"Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando,
nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses
gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do
exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e
me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração", escreveu Jânio
Quadros, que governou por apenas sete meses
Do Br2pontos – O texto
postado pelo presidente Jair Bolsonaro em grupos escolhidos de WhatsApp nesta
sexta-feira 17 repercute fortemente nos meios políticos em razão de sua
semelhança, no tom de reclamação e impotência contra as "grandes
corporações", à carta renúncia do então presidente Jânio Quadros, escrita
em 25 de agosto de 1961.
Eis a
íntegra:
"Fui
vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu
dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem
prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta
nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a
única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem
direito o seu generoso povo.
"Desejei
um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira
e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de
grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado.
Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a
desculpa de colaboração.
"Se
permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas,
indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a
própria paz pública.
"Encerro,
assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os
operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida
nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
"Saio
com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo
lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às
Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta
oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da
estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.
"Somente
assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de
nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de
advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa
pátria."
Brasília,
25 de agosto de 1961.
Jânio
Quadros"
Abaixo, reportagem da Reuters sobre o texto
espalhado por Bolsonaro:
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro
distribuiu para sua lista de contatos na manhã desta sexta-feira um texto, de
autor desconhecido, dizendo que o Brasil é “ingovernável fora de conchavos” e
foi “sequestrado pelas corporações”.
A ação do presidente foi revelada pelo jornal
Estado de S. Paulo e confirmada à Reuters pelo porta-voz da Presidência,
general Otávio do Rêgo Barros, através de mensagem.
O texto circula nas redes sociais há pelo menos
três dias e a Reuters encontrou cópias, com autor desconhecido, distribuído em
páginas de apoiadores de Bolsonaro no Facebook e em comentários de pelo menos
dois blogs, mas todos como tendo sido copiados de outra pessoa.
“Bastaram 5 meses de um governo atípico, ‘sem
jeito’ com o Congresso e de comunicação amadora para nos mostrar que o Brasil
nunca foi, e talvez nunca será, governado de acordo com o interesse dos
eleitores”, escreveu o autor. “Descobrimos que não existe nenhum compromisso de
campanha que pode ser cumprido sem que as corporações deem suas bênçãos. Sempre
a contragosto.”
O agenda do governo de Bolsonaro, diz ainda o
autor, não seria de interesse de nenhuma das “corporações” - no que ele inclui
empresários, sindicalistas, o Judiciário e o Congresso - o “sequestro” do
Estado por esses fica mais evidente.
“Todos nós sabíamos disso, mas queríamos acreditar
que era só um efeito de determinado governo corrupto ou cooptado. Na próxima eleição,
tudo poderia mudar. Infelizmente não era isso, não era pontual. Bolsonaro
provou que o Brasil, fora desses conchavos, é ingovernável”, afirma.
O autor escreve ainda que o país está
“disfuncional” e que o presidente da República não serve para nada a não ser
organizar o governo de modo a responder aos interesses dessas corporações, ou
não consegue governar.
“Bolsonaro não é culpado pela disfuncionalidade,
pois não destruiu nada, aliás, até agora não fez nada de fato, não aprovou
nada, só tentou e fracassou. Ele é só um óculos com grau certo, para vermos que
o rei sempre esteve nu, e é horroroso”, encerra.
Bolsonaro compartilhou o texto depois de mais uma
semana em que a relação do governo com o Congresso se mostrou mais complicada
do que nunca. Fontes ouvidas pela Reuters confirmaram que o governo está em um
de seus piores momentos no trato com o Legislativo, depois de algumas derrotas
em série. [nL2N22T0V4]
Sem base e sem conseguir negociar, o Planalto vê
por exemplo o risco de caducar a medida provisória da reforma administrativa,
que diminuiu o número de ministérios, e está, segundo as fontes, na mão do
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tentar evitar a derrota.
Segundo o porta-voz, além de compartilhar o texto,
o presidente enviou um comentário em que diz estar fazendo todo esforço para
governar.
“Os desafios são inúmeros e a mudança na forma de
governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam das relações
pouco republicanas. Quero contar com a sociedade para juntos revertermos essa
situação e colocarmos o país de volta ao trilho do futuro promissor. Que Deus
nos ajude!”, diz o texto de Bolsonaro.