Militantes lembraram trajetória de três décadas e
meia de luta do movimento em encontro em Guararema (SP)
Ato político ocorreu na Escola Nacional Florestan Fernandes / Rute Pina / Brasil de Fato |
No dia 25 de janeiro de 1984, terminava um encontro de quatro dias em Cascavel (PR) que deu origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que surgia como uma organização nacional que articularia camponeses para a luta por reforma agrária.
Exatos 35
anos depois, militantes e apoiadores do MST realizaram um ato político na Escola Nacional Florestan Fernandes
(ENFF), neste sábado (26), para marcar a trajetória de mais de
três décadas do movimento. Em ocasião do aniversário, o movimento divulgou
uma “Carta ao Povo Brasileiro”, com seu posicionamento sobre a conjuntura
brasileira e internacional (Leia a carta no final desta matéria).
Francisco
Dal Chiavon, o Chicão, foi uma das 120 lideranças que participaram do
primeiro encontro de articulação do MST no município de Cascavel (PR). Nascido
em uma família de pequenos agricultores no oeste de Santa Catarina, ele iniciou
sua militância nos movimentos impulsionados pela parte da Igreja Católica que
professava a Teologia da Libertação.
O
momento, lembra, era de efervescência das lutas com a abertura
democrática, declínio do regime militar e expectativa de eleições no ano
seguinte. Foi nessa época que surgiram também entidades como a Central Única
dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT).
Diversas
experiências de ocupações de terra se espalhavam por todo o país entre 1979 e
1984. Ainda não existia uma articulação nacional deste movimento de
ocupações, e os camponeses à frente dessas experiências foram apelidados
pelos jornais de “colonos sem terra”, “lavradores pela reforma agrária”, entre
outros termos.
“Foi
uma coisa muito bonita porque era o surgimento do novo”, recorda Chicão. Em
contrapartida, pontua ele, um modelo de agricultura baseado na monocultura e no
latifúndio também se expandia e concentrava ainda mais terra. E entre aquela
centena de camponeses que se reuniram no Paraná, ele afirma que não passava
pela cabeça de ninguém a dimensão que o movimento tomaria, mais de três décadas
depois.
Hoje, o MST acumula números impressionantes como a produção
de 27 mil toneladas de arroz orgânico, só em 2017, o que faz do movimento o
maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Por sua dedicação à
produção sustentável e agroecológica, o movimento, em 2011, recebeu o Prêmio Anual de Soberania Alimentar da Coalizão Comunidade Soberania
Alimentar (Community Food Security Coalition -CFSC).
E foi
naquele encontro que os militantes tiraram princípios que ainda hoje
norteiam o movimento e onde foi usada pela primeira vez a sigla MST. “Foi
um encontro decisivo porque ali montamos as bases do que é a nossa organização
hoje.”
“Acho
que um dos nossos acertos foi que procuramos, naquele período, buscar uma forma
de organização que resgata o que já havia acontecido no campo. Então, nós
pegamos pontos importantes da mobilização de massa, nacional — porque até
então, não havia lutas nacionais, mas locais e regionais. E, assim, elas eram
mais fáceis de serem debeladas pela polícia e pelo Estado”, explica Chicão.
João
Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, lembra que com o apoio que a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), os líderes das ocupações começaram a fazer
reuniões regionais para se articular nos municípios e estados. E daí surgiu a
ideia de um encontro nacional.
“Na
verdade, o movimento foi nascendo antes, na prática. E lá no encontro, com 120
lideranças de 16 estados do país, fomos com o coração aberto, com o espírito de
trocar ideias e ver qual seria o futuro porque já era previsto o fim da
ditadura”, lembra.
Nos
quatro dias que se seguiram, foi definida, também, a realização do
primeiro congresso nacional que apresentaria o movimento para a sociedade e
aliados, em janeiro de 1985. “Ninguém imaginava que iria durar tanto
tempo e qual seria a natureza que o MST na prática desenvolveria. O que
realmente consolidou a natureza do MST e garantiu essa longevidade foi, em
primeiro lugar, seu caráter de classe. Então, a luta pela terra e pela reforma
agrária extrapola as necessidades da família, que era a motivação de quem ia
para ocupação. E, em segundo lugar, os princípios organizativos que adotamos”,
avalia Stedile.
Uma nova etapa
A
partir do encontro, os sem-terra definiram princípios e estratégias como a
direção colegiada e o processo de ocupação massiva de terra. Em maio de
1985, ocorreu a primeira delas, em Santa Catarina. Irma Brunetto, que também
integra a coordenação nacional do MST, participou desta ocupação. A
ação contou com cerca de 2,5 mil famílias. Hoje, a área corresponde
a 12 assentamentos da reforma agrária no estado.
“O MST
surge dessa grande contradição que temos na sociedade brasileira que
é: muita gente sem terra e muita terra sem gente – cada vez mais
aumentando a concentração da terra nas mãos de poucos proprietários”, pontua.
Ela,
que acompanha o movimento desde sua formação, se diz encantada com cada passo
novo do movimento. "Cada dia mais eu me apaixono por esse movimento porque
ele é de uma grandeza”, diz a militante. “Nós nunca estamos satisfeitos. E essa
é uma das grandezas do MST. A gente conquistou terra e a gente sabe que tem
muita coisa pra fazer. Está nos nossos princípios: queremos mudar a sociedade.”
Chicão
pontua que a eleição do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) e
de figuras que abertamente se opõem ao movimento, não é algo novo para o
MST. O que muda, para ele, é a forma. O conteúdo das
ofensivas permanece o mesmo.
“Desde
o nosso nascedouro, sempre fomos criticados pela elite. Não é uma novidade o
que está acontecendo agora. Eu creio que a diferença, do que existe daquela
época para agora, é a comunicação, que é muito mais rápida e maior agora. Mas,
naquele período, perdemos inúmeros companheiros nas ocupações em função da
violência do latifúndio.”
Homenagem
Neste
sábado (26), em Guararema, interior de São Paulo, o movimento recebeu menção
honrosa da Assembleia Legislativa do Paraná por unanimidade dos parlamentares.
A homenagem foi entregue pelas mãos do deputado Professor Lemos (PT) para Irma,
que representou os camponeses.
“Testemunhamos
a importância do MST para o povo brasileiro e as contribuições importantes para
a educação, saúde preventiva, agricultura e agroecologia. E também, nesses 35
anos, a contribuição para despertar consciência do povo. Nos municípios onde
está o MST, a consciência política aumentou”, elogiou o deputado.
Coordenação nacional do MST se reuniu em Guararema neste sábado (26). Foto: Rute Pina / Brasil de Fato |
Também estavam no
ato de apoio ao movimento o deputado Orlando Silva (PCdoB), e os parlamentares
petistas, Rui Falcão e Nilto Tatto; o presidente da CUT, Vagner Freitas; e
representantes de entidades como Associação Brasileira de Juristas pela
Democracia (ABJD) e do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCrim).
O ato
na ENFF, três décadas depois, começou e se encerrou com as crianças
sem-terrinha, nova geração que leva adiante o acúmulo de três décadas de luta
pela reforma agrária.
Leia a
Carta ao Povo Brasileiro do MST:
CARTA AO POVO BRASILEIRO
O Movimento Sem Terra celebra
seus 35 anos de luta pela reforma agrária e por justiça social. Nascemos no
final da ditadura civil-militar, junto com milhares de lutadores e lutadoras
que defenderam a democracia e desafiaram o autoritarismo. Mais uma vez, reafirmamos
nosso compromisso de lutar pela democratização da terra, pela produção de
alimentos saudáveis, pela soberania popular e por uma sociedade emancipada.
Diante da crise estrutural do
capital, com consequências graves e destrutivas para a natureza e a humanidade,
nossas tarefas políticas se tornam ainda mais urgentes e necessárias. As saídas
apresentadas pelo capital financeiro, nada tem a ver com as necessidades
humanas, pois resultam em aumento da superexploração dos trabalhadores e
trabalhadoras, através da precarização do trabalho, desmonte das políticas
públicas, agressiva retirada de direitos e expropriações diversas, elevando de
forma brutal, os níveis de desigualdade social. Para executá-las, o capital
requer um Estado cada vez mais autoritário, voltado à repressão, violentando e
perseguindo os mais pobres, promovendo um cruel genocídio da juventude
negra.
Foi desta forma que os meios de
comunicação, o poder judiciário, os bancos, os militares e o agronegócio,
levaram ao poder, neofascista e ultraliberal, um capitão reformado que atua
pelas formas mais baixas e vulgares da política, para manter os privilégios dos
que historicamente saquearam o país e atacar diretamente os direitos da classe
trabalhadora, através de ajustes fiscais, privatizações e subordinação da nossa
economia ao capital internacional, principalmente dos EUA.
A subordinação das questões
indígenas, fundiárias e ambientais aos interesses da bancada ruralista e do
agrotóxico no Ministério da Agricultura; o desmonte da previdência social; a
ameaça da entrega das empresas e bancos nacionais, como Petrobrás, Banco do
Brasil e Caixa Econômica Federal; a liberação da posse de armas são algumas das
políticas mortíferas adotadas por esse (des)governo, que colocam em risco a
nossa biodiversidade e acirram os conflitos no campo atingindo frontalmente os
indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, assentados e acampados da
Reforma Agrária e evidencia a característica antinacional e antipopular
do atual governo.
É preciso ocupar as ruas e as
praças denunciando a voracidade dessas políticas que aprofundam a expropriação
e exploração capitalista.
Assim, nos comprometemos em
lutar e defender todos e todas trabalhadores e trabalhadoras que tenham sua
existência ameaçada. Seguiremos defendendo a soberania dos e povos e lutando
contra qualquer tipo de ingerência política e/ou intervencionismo militar em
qualquer país. Declaramos total solidariedades ao povo Venezuelano!
Nos solidarizamos com as
famílias atingidas pela barragem de Brumadinho, vítimas de mais uma ação
criminosa e reincidente da Vale, uma assassina protegida pelo poder judiciário.
Nos somaremos a mobilização das
mulheres trabalhadoras no 8 de março, seremos zeladores do legado e a memória
de Marielle Franco e de tantos outros companheiros e companheiras que tombaram,
exigindo a punição dos seus assassinos e mandantes. Defenderemos a liberdade do
companheiro Lula, cuja prisão política foi utilizada para que esse projeto
fosse vitorioso nas eleições.
Nos comprometemos em fortalecer
a Frente Brasil Popular e todas as iniciativas de luta da classe trabalhadora
que confrontem a exploração, a subordinação e a opressão, nos somando na luta
cotidiana das mulheres, da população urbana e camponesa, dos negros e negras,
dos povos indígenas e dos sujeitos LGBT.
Lutaremos pela democracia, pela
justiça, pela igualdade, pela defesa dos bens da natureza, pela democratização
da terra e pela produção de alimentos saudáveis para alimentar o povo
brasileiro.
Lutar, construir Reforma
Agrária Popular!
Coordenação Nacional do
MST
26 de janeiro de 2019.
Fonte:
Brasil de Fato