Para justificar o
discurso do governo de que a reforma da Previdência "combate
privilégios", a equipe econômica do governo Bolsonaro afirmou, na proposta
de reforma previdenciária que o trabalhador que se aposenta com um benefício de
R$ 2.231 é rico; segundo o texto, pobre é aquele que recebe R$ 1.252 de
aposentadoria; para o presidente da Conticom, Cláudio Gomes da Silva, a
afirmação "é um escracho, uma desfaçatez"
Rosely Rocha, portal da CUT - Para justificar o
discurso do governo de que a reforma da Previdência "combate
privilégios", o ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PSL), o banqueiro
Paulo Guedes, afirma textualmente no documento anexo ao texto da Proposta de
Emenda à Constituição (PEC/006) que o trabalhador que se aposenta com um
benefício de R$ 2.231 é rico. Pobre, diz o texto, é aquele que recebe R$ 1.252
de aposentadoria.
Bolsonaro concordou integralmente com
essas argumentações que constam dos itens 50 e 51 do documento (leia abaixo) e
levou pessoalmente o texto da PEC para a Câmara dos Deputados, onde a proposta
está tramitando, e falou várias vezes nas redes sociais e para imprensa que a
reforma combate privilégios. O privilegiado, como deixa claro o texto, é o
trabalhador que recebe do INSS menos de R$ 2.500.
"É um escracho, uma desfaçatez",
reage o presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas
Indústrias de Construção e da Madeira (Conticom-CUT) ao tomar conhecimento do
teor dos itens que falam sobre os "privilegiados".
Para o dirigente, o governo ignora os
índices de desemprego e a alta rotatividade de categorias como a sua que ficam
longos períodos desempregados, fazendo bicos para sobreviver e, portanto, sem
condições de pagar INSS.
"A maioria dos trabalhadores e
trabalhadoras da construção civil se aposenta com apenas um salário mínimo
porque não consegue contribuir nos intervalos entre uma empreitada e outra, que
muitas vezes são grandes. É um desrespeito essa afirmação do governo",
critica o dirigente, ao comparar os salários da categoria, que variam de R$
1.200 a R$ 1.700, com as justificativas apresentadas por Paulo Guedes para
aprovar a reforma da Previdência.
Claudinho lembra que somente mestres de
obras e encarregados conseguem salários de mais de dois mil reais e, mesmo
assim, suas aposentadorias não passam de um salário mínimo.
"Além disso, dificilmente alguém
consegue emprego depois dos 45 anos porque os patrões sabem que ele tem
problemas de saúde, de desgaste físico. Os empresários não contratam
trabalhadores mais velhos. E se aumentar o tempo de contribuição de 15 para 20
anos, aí mesmo que ninguém se aposenta".
"Rico mesmo é para quem Bolsonaro
governa. Todas as ações do governo são voltadas para a elite, sobretudo a
financeira, que tem grandes interesses no caixa da Previdência"
O dirigente diz que penalizar o trabalhador, especialmente da construção civil,
com o aumento do período de contribuição o fará sair em busca do Benefício de
Prestação Continuada (BPC), pago a idosos pobres a partir de 65 anos.
"Mas se a reforma da Previdência
passar e o BPC for reduzido para R$ 400, aí serão mais miseráveis, sem condição
digna para viver, sequer para pagar seus remédios", diz.
Reforma transfere renda para os
bancos
Para a professora de economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil, a ideia do
governo com a reforma da Previdência não é combater privilégios, como eles
afirmam nas entrevistas, propagandas, lives nas redes sociais e audiências públicas
e, sim, transferir renda para os bancos privados.
"O governo quer pegar a parcela da
população que ainda tem carteira assinada e que ganha um pouco mais para passar
ao regime de capitalização. Eles querem transferir renda para os bancos
privados porque a reforma da Previdência não reduz gastos nem gera empregos em
curto prazo", afirma a economista.
Ela critica a justificativa do governo de
que falta recursos para não realizar novos investimentos e construir políticas
de geração de empregos, num momento de crise econômica, uma vez que, ao mesmo
tempo, o governo propõe transferir a arrecadação para os bancos com a
capitalização da Previdência.
"Se o governo tivesse a intenção de
combater privilégios faria a reforma Tributária que precisa atingir aqueles que
estão no topo da pirâmide social, cuja renda provém de dividendos, da
distribuição de lucros e estão isentos de impostos".
Denise se baseia nos lucros dos quatro
maiores bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander),
que somente no ano passado lucraram juntos R$ 69 bilhões – um crescimento de
19,88% de 2017 para 2018, o maior valor da história.
Segundo ela, Bolsonaro também esquece que
no Brasil apenas 5% dos mais ricos detêm a mesma fatia de renda que outros 95%,
de acordo com a Oxfam – uma entidade mundial que mede os dados da desigualdade
social – e, não a diferença de R$ 979 (menor do que um salário mínimo de R$
998), que o governo diz que é a distância entre aposentados ricos e pobres.
"É um discurso falso. Se a reforma passar,
vai transformar o Brasil num país de idosos miseráveis"
Ela critica ainda a ideia do governo de economizar R$ 1 trilhão em 10 anos em
cima do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), pois quase 80% dessa suposta
economia serão a partir dos cortes na aposentadoria do trabalhador urbano.
"Hoje, são 23 milhões de aposentados
que ganham apenas um salário mínimo e a média do valor do benefício pago é de
R$ 1.300. A Previdência atinge uma população extremamente pobre e é esta
parcela que não vai conseguir se aposentar no futuro porque não vai conseguir
contribuir sem carteira assinada nem renda", diz.
Reforma Trabalhista vai
destruir arrecadação
Para Denise, a reforma nem precisaria ser
feita porque os gastos com a Previdência vão cair de qualquer forma, pois
ninguém mais vai conseguir se aposentar depois da reforma Trabalhista do
golpista e ilegítimo Michel Temer (MDB-SP), que acabou com mais de 100 itens da
CLT e legalizou o bico e as formas precárias de contratação.
"Temer praticamente acabou com o
emprego formal, regularizou a terceirização, o bico e precarizou as relações de
trabalho. Ninguém mais consegue contribuir com o INSS. E, se tiver de
contribuir por, no mínimo, 20 anos, como quer este governo, vai tornar a
aposentadoria para a maioria dos trabalhadores uma miragem", diz a
economista.