Seis ex-ministros da Educação afirmam ter "grande
preocupação" com as políticas de Bolsonaro para o setor, que podem
resultar em "efeitos irreversíveis e até fatais"; "Numa palavra,
a educação se tornou a grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e
da democracia. Com espanto, porém, vemos que, no atual governo, ela é
apresentada como ameaça", diz nota conjunta; foi lançado também
o Observatório da Educação, sediado na USP, a fim de dialogar com várias
áreas para aprimorar a qualidade da política educacional
247 - Por meio de nota, seis ex-ministros da Educação aforaram ter
"grande preocupação com as políticas do governo Jair Bolsonaro para o
setor que, segundo eles, podem resultar em "efeitos irreversíveis e até
fatais". Ainda segundo o documento emitido pelo grupo, a educação é
considerada "uma ameaça" pelo governo Bolsonaro.
O documento,
divulgado nesta terça-feira (4), durante evento de lançamento do Observatório
da Educação Brasileira, na Universidade de São Paulo (USP), é assinado pelos ex-ministros
José Goldemberg (1991-1992, governo de Fernando Collor), Murilo Hingel
(1992-1995, gestão de Itamar Franco), Cristovam Buarque (2003-2004, Luiz Inácio
Lula da Silva), Fernando Haddad (2005-2012, Lula e Dilma Rousseff), Aloizio
Mercadante (2012-2014 e 2015-2016, Dilma) e Renato Janine Ribeiro (2015,
Dilma).
"Estamos no segundo ministro e não se
fala de aprendizagem", disse Haddad. Para José Goldemberg, a política
educacional do governo Bolsonaro é "uma mistura de pauta ideológica e
ignorância" na qual "as medidas que estão sendo feitas são de caráter
completamente alheio do que se entende como educação".
"Estamos aqui porque sentimos uma
ameaça. O que está acontecendo na educação é pior do que imaginávamos",
ressaltou Cristovam Buarque. Já Janine Ribeiro, avaliou que parece existir
"um desmonte do setor público de educação e fortalecimento do setor com
fins lucrativos e também o fim de instrumentos de qualidade e avaliação que
foram construídos por governos até opostos."
Os ex-ministros também criticaram o corte
de 30% no repasse das verbas do Ministério da Educação (MEC), além de
manifestarem preocupação com o futuro do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica (Fundeb), que expira em 2020, e com o possível fim da
autonomia das universidades.
"Numa palavra, a educação se tornou a
grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e da democracia. Com
espanto, porém, vemos que, no atual governo, ela é apresentada como
ameaça", diz a nota assinada pelos ex-ministros.
Confira a íntegra da nota:
NOTA CONJUNTA DOS EX-MINISTROS
DA EDUCAÇÃO
Nós, ex-ministros da Educação que servimos
o Brasil em diferentes governos, externamos nossa grande preocupação com as
políticas para a educação adotadas na atual administração. Nas últimas décadas,
construiu-se um consenso razoável sobre a educação, que se resume numa ideia:
ela é a grande prioridade nacional.
Contingenciamentos ocorrem, mas em áreas
como educação e saúde, na magnitude que estão sendo apresentados, podem ter
efeitos irreversíveis e até fatais. Uma criança que não tenha a escolaridade
necessária pode nunca mais se recuperar do que perdeu. A morte de uma pessoa
por falta de atendimento médico é irreparável. Por isso, educação e saúde devem
ser preservadas e priorizadas, em qualquer governo.
Uma educação pública básica de qualidade
forma bem a pessoa, o profissional e o cidadão para desenvolverem, com
independência e sem imposições, suas potencialidades singulares.
A educação é, ainda, crucial para o
desenvolvimento social e estratégico da economia do Brasil. A economia não
avança sem a educação, que é a chave para nosso país atender às exigências da
sociedade do conhecimento.
O consenso pela educação como política de
Estado foi constituído por diferentes partidos, por governos nas três
instâncias de poder, fundações e institutos de pesquisa, universidades e
movimentos sociais ou sindicais. Em que pesem as saudáveis divergências que
restaram, foi uma conquista única, que permitiu avançar no fortalecimento da
educação infantil, na universalização do ensino fundamental, na retomada da
educação técnica e profissional, no esforço pela alfabetização e educação de
adultos, na avaliação da educação em todos os seus níveis, na ampliação dos
anos de escolaridade obrigatória com aumento expressivo das matrículas em todos
os níveis de ensino, na expansão da pós-graduação, mestrado e doutorado e,
consequentemente, na qualidade da pesquisa e produção científica realizada no
Brasil.
É impressionante que, diante de um assunto
como a educação que conta com especialistas e estudiosos bem formados, o
governo atue de forma sectária, sem se preocupar com a melhoria da qualidade e
da equidade do sistema, para assegurar a igualdade de oportunidade.
Em nenhuma área se conseguiu um acordo
nacional tão forte quanto na da educação. A sociedade brasileira tomou
consciência da importância dela no mundo contemporâneo.
Numa palavra, a educação se tornou a
grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e da democracia. Com
espanto, porém, vemos que, no atual governo, ela é apresentada como ameaça.
Concordamos todos que a educação básica
pública deve ser a grande prioridade nacional, contribuindo para superar os
flagelos da desigualdade social gritante, da falta de oportunidades para os
mais pobres e do atraso econômico e social. Ela implica o aprimoramento da
formação dos professores, do material didático, a constante atenção à Base
Nacional Curricular Comum, a valorização das profissões da educação, inclusive
no plano salarial, a reforma do ensino médio, o aperfeiçoamento da gestão
educacional, a construção de diretrizes nacionais de carreira de professores e
diretores do ensino público. Requer a constante inovação nos métodos,
deslocando-se a ênfase no ensino para a aprendizagem, que deve ser o centro de
todos os nossos esforços.
Exige também o empenho na educação
infantil e na alfabetização na idade certa, a melhora das escolas e dos
laboratórios e bibliotecas e, mais que tudo, o respeito à profissão docente,
que não pode ser submetida a nenhuma perseguição ideológica. A liberdade de
cátedra e o livre exercício do magistério são valores fundamentais e
inegociáveis do processo de aprendizagem e da relação entre alunos e
professores. Convidar os alunos a filmarem os professores, para puni-los, é uma
medida que apenas piora a educação, submetendo-a a uma censura inaceitável.
Tratar a educação como ocasião para punições é exatamente o contrário do que
deve ser feito. Cortar recursos da educação básica e do ensino superior, no
volume anunciado, deixará feridas que demorarão a ser curadas.
Não menos importante é o fortalecimento da
cooperação e da colaboração entre União, Estados, Municípios e o Distrito
Federal e o respeito à autonomia das redes, como determinam a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional e a própria Constituição Cidadã de 1988. Não
podemos ignorar o Plano Nacional de Educação, aprovado por unanimidade pelo
Congresso Nacional, os Planos Estaduais e os Planos Municipais de Educação, já
pactuados entre a sociedade, os governos e a própria comunidade escolar. Ele
decorre de iniciativas que já vinham de longe, como o Plano Decenal de Educação
para Todos (1993/2003), elaborado pelo MEC com apoio dos estados, dos
municípios, do Distrito Federal, de entidades representativas da área
educacional e que atendia a compromisso internacional assumido pelo Brasil na
Conferência realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia), de que o Brasil
participou, promovida pela UNESCO, pelo UNICEF, pelo PNUD e pelo Banco Mundial.
Enfim, e para somar esforços em vez de
dividi-los, é indispensável que se constitua e se organize um efetivo Sistema
Nacional de Educação.
Ademais, a prioridade à educação básica
demanda que cresçam os repasses do governo federal para os estados e
municípios, responsáveis pelo ensino infantil, fundamental e médio, sendo
prioridade a renovação e, se possível, ampliação do FUNDEB – Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, que expira em 2020. Sem ele, a situação do ensino
nos municípios e estados mais pobres, que já é inadequada, se tornará
desesperadora.
No tocante à expansão do ensino superior,
é fundamental se assegurar o ingresso e permanência dos estudantes,
especialmente dos egressos das escolas públicas e das famílias de baixa renda.
O ensino superior necessita ter qualidade, o que requer tanto constantes
avaliações quanto recursos, garantindo seu papel insubstituível na formação de
profissionais qualificados para um mercado de trabalho cada vez mais exigente,
impactado pelos desafios das inovações e das novas tecnologias. A autonomia
universitária é uma conquista que deve ser mantida para garantir a liberdade e
qualidade na pesquisa, formação e extensão.
O Brasil dispõe, hoje, de uma lista de
políticas devidamente estudadas e estruturadas, de medidas e instrumentos que
permitem progredir significativamente na educação. Nada disso é ou será fácil,
mas o consenso obtido e o aprimoramento das medidas clamam pela junção de
esforços em prol de uma educação que se equipare, em qualidade, à dos países
mais desenvolvidos.
Muito tem de ser feito, tudo pode ser
aprimorado, mas a educação depende da continuidade ao que já foi conseguido ou
planejado. Educação é política de Estado: nada se fará se a ênfase for na
destruição das conquistas, no desmonte das políticas públicas implementadas e
no abandono dos planos construídos pela cooperação entre os entes eleitos e a
sociedade.
Vimos a público defender esta causa
estratégica para as futuras gerações e propomos a formação de uma ampla frente
em defesa da educação. Nós, neste momento, estamos constituindo o Observatório
da Educação Brasileira dos ex-ministros da Educação, que se coloca à disposição
para dialogar com a comunidade acadêmica e científica, sociedade e entidades
representativas da educação, com parlamentares e gestores, sempre na
perspectiva de aprimorar a qualidade da política educacional.
Assinam este documento os ex-ministros da
Educação:
José Goldemberg
Murílio Hingel
Cristovam Buarque
Fernando Haddad
Aloizio Mercadante
Renato Janine Ribeiro