“Não há
dúvida (que a Lava Jato vive seu pior momento). Mas a operação é forte o
suficiente para resistir porque ainda conta com o apoio da maioria da
população. Entretanto, estamos sitiados por ataques de todo o sistema
político”, admitiu Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República
aposentado e que foi um dos principais integrantes da força-tarefa
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(Foto: Reprodução/CGC) |
BRASÍLIA (Reuters) - A decisão da
Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular pela primeira vez uma
sentença da Lava Jato e o vazamento de mensagens atribuídas ao ex-juiz da
operação Sergio Moro e a procuradores da força-tarefa colocam em risco a maior
investigação de combate à corrupção no país, que chega aos cinco anos em seu
pior momento, com a perspectiva de derrotas.
“Não há dúvida
(que a Lava Jato vive seu pior momento). Mas a operação é forte o suficiente
para resistir porque ainda conta com o apoio da maioria da população.
Entretanto, estamos sitiados por ataques de todo o sistema político”, admitiu
Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República aposentado e que foi
um dos principais integrantes da força-tarefa.
Investigados e condenados na operação já
começaram a apresentar recursos ao STF para garantir a extensão da decisão que
invalidou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Com base
nesse precedente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado mais
notório da Lava Jato, já conseguiu uma pequena vitória na corte ao obter o
direito a apresentar alegações finais antes dos réus delatores no processo do
Instituto Lula — uma ação que estava pronta para ser julgada.
A esperança de advogados de envolvidos na
Lava Jato é que com esse flanco aberto os tribunais e o STF comecem a revisar e
até anular decisões da operação. A defesa de Lula, por exemplo, faz uma
ofensiva na corte com recursos que contestam procedimentos e alegam
parcialidade de Moro e procuradores após as divulgações feitas pelo site The
Intercept Brasil e outros veículos de mensagens atribuídas ao ex-juiz da
operação e a procuradores para derrubar os três processos contra o petista:
além do relativo ao Instituto Lula, o do tríplex, pelo qual foi condenado e cumpre
pena há mais de 500 dias; e o do sítio de Atibaia.
Para o advogado de Lula, Cristiano Zanin
Martins, o momento —após as reportagens e a decisão da Segunda Turma— é
“oportuno” para que o Supremo ponha fim ao que considera “cenário de abusos”
cometido pela Lava Jato contra o ex-presidente.
Segundo a força-tarefa da operação no
Ministério Público Federal (MPF), esse entendimento adotado no caso Bendine
poderá levar à anulação de 32 sentenças envolvendo 143 dos 162 réus condenados
na Lava Jato.
“As mensagens
divulgadas pelo Intercept e outros órgãos de imprensa mostram que o ex-juiz
Sergio Moro comandava e orientava todas as ações dos procuradores. Nunca houve
um juiz propriamente julgando o ex-presidente Lula, o que havia era um
coordenador da acusação”, disse ele, para quem os procuradores da operação
agiram motivados por “ódio” e “desapreço” contra o petista.
Procurado, Sergio Moro não quis se
manifestar sobre a decisão da Segunda Turma e sobre declarações da defesa de
Lula.
A pessoas próximas, segundo uma fonte
ligada ao ministro da Justiça, Moro tem dito não acreditar que haverá uma
mudança de foco na Lava Jato após a decisão do Supremo e que o plenário vai
restringir o alcance desse precedente. O ministro Edson Fachin, relator da
operação na corte, levou outro caso semelhante para que os 11 ministros decidam
a questão em plenário.
DESGASTE
O ministro da Justiça defende sua atuação
na Lava Jato e também tem negado a autenticidade das mensagens divulgadas,
alegando ainda que elas não mostram qualquer irregularidade na condução de
ações da operação.
A força-tarefa do MPF da Lava Jato também.
Para o procurador da República Marcelo Ribeiro, integrante do grupo, há um
conjunto de descontextualização, edição e modificação de conteúdo que acaba
levando a uma “exposição pública dos colegas”. Ele admite que essa situação
atrapalha os trabalhos da força-tarefa.
“Uma vez expostos, inclusive com conteúdo
não reconhecido e alguns evidentemente alterados, claro que a gente perde tempo
com isso. Não dá para falar que não há desgaste, seria ingênuo”, disse Ribeiro,
que ingressou no grupo este ano.
No STF, segundo duas fontes da corte, a
avaliação é que o plenário deverá em breve arbitrar a extensão do precedente
aberto com a decisão sobre Bendine. Entre as teses, será avaliado se o momento
da apresentação das alegações finais vai valer para todos os réus ou apenas
para aqueles que expressamente pediram em juízo.
Crítica à operação, uma dessas fontes
afirmou à Reuters que os dois fatos —reportagens do site The Intercept e
decisão sobre Bendine— indicam que o Supremo conseguiu um “respiro” para julgar
sem pressão casos da Lava Jato.
“As pessoas começam a se colocar no lugar:
e se fosse eu que iria pagar um advogado para me defender e o juiz fingindo que
eu iria ser defendido, o negócio era acusar mesmo”, afirmou a fonte, na
condição de anonimato, referindo-se à suposta ação parcial de Moro no caso.
“Eles (Lava Jato) não são super-heróis, intocáveis”, reforçou, apostando num
cenário mais favorável a contestações da operação no plenário da corte.
Reservadamente, um ministro do Supremo
defendeu a decisão sobre Bendine à luz dos princípios que estão no Código de
Processo Penal, chamando-a de “importante”. Afirmou que se há um exagero quando
se faz qualquer reavaliação de decisões da Lava Jato, lembrando que, por
exemplo, a corte já arquivou denúncias e investigações baseadas em delações e
proibiu conduções coercitivas de investigados, como ocorreu com Lula.
“O que se nota é que, como a Lava Jato
buscou uma institucionalização para além do que se podia fazer, deixou de
existir a Lava Jato e ela buscou um status que não tem e não deveria ter”,
disse esse ministro, ao avaliar que a operação já poderia caminhar para o fim
dos trabalhos.
O procurador aposentado Lima classificou a
decisão sobre Bendine de “totalmente equivocada”, sem qualquer previsão legal e
amparo no entendimento do próprio Supremo.
“Trata-se de uma decisão tirada da manga
de alguns magistrados mandrakes para fazer voltar a velha jurisprudência de
nulidades que destruíram tantas outras grandes operações na história”, disse
ele, para quem a maioria dos ministros da corte, “sensatos”, vai rejeitar que
esse entendimento ampliado prevaleça.
Para o ex-integrante da Lava Jato, há três
ou quatro integrantes do Supremo que “desejam fazer valer atos criminosos para
atenderem seus interesses em destruir a operação”.
“Entretanto, ainda há Juízes, com
maiúscula, no STF. A condenação de Lula já foi confirmada na sua análise
fática, não restando discussão sobre a corrupção do ex-presidente. As provas
estão aí para quem quiser ver e foram ampla e detalhadamente analisadas em 1° é
2° graus. Creio que não existe nenhuma nulidade a ser reconhecida e que a
maioria do STF pensará da mesma forma”, destacou.
O procurador Marcelo Ribeiro também
discordou da decisão sobre Bendine e alertou que o impacto dela, a se
prevalecer, poderia gerar também anulação de centenas de casos de tráfico e
exploração sexual. Ele minimizou um eventual embate entre o Supremo e a Lava
Jato.
“Não considero, embora respeito, que um
entendimento divergente do nosso seja um puxão de orelha, um freio de
arrumação. De modo algum. Tenho a consciência de que alguns tentam passar essa
impressão, mas eu não consigo acreditar nisso”, disse ele.
“PLENO VAPOR”
Há duas semanas, a procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, prorrogou por mais um ano o trabalho da força-tarefa.
São 15 procuradores destacados para os trabalhos e mais cerca de 30 servidores,
segundo Marcelo Ribeiro. Balanço mais atualizado da força-tarefa da operação em
Curitiba aponta que, até julho, foram oferecidas 101 denúncias contra 445
pessoas pelos mais variados crimes identificados durante a apuração. Em 50
ações penais já houve sentença, com a condenação de 159 réus.
Por meio de acordos de delação,
leniências, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e renúncias voluntárias de
valores, a operação já garantiu a recuperação de aproximadamente 14 bilhões de
reais aos cofres públicos, que devem ser pagos ao longo dos próximos anos.
Desse valor, 3 bilhões já foram efetivamente devolvidos para a Petrobras no
âmbito da Lava Jato.
Ribeiro disse que o trabalho da Lava Jato
está a “pleno vapor” e destacou que a quantidade de denúncias e operações
deflagradas este ano mostram que ela atua com a mesma intensidade.
“Sendo bem franco, eu acredito que a gente
não está no meio do caminho. Há muito o que se fazer. A cada fase esse ano,
foram várias, surge um manancial de outros envolvidos, outros esquemas, Parece
que a coisa não tem fim”, disse o integrante.
“Talvez seja o desejo de muita gente
(acabar com a operação), mas isso não é uma realidade”, completou.