SÃO PAULO, SP
(FOLHAPRESS) - Iniciado em 31 de março de 1964, o golpe militar se consolidou
na madrugada de 1º para 2 de abril. A partir de então, o país teve cinco
presidentes militares e permaneceu 21 anos sob uma ditadura.
Entenda abaixo como o presidente deposto,
João Goulart, havia chegado ao poder, o argumento jurídico usado para
justificar sua deposição, e como o governo inicialmente provisório do marechal
Castello Branco se converteu em um regime ditatorial que comandou o Brasil
até 1985, fazendo uso de dispositivos como os Atos Institucionais, que
cancelaram eleições, fecharam o Congresso e censuraram a imprensa.
Como o presidente João Goulart chegou ao
poder?
Jango, como era conhecido, assumiu a
Presidência em 7.set.61, após a renúncia de Jânio Quadros. Eleito
vice-presidente nas eleições de 1960, quando presidente e vice eram escolhidos
em pleitos separados, o gaúcho do PTB (partido da esquerda getulista) recebera
36,1% dos votos.
Por que Jango assumiu primeiro sob um
regime parlamentarista?
Devido ao temor de militares e
conservadores em relação a uma Presidência muito à esquerda, poucos anos após a
Revolução Cubana (1959). Instalado após aprovação de emenda constitucional pelo
Congresso, o parlamentarismo foi rejeitado em plebiscito realizado em 6.jan.63,
quando 82% dos eleitores decidiram pelo presidencialismo. A próxima eleição
presidencial estava marcada para 3.out.65.
Qual foi o argumento jurídico usado pelos
militares em 1964?
Após a movimentação de tropas do Exército
iniciada em 31.mar, Jango passou o dia 1º.abr se deslocando pelo país para
tentar angariar apoio. Na noite daquele dia, se dirigiu à Porto Alegre. Na
madrugada do dia 2, o presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, declarou
vaga a Presidência da República. Ele se baseou no artigo 85 da Constituição de
1946, vigente à época, segundo o qual "O presidente e o vice-presidente da
República não poderão ausentar-se do país sem permissão do Congresso Nacional,
sob pena de perda do cargo". Jango, porém, estava em território nacional,
em São Borja (RS). Ele só partiu para o exílio no Uruguai no dia 4.
O que previa a Constituição de 1946 caso a
Presidência ficasse vaga?
A Carta afirmava que "vagando os
cargos de presidente e vice-presidente, far-se-á eleição sessenta dias depois
de aberta a última vaga". Se os cargos ficassem vagos na segunda metade do
mandato presidencial -então de cinco anos-, como era o caso de Jango, a eleição
sera feita "trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso
Nacional". "Em qualquer dos casos, "os eleitos deverão completar
o período dos seus antecessores", dizia a Constituição.
Como se organizaram os militares?
No dia 2.abr, consolidado o poder nas mãos
dos militares, organizou-se o autoproclamado "Comando Supremo da
Revolução", formado pelo brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo
(Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Arthur
da Costa e Silva (Exército). Essa junta, cuja nomeação não constava da
Constituição de 1946, assinou em 9.abr o Ato Institucional nº 1 (AI-1),
dispositivo também ausente da Carta vigente então. No mesmo dia, sob os
auspícios do Comando, foi empossado interinamente na Presidência o presidente
da Câmara, Ranieri Mazzilli.
O que estipulava o AI-1?
O texto manteve a Constituição de 1946,
mas alterou alguns pontos dela. Entre eles convocou o Congresso para eleger
indiretamente o presidente da República em eleição a ser realizada dentro de
dois dias, e deu o poder à junta militar -estendido ao presidente eleito
indiretamente- de cassar por dez anos os direitos políticos de parlamentares
federais, estaduais e municipais, "no interesse da paz, da honra nacional
e sem as limitações previstas na Constituição". Foram atingidos 102 nomes
da oposição, entre deputados e líderes partidários. A eleição presidencial
marcada para 3.out.65 estava mantida, com a posse do novo presidente prevista
para 31.jan.66.
Quem o Congresso elegeu presidente?
O marechal Humberto de Alencar Castello
Branco, que recebeu 361 votos, ante três do marechal Juarez Távora e dois do
ex-presidente e marechal Eurico Gaspar Dutra. Castello Branco assumiu a
Presidência em 15.abr, com mandato previsto até 31.jan.66, de acordo com o
AI-1, que expiraria nessa mesma data.
Castello Branco deixou o cargo na data
estipulada?
Não. As eleições previstas para 3.out.65
nunca ocorreram. No dia 27 daquele mês, o presidente assinou o AI-2, que
cancelou as eleições diretas para a Presidência e instituiu o pleito indireto.
Partidos foram extintos, à esquerda e à direita, com a permissão para apenas
duas siglas: uma governista, a Arena, e uma de oposição, o MDB. O ato tambéu
deu ao presidente poder para fechar o Congresso, Assembleias Legislativas e
Câmaras Municipais.
Quais atos se seguiram?
O AI-3, em 5.fev.66, instituiu eleição
indireta para governadores pelas Assembleias dos estados e a nomeação dos
prefeitos de capitais por esses governadores. Em 7.dez.66, o AI-4 convoca o
Congresso para discutir uma nova Constituição, alinhada com o regime militar. A
Carta seria outorgada em 24.jan.67. O ato mais duro, porém, veio em 13.dez.68.
O que estipulava o AI-5?
O quinto ato, assinado pelo marechal
Arthur da Costa e Silva (que assumira a Presidência em 1967), resultou no
fechamento imediato e por tempo indeterminado do Congresso Nacional e das
Assembleias nos estados -com exceção de São Paulo. Além disso, o AI-5 renovou
poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos
políticos, agora em caráter permanente. Também foi suspensa a garantia do
habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a
ordem econômica e a economia popular.
Quais foram os efeitos do AI-5 na
política?
O AI-5 inaugurou a fase mais repressiva
dos 21 anos de ditadura militar. Nos primeiros dois dias de vigência da medida,
presos políticos processados nas auditorias da Justiça Militar denunciaram mais
de 2.200 casos de tortura.
Foram punidas, com perda de direitos
políticos, cassação de mandato, aposentadoria e demissão, 4.841 pessoas -513
deputados, senadores e vereadores perderam os mandatos.
O relatório final da Comissão Nacional da
Verdade, apresentado em 2014, afirmou que 423 pessoas foram mortas ou
desapareceram no período que vai de 1964 a 1985. Segundo a comissão, que
iniciou os trabalhos em 2012, os crimes foram resultado de uma política de
Estado, com diretrizes definidas pelos cinco presidentes militares e seus
ministros, e não abusos cometidos por agentes isolados. A comissão pediu a
punição de 377 pessoas pelos crimes cometidos pelo regime militar.
E os efeitos para a imprensa e a cultura?
O AI-5 instituiu a censura prévia dos
veículos de comunicação, cujas pautas deveriam ser aprovadas por censores do
governo localizados nas Redações. Além da mídia, o cinema, o teatro, a música e
a televisão também estavam sujeitas à censura prévia caso o inspetor do regime
entendesse que a obra fosse subversiva ou atentava contra a moral e os bons
costumes. O AI-5 só foi revogado em 1º.jan.79, quando entrou em vigor emenda
constitucional aprovada no ano anterior pelo presidente Ernesto Geisel.
Fonte:
Bem Paraná