A Segunda
Turma do STF começa a julgar nesta sexta-feira (13) o método de trabalho do
ex-juiz Sergio Moro. Os ministros vão decidir se o hoje ministro da Justiça
pulou o balcão para se tornar acusador por ter colhido depoimento da delação
premiada de Alberto Youssef e por ter juntado documentos aos autos depois das
alegações finais da defesa
Pedro Canário, Conjur - A
2ª Turma do Supremo Tribunal Federal começa a julgar nesta sexta-feira (13/9) o
método de trabalho do ex-juiz Sergio Moro. Os ministros vão decidir se o hoje
ministro da Justiça pulou o balcão para se tornar acusador por ter colhido
depoimento da delação premiada de Alberto Youssef e por ter juntado documentos
aos autos depois das alegações finais da defesa.
O julgamento vai ser virtual e deve durar
20 dias. Embora o caso se pareça bastante com o que ficou célebre na “lava
jato”, trata-se de um recurso em Habeas Corpus que denuncia a postura de Moro
no caso Banestado, a megaoperação que o deixou famoso, em 2003. Foi também
nesse caso que Alberto Youssef tornou-se parceiro dos investigadores do Paraná:
o doleiro fez acordo de delação premiada e entregou diversos concorrentes do
mercado de venda ilegal de dólares.
A partir das declarações e documentos
apresentados por Youssef, os investigadores — procuradores da República e
agentes da Polícia Federal reunidos na chamada força-tarefa CC-5 — acusaram
diversas pessoas de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. O caso que a 2ª
Turma começa a julgar nesta quinta é um recurso em Habeas Corpus de um dos
alvos da força-tarefa, o doleiro Paulo Roberto Krug.
De acordo com a defesa dele, feita pelos
advogados José Carlos Cal Garcia e Eduardo Toledo, Moro trabalhou ativamente
para condenar, e não para julgar, o doleiro. O advogado faz duas acusações, que
depois seriam repetidas por outros defensores no decorrer da “lava jato”.
A primeira é que Moro não foi apenas o
homologador da delação de Youssef. De acordo com memorial enviado aos ministros
da 2ª Turma, o ex-juiz tomou depoimentos de Youssef, juntou documentos aos
autos e negociou benefícios com o doleiro – um dia depois da assinatura do
acordo, Moro revogou duas prisões preventivas impostas ao doleiro, “tendo em
vista a cooperação do acusado para com este juízo”.
Cal Garcia aponta esse trecho da ordem de
revogação das preventivas como um ato falho. O acordo, oficialmente, foi
assinado com o Ministério Público Federal – ou com a força-tarefa CC-5, como
eles preferiam na época. E não com o juiz.
A segunda acusação
é que Moro, de ofício, anexou aos autos 800 documentos que não haviam sido
apresentados à defesa depois das alegações finais. Sem permitir, portanto, que
o réu se pronunciasse no que estava naqueles “documentos faltantes”, na
linguagem do ex-juiz. Com isso, afirma Cal Garcia, Moro agiu para complementar
a acusação, que era falha e não mencionava os documentos, depois usados para
basear a condenação.
Excesso de zelo
O advogado já levou as acusações ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao
Superior Tribunal de Justiça e ao ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo. E viu
seus pedidos negados por todos, com motivos parecidos: Moro tomou depoimento de
Youssef só depois que o acordo já estava assinado para aferir a legalidade da
delação e se ela atendeu aos requisitos da espontaneidade e voluntariedade —
critérios que só foram aparecer na Lei das Organizações Criminosas, de 2013.
Cal Garcia, no entanto, contesta a ordem
dos fatos. Em memorial distribuído aos ministros da 2ª Turma, ele afirma que
Moro conduziu as audiências em que foram firmados os acordos de delação de
Youssef e de Gabriel Nunes Pereira, cujo depoimento foi apenas a corroboração
das declarações do primeiro.
"Não houve mera homologação ou
controle de legalidade", diz o memorial. "Ocorreu, sim, audiência
sigilosa, com a participação do então juiz federal, na qual realizou-se a
oitiva do colaborador [Youssef] como
condição para a celebração do acordo e a concessão, naquele mesmo momento, de
benefícios como prêmio à confiança e cooperação."
O argumento do advogado foi apoiado por
parecer do professor Geraldo Prado, da UFRJ, anexado ao processo. "A
delação que tem por fim a obtenção de elementos informativos insere-se na
categoria geral da investigação criminal", diz o documento, assinado em
janeiro de 2013 — antes, portanto da Lei das Organizações Criminosas.
"Quando o presidente do ato de
homologação da delação é também o responsável pela inquirição de testemunhas na
investigação e reinquirição no processo, configura-se o que a doutrina denomina
de
'aglomeração quântica de poder', responsável por um crescente direito penal e
processual penal preventivo, fenômeno que não pode ser ignorado pela doutrina e
pelos tribunais em sua missão de garantir a fidelidade dos procedimentos penais
à Constituição", afirma o parecer.
Para o TRF-4, por exemplo, Moro fez
perguntas a Youssef “apenas para garantir a segurança da prova, bem como para
garantir que não estaria sendo extraída sob qualquer espécie de coação”. “Como
controlador do acordo realizado, o juízo nada mais estava fazendo do que
verificar se não haveria nenhuma ilegalidade que poderia vir em detrimento dos
demais envolvidos, inclusive do ora réu.”
A inclusão dos documentos depois das
alegações finais da acusação e da defesa, segundo os desembargadores do TRF-4,
está protegida pelos poderes do juiz de mandar produzir provas em busca da
“verdade real dos fatos”. Moro agiu, segundo o tribunal, dentro do que permite
o artigo 156 do Código de Processo Penal.
O STJ concordou: “Os acordos de delação
premiada foram celebrados entre os acusados, seus defensores e a acusação. A
participação do julgador deu-se posteriormente, após a celebração do acordo, a
fim de formalizá-lo e homologá-lo, conferindo maior segurança ao ato”.
Interpretação
restrita
Diante das negativas, a defesa de Paulo Krug foi ao Supremo. Monocraticamente,
Fachin manteve a decisão do STJ. Segundo ele, as causas de impedimento do juiz
são exaustivas e a jurisprudência do Supremo é contra a criá-las por meio de
interpretação judicial.
No memorial entregue aos ministros do STF,
Cal Garcia afirma que a atuação de Moro na delação de Youssef estaria
enquadrada no inciso II do artigo 252 do CPP. O dispositivo diz que o juiz fica
impedido de julgar um processo se ele tiver atuado nele como acusador,
defensor, auxiliar ou perito. Para o advogado, Moro atuou no caso como
acusador.
Mas, segundo Fachin, “a oitiva dos
colaboradores em juízo trata-se de tarefa ínsita à própria homologação do
acordo”. “Não há como conceber a ausência de controle judicial de ato que
importa, entre outras medidas, renúncia de direito constitucionalmente previsto
(como o direito de permanecer em silêncio); por outro lado, o exercício dessa
atividade – a despeito das relevantes considerações teóricas sobre o tema – não
torna a autoridade impedida para conduzir o processo, sobretudo quando
considerado o estágio normativo vigente há mais de uma década, quando
realizados os atos”, escreveu, na decisão.
Defesa espectadora
Os advogados de Paulo Krug recorreram da decisão, pedindo que ela fosse levada
à turma, para que Cal Garcia pudesse fazer sustentação oral. Fachin negou o
pedido. Segundo ele, só é possível fazer sustentação oral em processos
originários no Supremo — no caso, é um recurso em Habeas Corpus contra decisão
do STJ.
Fachin reconhece, em despacho do dia 30 de
agosto deste ano, que a 2ª Turma permite sustentações orais em HC, com base
numa interpretação por analogia do inciso VI do artigo 937 do Código de
Processo Civil. O inciso autoriza a sustentação oral nas ações rescisórias,
mandados de segurança e nas reclamações. A turma inclui o Habeas Corpus nessa
lista, para dar mais amplitude ao direito de defesa.
Mas, segundo Fachin, o caso não trata de
Habeas Corpus, mas de recurso ordinário contra decisão de instância inferior
tomada em Habeas Corpus. Portanto, o julgamento acontecerá pela internet, no
sistema interno do Supremo, e só os ministros terão acesso às discussões. Os
votos só serão conhecidos depois da publicação do acórdão.