Em entrevista ao Brasil de Fato, Edevaldo de
Medeiros critica o caráter político da operação Lava Jato
Medeiros conversa com apoiadores de Lula em frente à PF / Eduardo Matysiak |
Nesta quinta (21),
uma comissão de 12 juízes federais, estaduais, do trabalho e desembargadores
estiveram em Curitiba (PR) para manifestar solidariedade ao ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT).
Pela
manhã, integrantes da comissão fizeram uma roda de conversa sobre a conjuntura
do Poder Judiciário. O debate ocorreu na Vigília Lula Livre, que se mantém em
frente à superintendência da Polícia Federal (PF) desde o dia 7 de abril de
2018, quando Lula foi preso. À tarde, representando a comissão, Edevaldo de
Medeiros, juiz federal titular da 1ª Vara Federal de Itapeva (SP), esteve com
Lula por uma hora.
“Tem um
gigante ali dentro. Tem um homem muito forte e corajoso. O presidente Lula está
com excelente saúde. Ele é um leão”, comparou, em conversa com militantes após
a visita. “Ele não aceita outra decisão do Poder Judiciário que não seja sua
absolvição”.
Em
entrevista ao Brasil de Fato,
Medeiros falou sobre o caráter político da operação Lava Jato desde que foi
deflagrada, em 2014, analisou o papel do ex-juiz Sérgio Moro nesse processo e
fez uma defesa da função do Supremo Tribunal Federal (STF) como “guardião da
Constituição” na atual conjuntura.
Confira
os melhores momentos da conversa:
Brasil de Fato: O senhor
visitou o ex-presidente Lula nesta quinta (21) representando 12 juízes. Que
recado essa comissão levou ao ex-presidente?
Edevaldo de Medeiros: Nós somos uma
comissão de juízes representando a Associação Brasileira de Juristas para a
Democracia (ABJD). São todas pessoas que gostam muito do presidente Lula, têm
muito afeto, gratidão por ele, por várias razões. Nós queremos nos solidarizar
com ele, humanamente, porque a gente sabe que ele está sofrendo muito.
Eu,
particularmente, tenho gratidão muito grande pelo trabalho que ele fez contra a
corrupção no Brasil. A Polícia Federal nunca foi tão forte quanto foi quando
ele era presidente, Ele prestigiou o Ministério Público como nenhum presidente
antes dele tinha feito. Ele nomeou sempre para o cargo de procurador-geral da
República o escolhido em primeiro lugar na votação da ANPR [Associação Nacional
dos Procuradores da República], e isso é um grande prestígio, na minha opinião,
para o Ministério Público.
Lula
criou 230 varas federais no Brasil inteiro, e isso reflete diretamente no
acesso à Justiça. São muitas varas, e isso também facilitou o combate à
corrupção. Então, nesse sentido que a gente vem oferecer nosso abraço ao
presidente Lula, de amor mesmo, e de gratidão.
O Lula foi preso no âmbito da
Lava Jato. A operação tem início em 2014, ano de eleições presidenciais; em
2016, ano em que a presidenta Dilma Rousseff foi deposta, a Lava Jato tem
recorde de etapas (16 fases ao longo do ano); já em 2018, o líder nas pesquisas
eleitorais para Presidência da República é preso. É possível dizer que a
Operação Lava Jato tinha um objetivo político desde o início?
Olha,
eu tenho muita reticência com relação a essas investigações que a polícia dá
nome e chama de “operações”, sejam elas quais forem.
O
Código de Processo Penal não trabalha com essa entidade midiática chamada
operação. Ele trabalha com investigação, e essa é a linguagem jurídica. A
investigação é feita dentro de um processo penal e depois se torna um processo
criminal.
Essas
operações, que recebem os mais variados nomes lá dentro da polícia, têm um
caráter midiático, de propaganda da Polícia Federal. É uma entidade fictícia,
mas que provoca uma reação no povo, e esse parece ser o interesse.
Eu não
simpatizo com isso, e nas minhas decisões nunca faço referência a esses nomes
que a polícia dá. Eu faço referência ao número do inquérito, do processo.
Essa
operação, chamada Lava Jato, tem inspiração na operação Mãos Limpas, da Itália.
É fora de dúvida que a operação Mãos Limpas interferiu no processo político
italiano, e mesmo lá não deu certo.
A
Itália não é um exemplo de Estado Democrático de Direito, mas sim, é um país
muito corrupto. A crítica que eu sempre fiz a esse tipo de procedimento, de
copiar uma coisa de outros países, é que tem que copiar coisa que dá certo. A
gente tem que copiar o que se trabalha em matéria de Direito Penal e de
Processo Penal nos países que têm baixa população carcerária, onde há menos
corrupção.
Agora,
a antevisão de que ela teria esse viés político, eu acho que era possível
diante do que aconteceu na Itália. Parece também que isso acabou se confirmando
com a saída do juiz Sérgio Moro, que se torna ministro [da Justiça] do
candidato que se beneficiou, vamos dizer assim, desse estado de coisas.
Como o senhor avalia a atuação
de Moro enquanto juiz da operação Lava Jato e, agora, como Ministro do governo
Bolsonaro?
Eu não
vou fazer uma crítica direta à atuação profissional do ex-juiz, porque poderia
ser uma falta de ética da minha parte. Mas vou falar de um modo genérico. A
questão da idolatria que se formou em torno dele, da imagem que ele produziu de
“pop-star”, eu não sou a favor. Na democracia, o que tem que brilhar são as
instituições, e têm que brilhar por cumprir a lei. A sociedade brasileira é tão
carente que acaba se apegando ao juiz e ao juiz combatente.
A
figura do juiz combatente é contrária à Constituição, porque juiz não tem que
combater a criminalidade. Quem tem que combater a criminalidade é a polícia e o
Ministério Público. O juiz tem que julgar.
Quando
um juiz toma a frente de uma investigação, ou se ele parece ser um juiz
punitivista, ele perde a essência da magistratura, que é a imparcialidade.
Eu não
estou dizendo que o juiz tenha sido parcial, o que eu estou dizendo é que as
pessoas esperavam isso dele, que ele fosse imparcial.
Agora,
o que ficou muito chato e pôs mesmo em dúvida a atividade dele enquanto juiz
foi o fato de ele ter saído e se tornado ministro do candidato que ganhou a
eleição. E ter combinado isso, inclusive, enquanto era juiz. E ter prendido um
ex-presidente da República que tinha plenas condições de ganhar as eleições no
primeiro turno. Então, eu acho que essa dúvida que se manifesta é uma dúvida
extremamente relevante.
São
autoridades internacionais e nacionais, escritores respeitados de Direito Penal
e Processo Penal que põem em dúvida a atividade do juiz. O Brasil tem que se
acautelar desse tipo de coisa, inclusive, do “juiz-estrela”. Eu costumo dizer o
seguinte: a gente não vive em Gotham City, e juiz não é Batman. Juiz tem o
papel de julgar com imparcialidade.
Enquanto ministro, Moro nomeou
e revogou a nomeação de Ilona Szabó para suplência no Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária [CNPCP]; propôs o chamado pacote anticrime e
criou um atrito com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), por
pressioná-lo a pautar a votação do pacote. O senhor entende que ele tem
demonstrado dificuldade em exercer essa função política dentro do governo?
Eu acho
que ele é um pouco imaturo ainda, não sabe muito bem lidar com os políticos.
Então, eu acho que ele está tendo as dificuldades próprias de um iniciante,
porque na política as coisas não são tão simples. Na política tem que saber
pedir, tem que saber negociar, e talvez faltem a ele alguns atributos para ser
um bom político.
Mas
você tocou num assunto que é muito interessante, que é esse pacote “anticrime”.
Isso não é anticrime: é anticonstituição, porque viola diversos direitos
fundamentais, visa dar à polícia uma carta branca para cometer homicídios.
A polícia
brasileira é a que mais mata e a que mais morre no mundo, infelizmente. E assim
é por conta do modelo que nós temos de exclusão social. Querer combater isso
legitimando homicídios praticados pela polícia é uma coisa absurda, é uma coisa
própria de regimes autoritários e não de Estado democrático de direito. Isso
não tem nada a ver com democracia.
Eu
espero que esse projeto anticonstituição não seja aprovado, sequer seja pautado
para votação, porque isso é uma afronta à sociedade civilizada.
Na roda de conversa na Vigília
Lula Livre, o senhor falou em defesa do Supremo Tribunal Federal [STF] e do
Supremo Tribunal de Justiça [STJ]. No atual momento de descrédito das
instituições brasileiras, o senhor acredita que deve ser uma pauta dos
movimentos populares a defesa dessas instituições?
Eu
pertenço ao Poder Judiciário e eu tenho a obrigação de defendê-lo. A
instituição pode, eventualmente, fazer coisas com as quais eu não concordo, mas
é minha obrigação lutar pelo direito, lutar pela instituição e protegê-la.
O STF é
um fundamento da República, é o guardião da nossa Constituição. Não existe
sociedade civilizada no mundo, não existe estado democrático de direito sem uma
corte constitucional, sem um Supremo Tribunal Federal.
Podemos
sempre criticar as instituições. Aliás, devemos criticar, porque é próprio da
democracia. Mas a gente não pode falar de fechar o STF, falar de “cabo e
soldado” para fechar o STF… o que é isso?
Essa
gente não tem apreço pela República, não tem apreço pela democracia. E eu
insisto: nós temos excelentes quadros no STF e no STJ, excelentes ministros,
muito experientes, autoridades renomadas que são respeitadíssimas inclusive
fora do Brasil.
Essa
gente está achincalhando para poder obrigar o Poder Judiciário a fazer o que
eles querem, que é interferir politicamente dentro do Judiciário, e isso é
inaceitável.
Os
juízes têm que se unir, porque nenhuma pessoa pode ser julgada corretamente,
adequadamente, senão por uma corte imparcial, um tribunal imparcial e que não
está sob pressão.
Não
existe possibilidade de um julgamento livre de vício se você tem juízes
amedrontados ou juízes ofendidos, escrachados pela mídia. A gente não pode
aceitar que isso ocorra no Brasil, e eu repudio isso com absoluta veemência.
Fonte:
Brasil de Fato