Desemprego crescente e trabalhos precários e
informais colaboram para o aumento de devedores
O cartão de crédito é a principal causa de endividamento, chegando a marca de 77,6% / Pixabay |
Pelo quarto mês
consecutivo, a taxa de famílias endividadas no Brasil ultrapassa a marca dos
60%. Em abril deste ano, a parcela de devedores, em atraso ou não, registrou 62,7%,
sendo o patamar mais expressivo desde setembro de 2015, quando o número de
endividados foi de 63,5%. O índice de famílias que declararam não ter condições
de pagar suas contas também subiu de 9,4% para 9,5% entre março e abril.
Os dados são da Pesquisa de
Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada nesta terça-feira
(7) pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O
estudo é feito mensalmente desde janeiro de 2010. Os dados são coletados
em todas as capitais dos Estados e no Distrito Federal, com cerca de 18 mil
consumidores.
Para
Juliane Furno, doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), mais do que um impasse econômico, o endividamento é um
problema social e coletivo, visto que atinge mais de 50% da população. Segundo
a pesquisa, a inadimplência é maior entre os mais pobres. Na faixa de menor
renda, o contingente de famílias com contas ou dívidas em atraso passou de 26%
em março para 26,7% em abril.
“As
pessoas que estão com o nome sujo, endividadas, isso tem um peso social
importante, porque não se sabe como vai comer no próximo dia, se vai conseguir
continuar morando em algum lugar ou vai ter que morar na rua, mas também tem
uma dimensão econômica importante”.
As
dívidas são relacionadas com cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja,
cheque pré-datado, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro. De acordo
com o levantamento, o cartão de crédito é o maior vilão dos entrevistados, com
a marca de 77,6%.
A
pesquisa também constatou um crescimento na quantidade de famílias com dívidas
ou contas em atraso. A taxa de inadimplência, que foi de 23,4% em março,
alcançou a marca de 23,9% em abril.
Ao
passo que aumenta o endividamento das famílias, a estimativa de crescimento
econômico do Brasil diminui. O consumo das famílias é o principal motor do
Produto Interno Bruto (PIB), medida que quantifica a atividade econômica do
país. Portanto, se a população está endividada, não há renda para consumir. A
demanda das famílias tem um peso de 64% no cálculo do PIB brasileiro, conforme
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As
projeções do mercado financeiro também não são animadoras: na décima baixa
consecutiva, o crescimento da economia brasileira em 2019 caiu de 1,7% para
1,49%, de acordo com a pesquisa semanal Focus, divulgada pelo Banco Central
(BC) nesta segunda-feira (6).
Desemprego
crescente e economia patinando
Para
solucionar a questão do endividamento das famílias, Juliane argumenta que o
Estado brasileiro deveria pensar em políticas de facilitação de crédito para as
pessoas conseguirem negociar e pagar suas dívidas. Ela aponta que o
desemprego é o principal responsável pelo aumento dos devedores.
“Concretamente,
o Estado não consegue criar nenhuma política pública de aumento do emprego, que
seria um elemento para diminuir o endividamento, nem de reparcelamento das
dívidas, porque isso envolveria enfrentar o sistema financeiro brasileiro do
qual é um financiador das grandes campanhas da direita, é o sustentáculo do
governo [de Jair] Bolsonaro [PSL] no Brasil, então com os bancos ele não mexe”.
“Nas
séries históricas, toda vez que o desemprego no Brasil está baixo, o índice de endividamento
também acompanha a baixa. E, sempre que o desemprego aumenta, o número de
endividamento das famílias também aumenta”, esclarece a doutoranda.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (Pnad Contínua) divulgados pelo IBGE no último dia 30, 12,7% dos
brasileiros estão desempregados. Com isso, mais de 1,2
milhão de pessoas entraram para a população desocupada no primeiro trimestre do
ano, na comparação com o último trimestre de 2018. Juliane ressalta que os 13,4
milhões de desempregados apontados pela pesquisa não representam a totalidade
da desocupação no país.
“Quando
a gente leva em consideração [outros] dois elementos, a pessoa que é
subutilizada, ou seja, que teria condições físicas e mentais de trabalhar 44
horas semanais, mas que foi ocupada com uma hora ou duas horas na semana, ou a
pessoa que não procurou emprego porque já está desalentada, o número de
desempregados seria de aproximadamente 23 milhões”.
A
categoria conhecida como desalento foi criada nos anos 1980, no surgimento da
Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e da Fundação Seade. O desalento
caracteriza as pessoas que desistiram de procurar emprego, por desestímulo ou
outras circunstâncias, como a falta de dinheiro para a condução.
Juliane
destaca que a ausência de ocupações e os crescentes empregos precários e
informais colaboram para o aumento de pessoas endividadas. Com a recessão
econômica e os reflexos da reforma trabalhista, o quadro deve piorar, alerta a
doutoranda.
“Em
2017, pela primeira vez, o número de trabalhadores informais superou o número
de trabalhadores formais, um contingente de cerca de 20 milhões de pessoas que
trabalham em empregos informais, que também contraem dívidas sem uma garantia
concreta de que vão ter emprego nos próximos meses para poder honrar essas
dívidas”.
Fonte:
Brasil de Fato