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O ministro da Justiça, Sérgio Moro — Foto: Valter Campanato / Agência Brasil |
Grotesco. Assim juristas, políticos e acadêmicos
comprometidos com normas civilizatórias classificam o projeto de Sérgio Moro de
combate ao crime. A prisão do réu após condenação em segunda instância, antes
do trânsito em julgado e portanto em franca afronta à Constituição, e a quase
permissão para matar que se pretende dar a policiais têm sido combatidas até
por parte da imprensa que há pouco tempo idolatrava o juiz-símbolo da Lava Jato.
O projeto Moro, contudo, é pior do que se imagina. Quase
ninguém viu, mas em determinado ponto ele dá autonomia à Polícia Federal e ao
Ministério Público para firmar acordos internacionais diretamente, sem o crivo
do Congresso Nacional ou do Presidente da República.
“Pense na polícia brasileira trocando informações com a
polícia americana, sem o mínimo de regulamentação sobre isso. Será que a
polícia brasileira pode dar informações sobre brasileiros a uma força policial
de outro país? Será que a nossa soberania não estará sendo colocada em risco
nessa circunstância?”, indaga Alexandre Pacheco, advogado do MTST (Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto) e de outros movimentos sociais.
Pacheco integra um grupo que está elaborando um plano de
segurança pública e combate ao crime a ser contraposto ao projeto Moro, e que
deverá ser apresentado ao Congresso Nacional em caráter pluripartidário, com a
chancela de todos os partidos que fazem oposição do governo Bolsonaro. A ideia
é dar ao petista Fernando Haddad o comando político da iniciativa. Entre seus
formuladores estão criminalistas como Fábio Tofic Simantob, Roberto Podval e
Alberto Zacharias Toron, constitucionalistas como Pedro Estevam Serrano e
lideranças do PT como José Eduardo Cardozo, Paulo Teixeira e Luiz Eduardo
Greenhalg, para ficar nos que atuam no campo jurídico. Entidades como o grupo
Prerrogativas, o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), a Abracrim
(Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas) e o IBCCrim (Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais) estão representadas no time, entre outras.
“Estamos preparando uma alternativa que vai ser
apresentada pela Frente de Esquerda no Congresso, por isso não dá para ser
classificada como uma iniciativa do PT – isso seria um erro. É dos partidos de
oposição e visa a combater o problema da corrupção de verdade, o problema da
violência, o problema da atuação das facções criminosas nos presídios,
exatamente as questões em que o projeto do ministro Sérgio Moro não toca
concretamente”, explica o advogado Marco Aurélio Carvalho, fundador da
Associação de Juristas para a Democracia e um dos coordenadores dos trabalhos.
“É um trabalho dirigido por juristas progressistas
preocupados com o avanço do Estado de exceção, com o avanço da cultura
punitivista. O que se pretende é oferecer uma reflexão alternativa”, diz
Carvalho.
Outro trecho do plano Moro que passou despercebido pela
imprensa obriga os presos a fornecerem material genético quando solicitado
pelas autoridades públicas, caso contrário perderão direitos como a progressão
de regime. “Fornecer um pedaço do próprio corpo? É bastante complicado dar ao
Estado o direito de acessar o corpo de um cidadão. Trata-se de uma cópia quase
literal do que faziam Joseph Mengele e os cientistas nazistas”, ataca Alexandre
Pacheco.
“Nossa intenção é bater na porta de instituições que
atuam na área e também na de congressistas, e mostrarmos que 99% do que está
sendo proposto por Sérgio Moro não faz nenhum sentido. Tudo que ele coloca como
ideia anticrime provavelmente não trará nenhum efeito positivo”, argumenta o
criminalista.
Moro também demonstra desapreço pelas audiências de
custódia em seu projeto, ignorando decisão do CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) que atesta a necessidade do procedimento — que é o instrumento
processual que determina que todo preso
em flagrante deve ser levado à presença da autoridade
judicial, no prazo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e
necessidade de manutenção da prisão.
Além disso, há “soluções” no plano Moro sobre questões
que já estão sendo sanadas pelo Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, a presunção de inocência.
“É um casuísmo enorme, e ele está querendo tratar de forma errada – o
instrumento processual legislativo não é aquele. Dessa forma, Moro está
reconhecendo, por exemplo, que a prisão de Lula é irregular. Se a decisão do
STF a respeito da prisão em segunda instância fosse pacífica, ele não proporia
isso”, observa Marco Aurélio Carvalho.
“O que está norteando o projeto de Sérgio Moro é um
ideal punitivista que não vai resolver os problemas o país, inclusive vai piorar
muitos deles”, critica.
O projeto dos sonhos para a segurança pública, a
criminalidade e a corrupção no Brasil, no entender dos juristas progressistas,
envolve terrenos que Sérgio Moro não visitou. O ex-juiz símbolo da Operação
Lava Jato peca pelo primarismo penal.
“Boa parte das coisas que ele propõe já está sendo
tratada em projetos de lei. Outra parte das coisas que ele propõe não poderia
ser tratada em projetos de lei. E uma outra parte das coisas que ele propõe são
retrocessos que já foram derrotados no Supremo ou no próprio Congresso”, aponta
Carvalho.
Também as Defensorias Públicas fazem parte do grupo que
desenvolve a contraposição ao plano Moro. No dia 27 de fevereiro, a Seção de
São Paulo da OAB realiza audiência pública para discuti-lo.
Fonte:
DCM