A desastrosa
decisão de Jair Bolsonaro (PSL), presidente eleito, de colocar em risco o bem
sucedido Programa Mais Médicos, com a saída dos médicos cubanos, continua
rendendo protestos e a apreensão de amplos segmentos da população sobre as
consequências do colapso iminente do programa governamental. Nesta
segunda-feira (19), o médico cubano, Yonner Gonzales Infante, integrante do
programa Mais Médicos, fez uma carta aberta a Bolsonaro, respondendo os ataques
dirigidos ao governo cubano, a modalidade e forma de contratação, a questão
salarial e o compromisso dos médicos de Cuba com a medicina pública –
humanizada e com foco na prevenção. O profissional pediu que o presidente
eleito respeito o trabalho dos médicos cubanos. Leia a íntegra da carta.
A carta foi publicada no site Nocaute do
jornalista Fernando Morais.
“Bolsonaro, meu
filho, quando o Sr. diz que Cuba fica com meu salário eu só penso nas seguintes
questões:
1-Eu
aceitei os termos de um contrato por livre e pessoal determinação.
2-Ciente
de que, com esse dinheiro, minha mãe, irmãos, sobrinhos, primos, tios,
vizinhos, famílias todas tem garantido o cuidado de sua saúde. Sem pagar nada.
3-Ciente
de que minha formação como médico é graças à criação de universidades públicas
em todo o território nacional. Onde filhos de pedreiros, advogados,
fazendeiros, faxineiras, empregados dos correios, médicos, etc compartilham a
mesma sala de aulas sem discriminação por sexo, cor, ideologia, ou riqueza.
Isso, Bolsonaro, chama-se igualdade. Coisa que Sr. não conhece, porque não
existe num país onde a corrupção e os privilégios políticos acabam com a
riqueza do Brasil.
3-Eu
tenho a coragem de trabalhar para o povo brasileiro ainda sem perceber esse
salário de que o Sr. fala. Porque eu não trabalho só por uma questão econômica.
Eu trabalho porque gosto da minha profissão, por que jamais vou ficar rico às
custas dos pobres. Porque jamais vou usar a política como meio de vida. Porque
jamais vou enganar os pobres com falsas promessas. Porque jamais vou plantar o
ódio e discriminação no coração de ninguém. Porque vou pensar bem as coisas
antes de falar para não ter que fazer como você (pedir desculpas todos os dias
pelas loucuras que fala).
4-Eu
posso sim trazer alguém de minha família. Não trouxe porque, Sr. Bolsonaro, o
pobre tem que ter prioridades na vida e para mim a prioridade é ajudar minha
família, mais que comprar uma passagem aérea sabendo que em casa temos outras
necessidades e prioridades.
5- Sei
também que o Sr. conta com o apoio de uma pequena parte de meus colegas que,
por motivações políticas e econômicas, acham melhor se enriquecer de dinheiro e
não de amor, experiência, valores morais, patriotismo, dignidade. Porque eu
posso não concordar com meu salário lá em Cuba. Eu posso até não concordar com
o sistema político da Cuba. Mas também não tenho porque difamar meu país. Eu vi
isso também nos brasileiros pobres, maioria no Brasil. Eles gostam do Brasil,
daquele povinho onde eles nasceram, só que com certeza gostam que esse mesmo
Brasil que eles tem no coração tenha igualdade, pobreza zero, fome zero,
discriminação zero, violência zero, corrupção zero, saúde e educação de
qualidade. Mas ainda assim, no Brasil imperfeito, eles gostam de seu país.
6- O
Sr. diz que os cubanos “estão se retirando do Mais Médicos por não aceitarem
rever esta situação absurda que viola direitos humanos”. Não, Bolsonaro, o que
realmente viola os direitos humanos é privar aos pobres do Brasil do acesso à
Saúde por não concordar com outras ideologias políticas. Porque o Sr. quer
mudar as regras sem perguntar aos beneficiários do programa se realmente os
cubanos fazem o trabalho do jeito que tem que ser. Porque aqui no Brasil a
gente tem preceptores brasileiros, a gente está fazendo um curso em medicina
familiar, tudo sob a supervisão de excelentes profissionais brasileiros. A
gente não está lá em qualquer canto fazendo as coisas por capricho não. Agora
vem você a dizer que nós estamos fantasiados de médicos. Aqui o único
fantasiado é o Sr. São todos os que apoiam sua absurda visão da realidade. O
Sr. só está lutando pelos privilégios da classe médica, da classe política.
Lamentável! Sim, sr. Bolsonaro, o que resulta lamentável é ver como um cara sem
conhecimentos de nada, apenas só de armas, consegue se eleger presidente. E
ainda assim mais lamentável ainda foi ver alguns pobres eleger você. Deus tome
conta dos pobres. Deus tome conta do Brasil.
7-Quem
estudou na época dos livros, quem estudou na época que as pesquisas eram feitas
nos livros e não no Google ou na internet merece respeito. Quem lutou pela vida
e chorou pela morte de uma pessoa ou de uma criança merece respeito. Quem foi
lá, onde para muitos é o fim do mundo, para cuidar dos doentes, merece
respeito. Quem ficou longe da família para devolver o sorriso de um idoso ou
uma criança merece respeito. Aí é para tirar o chapéu viu? Absurdo que 66
países no mundo estão se beneficiando de nosso labor e vem você nos chamar de
fantasiados. Pior ainda duvidar de que alguém queria ser atendido por cubanos.
Peço
respeito pelos meus colegas.
Peço
respeito à livre escolha de meu povo.
Peço
respeito para os pobres e ignorantes .
Peço
respeito para a Medicina Pública.
Peço
também ao Sr. estudar o que significa amor ao próximo.
O que
significa Pátria.
O que
significa dignidade.
O que
significa diplomacia.
O que
significa Medicina familiar.
O que
significa igualdade
O que
significa respeito de pensamento
O que
significa ser o presidente dos brasileiros pobres também é não só dos ricos e
poderosos.
Saúde e
longa vida para o Sr.
Deus
abençoe você e seu povo.”
Yonner
González Infante
Médico,
membro do programa “Mais Médicos”