurador-geral Rodrigo Janot estava na
Suíça e seu chefe de gabinete, Eduardo Pelella, perguntou: “Vocês sabiam do
áudio da Dilma? (...) A gente não falou sobre isso”(19h17m).
Minutos antes, Deltan dissera que “por
cautela, falei com Pelella e deu ok”. Esquisito, porque ao saber que o grampo
de Dilma com Lula não estava no relatório da PF, Pelella espantou-se:
“Não estão nos relatórios? Caralho!!!”
(19h23m).
A partir das 21h, os procuradores de
Curitiba temem pelo que pode acontecer. O procurador Orlando Martello, que se
surpreendeu com a divulgação dos áudios, avisa:
“Estou preocupado com o Moro! (...) Vai
sobrar representação contra ele”.
Carlos Fernando concorda: “Vai, sim. E
contra nós. Sabíamos disso”.
A procuradora Laura Tessler entra na
conversa: “A população está do nosso lado, qualquer tentativa de intimidação
irá se voltar contra eles”.
Martello propõe: “Se acontecer algo com
Moro, renúncia coletiva MP, PF, RF”. (Ministério Público, Polícia Federal,
Receita Federal).
Carlos Fernando gostou da ideia:
“Por mim, ok. Adoro renunciar... Rsrsrs”.
Nessa troca de mensagens que foi das 21h
às 23h, os procuradores Andrey Borges de Mendonça e Antonio Carlos Welter
levantaram dúvidas quanto à legalidade da divulgação do grampo de Dilma com
Lula. Seis outros acompanharam a tese de Carlos Fernando para quem discutia-se
uma filigrana, prontificando-se a renunciar, indo à televisão para denunciar o
governo.
Não foram necessárias renúncias coletivas
nem entrevistas agressivas. A manobra teve o apoio da opinião pública, o
ministro Gilmar Mendes cassou a posse de Lula e seis meses depois Dilma
Rousseff foi deposta pelo Congresso.
No dia 16 de março de 2016, a República de
Curitiba teve sua maior vitória. Como no gol de Maradona, a bola foi ajeitada
com a mão (“de Deus”, como ele disse).
Cinco dias depois, trocando mensagens com
Deltan, Sergio Moro resumiu sua conduta:
“Não me arrependo do levantamento do
sigilo. Era a melhor decisão”.
Era?