Ex-presidente foi condenado nesta quarta-feira (6)
por Gabriela Hardt, juíza que substitui Moro
|
Sítio na cidade de Atibaia, interior de São Paulo, é de propriedade da família Bittar / Reprodução |
A juíza de
primeira instância da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Gabriela Hardt, condenou o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva sob a acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação
conhecida como "Sítio de Atibaia". Segundo a juíza,
Lula supostamente recebeu R$ 1 milhão em propinas referentes às reformas
do imóvel, que é propriedade de Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar,
amigo de Lula. Hardt afirma na sentença que as obras foram custeadas pelas
empresas OAS, Odebrecht e Schahin. Ela condenou Lula a 12 anos e 11 meses
de prisão.
As
acusações são as mesmas do caso "triplex do Guarujá", pelo qual o
presidente é mantido preso na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba
há 306 dias. As inconsistências também remetem ao caso do apartamento no
Guarujá.
O Brasil de Fato teve
acesso aos documentos referentes ao processo e identificou uma série de
fragilidades. Confira abaixo as principais inconsistências.
Ato de ofício
Para se
comprovar o crime de corrupção passiva, é preciso que a acusação demonstre qual
foi a vantagem recebida por um gestor público e especifique qual "ato de
ofício" ele executou em troca desses benefícios.
Em nota à imprensa,
a defesa do petista deixa claro que “não existe qualquer elemento mínimo que
permita cogitar que Lula praticou qualquer dos crimes indicados pelo órgão
acusador”. Na sequência do documento, os advogados acrescentam que “a
Força Tarefa da Lava Jato não indicou qualquer ato da competência do Presidente
da República [ato de ofício] que Lula tenha praticado ou deixado de
praticar que pudesse estar relacionado com reformas realizadas em 2009 em um
sítio de Atibaia e, muito menos, em 2014, quando ele não exercia qualquer cargo
público”.
O ato
de ofício, requisito básico para condenação, não está especificado em
nenhuma das 168 páginas da denúncia do Ministério Público Federal (MPF).
É dono ou não é?
Comprovar
o suposto crime de lavagem de dinheiro também tem sido uma tarefa difícil, uma
vez que Lula sequer é reconhecido como dono do imóvel – o sítio está registrado
no nome de Fernando Bittar. Portanto, o ex-presidente não é beneficiário das
reformas, mesmo que tenha frequentado o local.
A denúncia apresentada pelo
Ministério Público Federal considera que Bittar seria
nada mais que um "laranja", utilizado para ocultação da
propriedade de Lula. Para o advogado e ex-ministro da Justiça, Eugênio
Aragão, a força-tarefa da Lava Jato abandonou o objeto da acusação contra o
ex-presidente para poder condená-lo.
“Mudou
porque o MP [Ministério Público] partiu da ideia de que [o Lula] era dono, de
fato, do sítio de Atibaia, e ficou muito claro que ele não era o proprietário.
Então, ficou numa situação complicada. E o que ele fez? Disse que o Lula não
era o proprietário, mas sim o beneficiário. Então, mudou a própria definição
fática, o próprio conteúdo da denúncia", explica o ex-ministro da Justiça.
A
confusão gerada por essa mudança ficou clara no último dia 14 de novembro,
quando Lula compareceu à sede da Justiça Federal em Curitiba (PR) para prestar
depoimento sobre o caso e manifestou dúvidas em relação à natureza da acusação.
Antes de iniciar o depoimento, ao ser questionada pelo réu, a juíza
Gabriela Hardt, substituta da 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná,
admitiu que o processo não diz respeito à propriedade do imóvel.
Juíza Gabriela
Hardt: Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, o senhor sabe do que está sendo
acusado nesse processo?
Lula: Não. Gostaria de
pedir que a senhora me explique qual a acusação.
Juíza Gabriela Hardt: São dois
conjuntos de acusação. A primeira é de corrupção. O senhor teria recebido
vantagens indevidas da Odebrecht e da OAS, relacionadas aos contratos que eles
têm com a Petrobras, e um segundo conjunto de atos de lavagem de dinheiro,
relacionadas ao sítio.
Lula: Eu pensava que a acusação
que pesava sobre mim era que eu era dono de um sítio em Atibaia.
Juíza Gabriela Hardt: Não é
isso.
Lula: Mas eu sou dono do sítio
ou não?
Juíza Gabriela Hardt: Isso não
sou eu quem tem que responder.
Só a palavra de um delator
Também
em depoimento à juíza Hardt, concedido no dia 9 de novembro deste ano, o
empresário Léo Pinheiro, da OAS, que tenta obter há dois anos benefícios
por um acordo de delação premiada, disse que o valor da reforma no sítio de
Atibaia era referente a uma suposta propina que a OAS teria feito ao PT.
Pinheiro declarou que a negociação era realizada por meio o ex-tesoureiro do
partido, João Vaccari Neto.
Porém,
o próprio Vaccari nega categoricamente a acusação. A defesa de
Lula apresentou em 19 de novembro,
ao juízo da 13ª. Vara Federal Criminal, uma declaração manuscrita do
ex-tesoureiro do PT em que ele expressa: “Não intermediei o custeio de supostas
reformas realizadas pela OAS no chamado ‘sítio de Atibaia’. Refuto
enfaticamente que tenha realizado qualquer ‘encontro de contas’ com Sr. Léo
Pinheiro, ou com outro executivo da OAS envolvendo valores relativos ao
apartamento do Guarujá ou a reformas no ‘sítio de Atibaia’. Jamais intermediei
qualquer tratativa para pagamento de vantagens indevidas em favor do
ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Resta,
portanto, apenas a palavra de um delator.
Então, de onde veio o dinheiro
para a compra do sítio?
Fernando
Bittar e seu sócio Jonas Suassuna são os proprietários do sítio, conforme
expresso na escritura. Em depoimento feito à Justiça
em junho deste ano à Justiça Federal em São Paulo, Priscila Bittar,
irmã de Fernando, contou que o dinheiro para a compra do sítio em 2010 foi dado
pelo pai, Jacó Bittar: “Meu pai tinha o dinheiro da anistia [indenização
por ter sido punido como sindicalista durante a ditadura] e queria um
sítio para realizar o desejo de que todos tivessem um local para
frequentar, passar o tempo junto”.
No dia
18 de junho de 2018, o então juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça do
governo de Jair Bolsonaro (PSL), decidiu não colher o depoimento de Jacó. No
despacho, o magistrado considerou que o depoimento seria de “duvidosa
relevância” e mencionou o estado de saúde do depoente – que, aos 78 anos, tem
mal de Parkinson – para alegar “razões humanitárias” na dispensa.
“Na
verdade, não interessava ao Moro trazer esse assunto a lume. [Moro] não queria
trazer esse depoimento ao processo. Quando lhe interessa, não existe nenhum
tipo de humanitarismo. Não houve humanitarismo em relação à Marisa, esposa do
Lula. Não há nenhum humanitarismo para nada que faça o Moro. Então, ele falar
de humanitarismo soa como uma pilhéria”, questiona Eugênio Aragão.
A
defesa do ex-presidente chegou a sugerir que o depoimento fosse feito por
escrito, mas os procuradores da força-tarefa da Lava Jato não concordaram. No
entanto, no dia 20 de junho, a defesa de Lula juntou ao processo uma declaração
de Bittar, prestada a um escrivão no dia 5 do mesmo mês, em que ele afirma
estar “ciente de sua responsabilidade civil e penal” sobre as afirmações
prestadas.
Naquele
depoimento, Jacó esclarece: “Para a compra do sítio em Atibaia, eu fiz uma
doação para o Fernando de um valor que recebi por causa da anistia política.
Isso também está declarado”.
Jacó
Bittar é amigo há décadas do ex-presidente Lula. Ele conta que, quando foi
diagnosticado com Parkinson em 2009, Lula e Marisa o receberam no Palácio
da Alvorada e na Granja do Torto para que se curasse de um quadro de depressão.
Na mesma época, teve a ideia de “comprar um sítio perto de São Paulo para
reunir a família e os amigos mais próximos” – confirmando a versão do filho
Fernando.
“Desde
o início, minha ideia era que o Lula e a Marisa frequentassem o sítio com total
liberdade, assim como meus filhos”, declarou Bittar “Quando o Lula teve o
câncer, em 2012, oferecemos o sítio para ele fazer o tratamento e ele passou
longos períodos lá”, concluiu.
|
Lula e Jacó Bittar (à direita) durante a fundação da CUT / Crédito: Arquivo |
Jacó também
evidenciou a proximidade de suas relações com a família do ex-presidente:
“Conheci Luiz Inácio Lula da Silva em 1978. (…) Fundamos juntos o Partido dos
Trabalhadores em 1980. (…) Nos tornamos grandes amigos e nossas famílias
convivem intensamente desde então. (…) Tenho os filhos de Lula como se fossem
meus próprios filhos, e sei que ele tem o mesmo sentimento em relação com meus
filhos”.
O pai
de Fernando Bittar contou que Lula o procurou em 2014 para conversar
sobre uma possível compra da propriedade. Segundo ele, o ex-presidente se
sentia constrangido de estar usando o sítio mais que a família Bittar. Jacó
afirma que foi contra a venda e combinou com o filho que isso só seria
feito em caso de necessidade – e que “Lula teria preferência na compra”.
Bittar
terminou a declaração lamentando que o sítio tenha sido usado como
pretexto para acusar seu filho e seu amigo. “As idas frequentes e bem-vindas do
Lula e da Marisa são decorrentes de uma amizade iniciada há quatro décadas
e do relacionamento íntimo que temos. Lamento profundamente que esse sítio
tenha sido utilizado para acusar o meu filho e o meu amigo”, finaliza.
Pertences não são suficientes
Entre
as supostas provas apresentadas pelo MPF e a Polícia Federal, estão bens
pessoais de Lula e seus familiares, como roupas íntimas e dois pedalinhos
encontrados no lago do sítio com as inscrições “Pedro” e “Artur” – nomes
de dois netos do ex-presidente –, além do depoimento de Léo Pinheiro.
No
depoimento à juíza Hardt, Lula questionou os indícios apresentados pela
acusação. “Eu vou lá porque o dono do sítio me autorizou a ir lá, tá? Que bens
pessoais que eu tinha no sítio? Cueca? Roupa de dormir? Isso eu tenho em
qualquer lugar que eu vou. E nenhum empresário pode afirmar que o sítio é meu
se ele não for meu”, questionou o ex-presidente.
Outro indício que
o Ministério Público apresentou para acusar Lula de corrupção passiva é
ele ter passado "muito tempo" na propriedade, entre 2011 e
2016. Os procuradores somaram as vezes que os carros da segurança de Lula
passaram pelo pedágio da rodovia Fernão Dias no período: 540. Como tem pedágio
na ida e na volta, chegaram à conclusão de que o petista foi 270 vezes ao
sítio nesse período. Segundo a defesa, nada disso tem relevância, uma vez que
Lula não nega em nenhum momento ter frequentado o local com "bastante
frequência".
Uma vez
que Lula não recebeu, não é beneficiário nem fez operações bancárias
com os valores da suposta propina, também não há materialidade para o crime de
lavagem de dinheiro, segundo Eugênio Aragão.
Arte: Wilcker Morais
O que diz a defesa
Os
advogados do ex-presidente também questionam a competência da 13ª Vara Federal
de Curitiba para julgar o processo relacionado à propriedade em Atibaia. A
defesa aponta que, no caso do sítio, “o Ministério Público do Estado [de
São Paulo] abandonou a investigação, aparentemente por constatar que não era
possível vincular Lula a nenhum crime”.
“Lula
também apresentou em seu depoimento a perplexidade de estar sendo acusado pelo
recebimento de reformas em um sítio em Atibaia que, em verdade, não têm
qualquer vínculo com a Petrobras e que pertence, de fato e de direito, à
família Bittar, conforme farta documentação constante no processo”, acrescenta.
Em
nota, os advogados dizem ainda que “o depoimento prestado pelo ex-presidente
Lula também reforçou sua indignação por estar preso sem ter cometido qualquer
crime e por estar sofrendo uma perseguição judicial por motivação política
materializada em diversas acusações ofensivas e despropositadas para alguém que
governou atendendo exclusivamente aos interesses do País”.
Fonte:
Brasil de Fato