O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu nesta manhã com seu advogado,
Cristiano Zanin Martins, e disse que não aceita a manobra do Supremo Tribunal
Federal para adiar seu pedido de habeas corpus que aponta a suspeição do
ex-juiz Sergio Moro. Ele disse ainda que, se for o caso, prefere até perder,
mas também questionou: por que eles têm tanto medo da verdade?
247 – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu com
indignação à manobra do Supremo Tribunal Federal para adiar seu pedido de
habeas corpus, que aponta a suspeição do ex-juiz Sergio Moro – fato que se
tornou evidente com os diálogos da chamada 'Vaza Jato'. O adiamento pode
ocorrer em razão de uma decisão da ministra Cármen Lúcia, de colocar seu caso
como o último da pauta. Embora Lula esteja na condição de preso político há
mais de um ano, os ministros do STF vêm sendo pressionados por generais da
ativa e da reserva a mantê-lo preso.
Lula também
divulgou nesta segunda-feira uma carta enviada ao amigo Celso Amorim.
"Meus advogados recorreram ao Supremo Tribunal Federal, para que eu tenha
finalmente um processo e um julgamento justos, o que nunca tive nas mãos de
Sergio Moro. Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros países, quer
impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para quem está
preso injustamente", diz ele. "A pergunta que faço todos os dias aqui
onde estou é uma só: por que tanto medo da verdade? A resposta não interessa
apenas a mim, mas a todos que esperam por Justiça". Leia, abaixo, a íntegra:
Querido amigo,
A cada dia fico mais preocupado com o que
está acontecendo em nosso Brasil. As notícias que recebo são de desemprego,
crise nas escolas e hospitais, a redução e até mesmo o fim dos programas que
ajudam o povo, a volta da fome. Sei que estão entregando as riquezas do país
aos estrangeiros, destruindo ou privatizando o que nossa gente construiu com
tanto sacrifício. Traindo a soberania nacional.
É difícil manter a esperança numa situação
como essa, mas o brasileiro não desiste nunca, não é verdade? Não perco a fé no
nosso povo, o que me ajuda a não fraquejar na prisão injusta em que estou faz
mais de um ano. Você deve se lembrar que no dia 7 de abril de 2018, ao me
despedir dos companheiros em São Bernardo, falei que estava cumprindo a decisão
do juiz, mas certo de que minha inocência ainda seria reconhecida. E que seria
anulada a farsa montada para me prender sem ter cometido crime. Continuo
acreditando.
Todos os dias acordo pensando que estou
mais perto da libertação, porque o meu caso não tem mistério. É só ler as
provas que os advogados reuniram: que o tal tríplex nunca foi meu, nem de fato
nem de direito, e que nem na construção nem a reforma entrou dinheiro de
contratos com a Petrobrás. São fatos que o próprio Sergio Moro reconheceu quando
teve de responder o recurso da defesa.
É só analisar o
processo com imparcialidade para ver que o Moro estava decidido a me condenar
antes mesmo de receber a denúncia dos procuradores. Ele mandou invadir minha
casa e me levar à força pra depor sem nunca ter me intimado. Mandou grampear
meus telefonemas, da minha mulher, meus filhos e até dos meus advogados, o que
é gravíssimo numa democracia. Dirigia os interrogatórios, como se fosse o meu
acusador, e não deixava a defesa fazer perguntas. Era um juiz que tinha lado, o
lado da acusação.
A denúncia contra mim era tão falsa e
inconsistente que, para me condenar, o Moro mudou as acusações feitas pelos
promotores. Me acusaram de ter recebido um imóvel em troca de favor mas, como
viram que não era meu, ele me condenou dizendo que foi “atribuído” a mim. Me
acusaram de ter feito atos para beneficiar uma empresa. Mas nunca houve ato
nenhum e aí ele me condenou por “atos indeterminados”. Isso não existe na lei
nem no direito, só na cabeça de quem queria condenar de qualquer jeito.
A parcialidade dele se confirmou até pelo
que fez depois de me condenar e prender. Em julho do ano passado, quando um
desembargador do TRF-4 mandou me soltar, o Moro interrompeu as férias para
acionar outro desembargador, amigo dele, que anulou a decisão. Em setembro, ele
fez de tudo para proibir que eu desse uma entrevista. Pensei que fosse pura
mesquinharia, mas entendi a razão quando ele divulgou, na véspera da eleição,
um depoimento do Palocci que de tão falso nem serviu para o processo. O que o
Moro queria era prejudicar nosso candidato e ajudar o dele.
Se alguém ainda tinha dúvida sobre de que
lado o juiz sempre esteve e qual era o motivo de me perseguir, a dúvida acabou
quando ele aceitou ser ministro da Justiça do Bolsonaro. E toda a verdade ficou
clara: fui acusado, julgado e condenado sem provas para não disputar as
eleições. Essa era única forma do candidato dele vencer.
A Constituição e a lei determinam que um
processo é nulo se o juiz não for imparcial e independente. Se o juiz tem
interesse pessoal ou político num caso, se tem amizade ou inimizade com a
pessoa a ser julgada, ele tem de se declarar suspeito e impedido. É o que fazem
os magistrados honestos, de caráter. Mas o Moro, não. Ele sempre recusou se
declarar impedido no meu caso, apesar de todas as evidências de que era meu
inimigo político.
Meus advogados recorreram ao Supremo
Tribunal Federal, para que eu tenha finalmente um processo e um julgamento
justos, o que nunca tive nas mãos de Sergio Moro. Muita gente poderosa, no
Brasil e até de outros países, quer impedir essa decisão, ou continuar adiando,
o que dá no mesmo para quem está preso injustamente.
Alguns dizem que ao anular meu processo
estarão anulando todas as decisões da Lava Jato, o que é uma grande mentira
pois na Justiça cada caso é um caso. Também tentam confundir, dizendo que meu
caso só poderia ser julgado depois de uma investigação sobre as mensagens entre
Moro e os procuradores que estão sendo reveladas nos últimos dias. Acontece que
nós entramos com a ação em novembro do ano passado, muito antes dos jornalistas
do Intercept divulgarem essas notícias. Já apresentamos provas suficientes de que
o juiz é suspeito e não foi imparcial.
Tudo que espero, caro amigo, é que a
justiça finalmente seja feita. Tudo o que quero é ter direito a um julgamento
justo, por um juiz imparcial, para poder demonstrar com fatos que sou inocente
de tudo o que me acusaram. Quero ser julgado dentro do processo legal, com base
em provas, e não em convicções. Quero ser julgado pelas leis do meu país, e não
pelas manchetes dos jornais.
A pergunta que faço todos os dias aqui
onde estou é uma só: por que tanto medo da verdade? A resposta não interessa
apenas a mim, mas a todos que esperam por Justiça.
Quero me despedir dizendo até breve, meu
amigo. Até o dia da verdade libertadora. Um grande abraço do
Lula
Curitiba, 24 de junho de 2019